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Guia Politicamente Incorreto da Arbitragem VIII - Arbitragem e provas

Temo que se esteja criando "usos e costumes" sobre produção de provas na arbitragem, que os árbitros adotam sem perquirir qual o método mais adequado para aquele litígio específico.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Atualizado em 3 de agosto de 2015 09:24

A arbitragem confere flexibilidade quanto ao meios e à forma de produção probatória, fugindo das amarras do CPC e permitindo, em tese, que ela seja mais profunda e eficiente do que no processo judicial.

Mas essa liberdade gera o desafio para os árbitros e as partes: como sair do "piloto automático" e produzir provas da maneira possível para aquele caso específico? Para tanto, há de se analisar as práticas usuais na arbitragem.

Com relação à prova testemunhal, enquanto ela é a "prostituta das provas" no processo judicial, na arbitragem a oitiva de testemunhas é muitas vezes vista como o ápice do processo. Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar, pois os depoimentos devem ser avaliados com um grão de sal. Na arbitragem não vigora o sistema do CPC que distingue testemunhas dos meros informantes e quase todos os depoentes em disputas empresariais têm alguma relação com as partes, a favor ou contra. Embora exista a obrigação de falar a verdade, cada pessoa conta a história sob o seu ponto de vista. Ainda mais os representantes legais, que não estão sujeitos a perjúrio. Assim, quase todos os depoimentos merecem ser relativizados e formam mosaico imperfeito. Ainda mais se se considerar o quão falha é a memória humana, o que os estudos mais modernos de neurologia vêm confirmando.

Permite-se na arbitragem a inquirição direta, um avanço vis-à-vis o sistema do CPC de 73 de "juiz papagaio" da pergunta dos advogados das partes, tanto que o CPC de 2015 abraçou o método direito. Isso não significa, contudo, que o advogado deva se comportar em audiência como se estivessem em filme de tribunal. Há que se tratar a testemunha com urbanidade e os árbitros devem coibir agressividade, perguntas capciosas e "pegadinhas". Afinal, a inquirição direta não pode virar um concurso de qual testemunha fala melhor ou se mostra mais bem preparada. E muito depoente acaba se expressando mal, por nervosismo, o que não pode atrapalhar a busca pela verdade. De qualquer forma, há uma mudança de paradigma e os advogados devem procurar treinamentos para inquirição direta, especialmente a cross examination, de forma a estar em igualdade de armas com profissionais mais experientes na ferramenta.

Para tornar mais eficiente a prova testemunhal em arbitragem, recomenda-se as seguintes iniciativas:

(i) que as partes apresentem, sempre que possível, declarações escritas das testemunhas antes da audiência, e que a contra-inquirição baseie-se no que se afirmou em tais declarações;

(ii) que os árbitros limitem o tempo de oitiva de testemunhas e tenham coragem de denegar oitiva de depoentes sobre assuntos repetitivos ou temas inúteis para resolução da lide, de sorte a evitar a "maratona" de dias e dias de audiência; e, por último, mas não menos importante;

(iii) que os árbitros esclareçam com precisão quais os temas que devem ser provados e como os depoimentos podem elucidar esses temas.

Há de se evitar em audiências o paradoxo de Alice no País das Maravilhas: "quando não se sabe onde se quer ir, qualquer caminho serve".

No tocante à prova pericial, existem dois métodos mais frequentes: ou a nomeação de perito do juízo, com possibilidade de quesitação e indicação de assistentes técnicos pelas partes, ou o uso de testemunhas técnicas, para atuarão como experts, sem que haja perito oficial. Como na arbitragem o julgador tende a deter mais conhecimento da questão técnica, o método da testemunha técnica pode funcionar bem, economizando o tempo e o custo da perícia. Mas, para tanto, os árbitros devem ter postura ativa, definindo bem o escopo da prova pericial e antecipando suas dúvidas técnicas. Quantas vezes não se vê testemunhas técnicas com conclusões totalmente antagônicas, no fundo inútil para o deslinde da controvérsia, porque cada uma adotou escopo e premissas distintas e os árbitros se omitiriam, o que acaba redundando em segunda perícia, dessa vez do juízo. E é imprescindível que todas as partes tenham acesso aos documentos necessários à produção de prova pericial.

Por fim, a produção de prova documental também não está restrita às regras do CPC. Deve-se, contudo, impor normas, para se coibir, por exemplo, que uma parte junte documento relevante na véspera da audiência. Vê-se muito em arbitragem as chamadas "fishing expeditions": o autor propõe ação sem certeza de seu direito e pede do réu provas que nem sabe se existem. Isso não pode ser admitido. Não podemos copiar o processo civil norte-americano naquilo que ele tem de pior, o discovery, procedimento caro e demorado, para o qual as parte brasileiras não estão preparadas.

Em suma, temo que se esteja criando "usos e costumes" sobre produção de provas na arbitragem, que os árbitros adotam sem perquirir qual o método mais adequado para aquele litígio específico. Arbitragem é artesanato, e não procedimento "de prateleira". Além disso, os árbitros devem fixar o quanto antes quais são os pontos controvertidos, para se evitar provas irrelevantes. Por fim, mas não menos importante, os árbitros devem atentar para a questão do ônus da prova. Muitas vezes os árbitros ignoram o onus probandi e pedem de ofício provas que deveriam ter sido produzidas pelas partes, o que piore se ocorrer em estágio avançado do processo. O objetivo da arbitragem deve ser o máximo se eficiência, o que Mas passa necessariamente pelos árbitros respeitarem o ônus da prova e determinarem prontamente quem deve comprovar o quê.

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*Joaquim de Paiva Muniz é sócio do escritório Trench, Rossi e Watanabe Advogados.

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