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Nunca neste país se falou tanto de Direito, por Eudes Quintino

Nunca neste país se falou tanto de Direito

Em todos os lugares as pessoas trocam informações verídicas ou não, mas que vão se somando ao arsenal probatório popular para um próximo julgamento.

domingo, 20 de março de 2016

Atualizado em 18 de março de 2016 14:55

Muitas vezes a nação caminha lentamente, seguindo os passos ditados pela monotonia e os cidadãos, por falta de assunto, sentem que a vida se torna enfadonha e vão observando que os fatos vão se sucedendo de forma repetitiva, quase que previsível, dando a sensação de uma vida sem parâmetros em que as frases são ditas lenta e longamente, com preguiça de se chegar ao ponto final.

Mas, de repente, num estalo mágico, a nação desperta com a chegada da operação Lava Jato. Jornais, revistas, televisão, redes sociais se movimentam de forma espetacular proporcionando um novo mundo, um espetáculo de há muito esperado, com lances mais dinâmicos e interessantes do que uma partida de futebol. Em todos os lugares as pessoas trocam informações verídicas ou não, mas que vão se somando ao arsenal probatório popular para um próximo julgamento.

E a população, como que familiarizada com a matéria, faz uso de institutos e expressões jurídicas em suas conversas, criando um espaço de discussão a respeito de temas até então não frequentados. Exemplo dessa prática vem retratado no diálogo captado entre duas mulheres:

__ O que deve ser levado em conta é que a delação premiada se apresenta como fonte de toda investigação e, depois de homologada, ainda cumpre demonstrá-la. Pelo que sei nada mais é do que uma confissão em que a pessoa aponta outras que tenham participado do ato ilícito. Acredito na espontaneidade do delator, apesar de saber que assim age também para receber os benefícios da lei, mesmo porque se fizer qualquer consideração que não seja verídica, será ainda mais prejudicado. Além do que é o único caminho que a Justiça encontra para desvendar os meandros do crime, diz com segurança a gerente de uma papelaria, mas insegura com relação ao seu emprego, comércio que vem capengando em razão da crise que não foi provocada por ela.

 __ É verdade, retruca a cliente enquanto escolhe o material escolar para a filha. Eu adorei quando o juiz decretou a prisão temporária de um dos suspeitos. E assim agiu para buscar provas para posteriormente transformá-la em preventiva, proporcionando um quadro de segurança de acordo com o exigido pela lei. A notícia foi dada na hora do Jornal Nacional e em seguida, pelas redes sociais, replicou por todo país. Cada um deixava seu comentário e ficava aguardando os próximos informes a respeito do assunto. E as conversas rolaram madrugada adentro.

__ Em casa também há uma torcida muito forte pelo sucesso da operação Lava jato, diz a comerciante. Acompanhamos passo a passo a montagem do quebra-cabeça do Petrolão. Dizem que foi um esquema montado de forma inteligente por uma quadrilha especializada com a intenção de desviar dinheiro da Petrobras, que hoje, coitada, está à mingua. As empreiteiras pagavam as propinas, os contratos eram superfaturados, muita lavagem de dinheiro e doações para partidos políticos em troca de contratos com as estatais. A gente nem sabia destas falcatruas e o patrimônio público vai se escoando pelo ralo da corrupção.

__ Hoje, com acompanhamento diário, estou vendo que a Justiça conseguiu chegar ao fio da meada, sentencia satisfeita a consumidora. Qual não foi a minha satisfação quando ouvi as sentenças carregando pesadas penas aos condenados. E em regime fechado. Também me entusiasmei com as decisões dos Tribunais Superiores que confirmaram as prisões, mesmo que provisórias, dos envolvidos. Sem falar ainda daqueles que estão em liberdade, mas com tornozeleiras eletrônicas, monitorados 24h.

__ E a imagem que eu mais curtia era a do japonês da Federal conduzindo os presos, confessou a comerciante que já atendia a última cliente. Cada um deles fazia um tipo diferente. Aquilo sim que era condução coercitiva de encher os olhos da gente. Cada preso com seu estilo. Alguns olhando para o chão, outros para o alto, com altivez, outros ainda com o rosto coberto, valendo-se somente da mão-guia do japonês. Ah, e tinha uma que mascava chiclete.

__ A consumidora mal deixou a colega terminar e a interrompeu com outra observação. Consegui comprar uma revista, antes que se esgotasse nas bancas, que trazia uma reportagem que as provas reunidas na Lava Jato envolviam vários políticos de alto escalão, determinando até mesmo o apressamento da votação do impeachment da presidente da República. E agora estoura o escândalo da interceptação telefônica da presidente Dilma com o ex-presidente Lula, que foi nomeado por ela ministro da Casa Civil, com a nítida intenção de blindá-lo com o foro privilegiado, em razão da função e afastá-lo das amarras do juiz Moro. É uma verdadeira loucura! E o povo todo na rua!

__ Como já era final de tarde, a gerente foi cerrando a porta do estabelecimento. Antes de se despedir da consumidora, cujo nome desconhece, perguntou-lhe se não queria acompanhá-la na passeata pró-impeachment. Mais do que rapidamente a convidada sacou da bolsa o boneco pichuleco e ambas, sem se conhecerem, foram abraçar a mesma causa.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.



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