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Advogado criminal, esse desconhecido.

É preciso que a sociedade reaja a qualquer tentativa de desmoralização de advogados com trajetórias ilibadas e que construíram suas histórias na defesa dos direitos fundamentais com ética e denodo.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Atualizado às 09:24

Para Nilo Batista e
Roberto Teixeira.

Em artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais - IBCCrim - em 1995, o grande criminalista Antônio Evaristo de Moraes Filho, que deixou o mundo antes de envelhecer, aborda a incompreensão da sociedade com os advogados criminalistas. Essa incompreensão, estranheza e repúdio, que se transforma, muitas vezes, em desrespeito e ódio pelo profissional, decorrem, invariavelmente, pelo fato de pessoas acusadas de toda espécie de crimes encontrarem advogados que patrocinem suas defesas.

Hodiernamente, a sociedade alimentada por uma mídia tendenciosa tem sido levada a esquecer do papel fundamental do advogado no tão proclamado Estado Democrático de Direito. A nobre função do advogado está assegurada na Constituição da República (CR) que proclama: "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei". (art.133 da CR). Na Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi proclamado que a qualquer homem acusado de um ato delituoso são "assegurados todas as garantias necessárias à sua defesa". (art. XI)

Em relação aos acusados, os supostos defensores da lei e "paladinos da justiça" deslembram, por conveniência e perversidade, o princípio constitucional da presunção de inocência, segundo o qual "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" (art. 5º, LVII da CR).

No momento em que o processo penal do espetáculo assumiu o lugar do devido processo legal, basta a pessoa ser acusada para que passe a ser tratada como se culpada fosse, através de um verdadeiro "linchamento público", sem que lhe seja assegurado qualquer das garantias constitucionais.

O filósofo e criminólogo francês Gabriel Tarde1, em 1898, impressionado com o caso Dreyfus ocorrido na França, declarou que: "Infelizmente, a imprensa é beneficiária de uma enorme impunidade legal ou ilegal e pode publicar o assassinato, o incêndio, a espoliação, a guerra civil, organizar uma grande chantagem, aumentar a difamação e a pornografia ao nível das instituições intocáveis. A imprensa é o poder soberano dos novos tempos".

A história e a memória judicial narram inúmeros casos de pessoas que foram condenadas pela opinião pública (da) e execradas pela mídia, mas que após o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, verifica-se a sua inocência que foi sustentada pela voz solitária e às vezes rouca do advogado.

Os tentáculos do poder acusatório da mídia são capazes de acachapar todo e qualquer princípio de direito. Neste diapasão, a presunção de inocência esculpida na Constituição da República no título que trata dos direitos e garantias fundamentais é completamente abandonada passando a ser letra morta em nossa lei maior. Como bem disse Nilo Batista2 "a imprensa tem o formidável poder de apagar da Constituição o princípio de inocência, ou, o que é pior, de invertê-lo".

Passou da hora da sociedade compreender que a defesa não pertence somente ao acusado, mas a todos, é de interesse público. Neste sentido Rubens Casara e Antônio Melchior para quem "O defensor atua com o objetivo de proteger o estado de liberdade do imputado. Sua missão democrática, portanto, possui uma dimensão pública, vinculado à defesa de um bem que é protegido em nome de um interesse também público: a liberdade. Aqui reside a força da atuação defensiva".3

O direito de defesa e os advogados incomodam. Incomodam os que se colocaram do lado do golpe militar de 1964 e se acostumaram a abusar do poder; incomodam os autoritários e fascistas do presente; incomodam o braço repressor (a polícia e o Ministério Público) do Estado; incomodam e atrapalham os julgadores que se transformaram em verdugos; incomodam os que tomam o justiçamento como se justiça fosse; incomodam todos aqueles que desprezam a democracia (material) e o Estado de direito.

Não é sem razão que em estados totalitários e ditatoriais um dos primeiros direitos a ser suprimido é o de defesa. Aqueles que pretendem calar a defesa e a voz dos advogados em nome de um pretenso e fantasmagórico combate ao crime devem avaliar o número de inocentes que foram salvos graças à defesa. Hão de refletir que também um dia poderão precisar de um advogado de defesa. Pobres e ricos, negros e brancos, homens e mulheres, católicos, protestantes, evangélicos, judeus e até os que não creem em deus tem direito a defesa.

Em "tempos sombrios", para usar a expressão de Hannah Arendt, não se contentando em atacar e julgar os acusados, a mídia levianamente inicia campanha sórdida contra determinados advogados com o nítido objetivo de fragilizar a defesa e atingir por meio destes os acusados.

Como já dito, é preciso que a sociedade reaja a qualquer tentativa de desmoralização de advogados com trajetórias ilibadas e que construíram suas histórias na defesa dos direitos fundamentais com ética e denodo. Ataques infundados e injustificados ao exercício da advocacia fere frontalmente o Estado Democrático de Direito.

Francesco Carnelutti asseverou que: "A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado, quando todos o apontam".4

Como advogado criminalista, amante da liberdade e da justiça, faço minhas as palavras de Antônio Evaristo de Moraes Filho, "Aos que insistem em não reconhecer a importância social e a nobreza de nossa missão, e tanto nos desprezam quando nos lançamos, com redobrado ardor, na defesa dos odiados, só lhes peço que reflitam, vençam a cegueira dos preconceitos e percebam que o verdadeiro cliente do advogado criminal é a liberdade humana, inclusive a deles que não nos compreendem e nos hostilizam, se num desgraçado dia precisarem de nós, para livrarem-se das teias da fatalidade".

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1 TARDE, Gabriel. A opinião e as massas. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

2 BATISTA, Nilo. Punidos e mal pagos: violência, justiça, segurança pública e direitos humanos no Brasil de hoje. Rio de Janeiro: Revan, 1990.

3 CASARA, Rubens R. R. e MELCHIOR, Antonio Pedro. Teoria do processo penal brasileiro: dogmática e crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

4 CARNELUTTI, Francesco. As misérias do processo penal. Trad. José Antonio Cardinalli. São Paulo: Conan, 1995.

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*Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista. Escritório Leonardo Isaac Yarochewsky Advogados Associados.

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