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STF: Transexual e direito à identidade de gênero, por Eudes Quintino e Antonelli Secanho

STF: Transexual e direito à identidade de gênero

A ciência do Direito, com a necessária dinamicidade que lhe é intrínseca, precisa se amoldar à evolução social e regular situações novas que, em um primeiro momento, não estariam acobertadas por normas vigentes, mas que necessitam de regulamentação.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Atualizado em 18 de dezembro de 2015 12:45

O Plenário do Supremo Tribunal Federal iniciou julgamento de recurso extraordinário em que se discutia a reparação de danos morais a transexual que teria sido constrangida por funcionário de "shopping center" ao tentar utilizar banheiro feminino. O ministro Roberto Barroso (relator) deu provimento ao recurso extraordinário para que fosse reformado o acórdão recorrido e restabelecida a sentença que condenara o estabelecimento a pagar indenização de R$ 15 mil pela retirada da transexual do banheiro. Além disso, propôs a seguinte tese para efeito de repercussão geral: "Os transexuais têm direito a serem tratados socialmente de acordo com a sua identidade de gênero, inclusive na utilização de banheiro de acesso público". O ministro Edson Fachin acompanhou o relator, porém majorou a indenização para R$ 50 mil e determinou a reautuação dos autos com o nome social da recorrente. Em seguida, pediu vista o ministro Luiz Fux1.

Desse modo, destaca-se que a Suprema Corte foi instada a se manifestar acerca de um fato novo que a cada dia se faz mais presente na convivência social: a identidade de gênero, ou seja, aquele com o qual a pessoa se identifica, não havendo, necessariamente, correspondência com características físicas do indivíduo.

Cuida-se em esclarecer que não se trata de orientação sexual, uma vez que esta refere-se à opção em se relacionar com outras pessoas, de mesmo sexo ou não.

Sendo assim, torna-se imperioso fazer ver, em um primeiro momento, que toda pessoa possui aptidão para adquirir direitos e contrair obrigações (artigo 1º, do Código Civil), ou seja, todos possuímos personalidade jurídica.

E, como tal, somos amparados pelo Direito, especialmente na seara civil, que traz a consagrada proteção aos direitos da personalidade, previstos no capítulo II, do título I, da Parte Geral do Código Civil.

Outrossim, a definição de direitos da personalidade é trazida, de maneira bastante apropriada, por inúmeros doutrinadores, entendendo-se, em apertada definição, que se trata de um direito irrenunciável e intransmissível que todo indivíduo possui de utilizar, de forma lícita, seu nome, imagem, corpo ou qualquer outro elemento característico de sua identidade, cabendo, em caso de violação, justa indenização (artigo 12, do Código Civil).

Logo, a ciência do Direito, com a necessária dinamicidade que lhe é intrínseca, precisa se amoldar à evolução social e regular situações novas que, em um primeiro momento, não estariam acobertadas por normas vigentes, mas que necessitam de regulamentação. Exige-se, portanto, uma indispensável reflexão hermenêutica para se fazer a necessária adequação.

Assim, um indivíduo do sexo masculino, que se projeta e identifica com uma alma feminina, ou vice-versa, precisa ter sua proteção igualmente regulamentada pelo Direito. E mais, em caso de qualquer violação a direito da personalidade, busca-se a eficaz tutela jurisdicional.

E foi com o costumeiro acerto que o STF entendeu, conforme julgado transcrito, que transexuais tenham seus direitos respeitados, sob pena de ser estipulada indenização em caso de eventual violação.

Mas não de pode perder de vista, ainda, que não é apenas na seara cível que o Direito oferece proteção aos direitos da personalidade.

Com efeito, o Direito Penal também traz tipificações de condutas, prevendo os conhecidos crimes contra a honra, que têm por objetividade jurídica justamente a integridade moral da pessoa humana, tutelando, também, a honra subjetiva e objetiva do ofendido, isto é, o conceito que a vítima tem de si e perante a sociedade.

Não fosse suficiente, verifica-se, igualmente, as condutas tipificadas na lei Federal 7.716/89, que define os crimes resultante de preconceito, os quais implicam em conduta discriminatória quanto a um grupo de pessoas ou à coletividade. Isto é, o agente, valendo-se de características da vítima (ou grupo), a segrega dos demais integrantes da sociedade.

Remete-se, igualmente, citada lei a casos de preconceito de cor, mas não reside "somente" nesse aspecto a atuação do legislador: etnia, convicções filosóficas, grupos de pessoas, podem ser perfeitamente enquadrados como situações abstratamente hábeis a fazer incidir a lei 7.716/89.

A interpretação e a decisão da Corte Suprema evidenciam, pelo caminho até agora percorrido, que ninguém pode ser discriminado por uma escolha fundada no exercício do direito de diversidade para encontrar a perfeita adequação da dignidade humana, tão proclamada nos dias atuais.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde, advogado e reitor da Unorp - Centro Universitário do Norte Paulista.






*Antonelli Antonio Moreira Secanho, advogado, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação lato sensu em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.


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