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O Rei não tinha só a cabeleira do Zezé

Na origem das coisas, na mitologia grega, o Rei Momo era uma mulher, que foi até deusa, e que sendo deusa podia também ser juíza e, por isso, os seus julgados, ante a crença de que eram semeadores do bem, dispensavam a interposição de recursos.

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Atualizado em 4 de fevereiro de 2016 15:38

Na origem das coisas, quero dizer, na mitologia grega, o Rei Momo era uma mulher que foi até deusa, e que sendo deusa podia também ser juíza e, por isso, os seus julgados ante a crença de que eram semeadores do bem dispensavam a interposição de recursos.

Momo personificava a noite. E era conhecida também pelo apelido de Reclamação.

Os encantos divinos dessa rainha e juíza foram se diluindo assim que os romanos, por maldade histórica ou erro de tradução, concluíram que a deusa, e ao mesmo tempo juíza grega, era na verdade um deus, e melhor dizendo, um deus que era também juiz.

Tendo como lema o "seja você quem for, seja o que Deus quiser", os romanos escolhiam três dias a cada ano para uma grande festança com churrasco e vinho. Cavavam enormes valas nas quais assavam as carnes dos bichos caçados nas vésperas e abatidos conforme a demanda ao longo dos três dias.

Segundo o historiador Marco António, os romanos chamavam de carnivália a vala onde eles assavam as carnes e daí veio a palavra carnaval.

Para o governo dos três dias de carnaval os romanos elegeram Rei a deusa Momo dos gregos. Não era bem um Rei encarnado num homem, mas originariamente uma mulher que com o passar do tempo, aí sim, se assumiu e depois de muitas paradas e quebras de armários chegou lá.

A condição de elegibilidade para Rei Momo era ser militante, defensor escancarado do Império de César, dono de insuspeitável alegria, irradiante simpatia e, também, muito bonito. O que para estas paragens não chega a ser o caso.

Tempos depois uma reforma eleitoral feita às pressas, no maior casuísmo, tornou inelegível quem não pesasse no mínimo 120 quilos, exigindo-se a vistosa obesidade também para as candidatas a Rainha Momo.

Tudo isso ideia, já naquele tempo, da bancada do agronegócio e de um pessoal da OAB do Maranhão sob a justificativa de que o sobrepeso simboliza poder e fartura, o dólar em queda, a inflação controlada, o real valorizado, o desemprego despencando, os salários com poder de compra, enfim, o crescimento da produção, a começar pela industrial.

Mas como isso tudo foi sumindo do cenário e constatando-se que metade da população do país está obesa, o que só aumenta as despesas do governo e dos planos de saúde, a primeira condição de elegibilidade para os tronos de Rei e de Rainha do carnaval foi revogada, determinando-se que os candidatos agora tenham que ser magros na proporção da altura e do peso.

Ora, quem sob a visibilidade geral inerente ao poder, rei ou rainha, presidente ou presidenta de qualquer coisa, não tem que se mostrar como símbolo do bom exemplo?

Quando algum ungido para alguma altura diz que não gosta de ler livros e que seu primeiro e único diploma na vida foi o que lhe permitiu ascender a curaca, qual a criança que depois disso vai querer ir para a escola?

Vale também para o Rei Momo e Rainha Momo, enquadráveis na lei ficha suja da obesidade, caso não se apresentem magros e sarados. Casal de monarcas obesos é o mesmo que dizer às crianças - bebam mais refrigerantes, comam mais batata frita, mais pipocas, comam mais sanduiches de lanchonetes...

Em Palmátria, a capital de um país descoberto pelo poeta Tribuzi no ultimo século, houve há pouco uma grande confusão na escolha do novo Rei e da nova Rainha Momo.

Quando tudo parecia seguir nos conformes dos previamente combinados, como sói acontecer igualmente no Maranhão, sabendo-se antemão nos bastidores quem seria a Rainha Momo eleita, eis que desponta uma morena que parecia ter acabado de sair de uma tela do Di Cavalcanti.

Alta, esguia, dedos de pianista, sorriso cativante, daqueles de encarcerar doleiro e até diretor da Petrobras, dir-se-ia que era a reencarnação da modelo do gênio pintor, a Marina Montini.

Ah, o júri não gostou. Seria a revogação do que havia sido negociado antes. Esgotados todos os argumentos, um inflamado jurado saiu com mais este:

- Esta candidata é muito alta, gente. E mulher alta cansa.

- Quem falou que mulher alta cansa? Quis saber outro jurado.

- Ora, o Sarney...

- Ou o Cabral?

Ninguém achou graça. Mas o Sarney, que acompanhava tudo pela televisão, qual o dono da tabacaria, aquele do poema de Fernando Pessoa, sorriu.

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*Edson Vidigal é advogado. Foi presidente do STJ e do CJF.

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