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A cláusula de tarefas e a inovação nas negociações coletivas

A inovação em negociações coletivas após recente decisão do TST que previa a possibilidade da realização de tarefas eventuais pelos funcionários.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Atualizado em 1 de dezembro de 2015 10:06

As possibilidades de inovação nos acordos coletivos têm se reduzido a cada declaração de invalidade que suas cláusulas sofrem na Justiça do Trabalho. Com isso, a criatividade na redação dos novos instrumentos coletivos é desestimulada. Felizmente, não foi o que ocorreu em recente decisão da SDC (RO - 20931-03.2014.5.04.0000) sobre uma cláusula que previa a possibilidade da realização de tarefas eventuais pelos funcionários.

Em tal decisão, a Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST conheceu de recurso do Sport Club Internacional e revalidou cláusula de acordo coletivo firmado com o Sindicato dos Empregados em Clubes Esportivos (RS) que desvincula da relação empregatícia serviços prestados alheios ao contrato de trabalho. Referida cláusula já era aplicada pelo clube gaúcho há quase 30 anos, sendo renovada a cada acordo coletivo firmado, com boa aceitação e participação dos funcionários. A seção especializada do tribunal entendeu que tal previsão não viola direitos dos empregados, pois além das tarefas não configurarem uma relação de emprego - por sua eventualidade e pelo seu caráter facultativo -, os benefícios econômicos da cláusula superam os prejuízos alegados.

O MPT havia ajuizado ação anulatória, alegando que a realização de atividades eventuais e facultativas, denominadas "tarefas" pelo acordo coletivo, desvirtuariam a relação de emprego estabelecida entre os funcionários e o Clube. De acordo com o parquet, o pagamento a título de tarefas não tinha por fim remunerar atividade desvinculada do contato laboral, fora da jornada regular de trabalho e nos limites de suas dependências, conforme previsão contida em acordo coletivo, "mas, sim, o próprio trabalho realizado pelo empregado em favor do clube, de forma rotineira e em excesso à carga horária normal".

Na visão do MPT, o acordo "extrapola os limites da negociação e autonomia coletivas", violando o artigo 7º incisos XIII e XVI da CF, já que os serviços não são considerados jornada extra e não incidem sobre os cálculos de verbas trabalhistas como férias, 13º salário e FGTS.

A defesa do time gaúcho alegou que a norma, além de não ser obrigatória, representa condição mais favorável aos trabalhadores, "uma vez que o valor pago pela hora da tarefa é mais que o dobro caso fosse contabilizado como jornada extra".

O TRT da 4ª região (RS) acolheu o pedido do MPT e declarou a nulidade da cláusula. Para o TRT, normas relativas à jornada e aos critérios de remuneração são inafastáveis, "não podem ser afastadas por normas coletivas".

Podemos considerar a decisão da SDC como emblemática, primeiro pelo julgamento, com voto divergente do ministro Maurício Godinho Delgado, que entendeu ser a cláusula uma "porta aberta" para violações aos direitos dos trabalhadores, e em segundo lugar por trazer de volta a discussão entre o princípio protetor e a autonomia privada coletiva, num tema tão delicado como o vínculo de emprego.

No entendimento da relatora do recurso, ministra Maria Cristina Peduzzi, a cláusula convencional estabelece benefícios econômicos aos trabalhadores que ultrapassam os prejuízos alegados pelo MPT. Segundo a ministra, por ser um serviço eventual e uma atividade facultada ao empregado, sem a presença do poder diretivo do empregador, a relação de emprego não se caracteriza.

Seria esse o início de um novo tempo nos contratos de trabalho? Com essa decisão o TST estaria autorizando empregadores e empregados a estabelecerem 2 contratos ao mesmo tempo? Uma mescla de contrato de trabalho e prestação de serviços eventual e não obrigatória? As possibilidades são animadoras, ao menos para os que acreditam que a nossa legislação trabalhista precisa, há muito tempo, de um choque de evolução.

Existe uma certa zona de conforto no lado dos que defendem que a CLT e o Direito Constitucional do Trabalho devem permanecer como estão, não podendo ser contrariados, em hipótese alguma, pela livre negociação entre sindicatos e empresas. Diante disso, parece que mudanças só surgirão por conta daqueles que ousam divergir da normatividade presente.

A imutabilidade do Direito laboral não pode ser permanente, em nome de uma suposta proteção ao trabalhador. No presente caso, a análise da validade da cláusula de tarefas não deveria ser realizada de maneira teórica, como fizeram os que defenderam sua invalidade, mas sim pragmática, como aqueles que observaram tratar-se de cláusula mais benéfica ao trabalhador. Quem defendeu a invalidade da cláusula, o fez apenas por entender como teoricamente incompatível com o vínculo de emprego a prestação de serviços eventuais, como se estes sempre caracterizassem a prestação de horas extras não remuneradas como tais. Percebe-se que, por parte dos defensores da invalidade, não houve questionamento sobre qual seria o prejuízo para o empregado que decidisse realizar um serviço extra, de maneira eventual e com remuneração melhor.

Afinal, de nada vale a autonomia privada coletiva sem inovação. Não há vantagem em se buscar um acordo coletivo justo para ambas as partes, se qualquer cláusula que se afaste um pouco do que já está positivado em nosso ordenamento pode ser entendida como precarização, violação de direitos ou até mesmo (paradoxalmente) um retrocesso nos direitos e garantias do trabalhador. O medo do esforço perdido e dos riscos da propositura de ações anulatórias como a que gerou esta decisão desestimulam a criatividade e inovação nos acordos coletivos.

Diante dessa decisão, aumenta a nossa esperança de renovação nesse ramo tão complexo do Direito. Com a disseminação de decisões mais razoáveis quando o assunto é negociação coletiva, o TST nos sinaliza que nem todo tipo de inovação será rechaçada e nem todo esforço criativo será perdido.
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*Lucca Martins Portocarrero é advogado do departamento jurídico da JBS.

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