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Depósito judicial e multa moratória: Involução na jurisprudência do STJ

A 1ª seção da Corte, no julgamento do EDREsp 1.131.090, assentou que o depósito judicial integral e tempestivo do tributo não configura denúncia espontânea e não afasta a incidência da multa moratória.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Atualizado em 3 de maio de 2016 10:10

No recente julgamento do EDREsp nº 1.131.090, a 1ª Seção do E. Superior Tribunal de Justiça pasmou a comunidade do direito tributário ao assentar que o depósito judicial integral e tempestivo do tributo não configura denúncia espontânea (CTN, art. 138) e, por conseguinte, não afasta a incidência da multa moratória.

Esse novo estado da arte jurisprudencial instaura uma clara incoerência sistêmica na disciplina legal da matéria, conferindo tratamento mais benéfico ao contribuinte menos diligente, e castigando com mais rigor justamente o contribuinte que se portou com mais comedimento.

Afinal, o contribuinte que decide impugnar judicialmente um tributo qualquer e que, nessa empreitada judicial, logra obter um provimento liminar, poderá (no âmbito federal ao menos), se e quando cassado o provimento no futuro, recolher, no prazo de 30 dias, o tributo que deixou de pagar, sem qualquer acréscimo sancionador (Lei 9.430/96, art. 63, §2º). Mas se, ao invés de suspender a exigibilidade do crédito pela via dos incisos IV ou V do art. 151 do CTN, o contribuinte preferir adotar uma postura ainda mais conservadora e depositar o tributo litigioso, suspendendo-o pela via do inciso II do mesmo artigo, então suportará, agora, a multa moratória em caso de desfecho desfavorável do contencioso judicial.

Independentemente, porém, das incongruências decorrentes de tão polêmico julgado, interessar-nos-á aqui o exame dos seus fundamentos, que nos parecem, rendidas todas as vênias, pouco consistentes.

O acórdão enxerga o instituto da denúncia espontânea sob uma ótica confessadamente econômica, na qual seria necessário haver um trade-off entre "custo de conformidade" do contribuinte e "custo de administração" do fisco. Confira-se: "a denúncia espontânea somente se configura quando a Administração Tributária é preservada dos custos administrativos correspondentes à fiscalização, constituição, administração, cobrança administrativa e cobrança judicial dos créditos tributários".

A parcial desoneração que a denúncia espontânea proporciona ao contribuinte em mora desejoso de se emendar (custo de conformidade) somente se justificaria, então, se propiciasse ao fisco uma redução, no mínimo proporcional, nos custos de gestão daquela mesma mora (custo administrativo).

Pois o depósito judicial passa com louvor no teste do trade-off. Conforme o acertado entendimento consolidado no próprio STJ (EREsps nºs 464.343, 898.992, 686.479), o depósito judicial tem efeitos constitutivos do crédito tributário, afinal, para realizá-lo, o contribuinte atua todas as incumbências do art. 142 do CTN: percebe a ocorrência do fato gerador, identifica-se como sujeito passivo da obrigação e apura o montante do tributo que, ato contínuo, deposita em conta judicial.

Segundo a Lei 9.703/98 (tributos federais) e a Lei Complementar 151/15 (tributos estaduais e municipais), os depósitos judiciais são imediatamente convertidos em renda do sujeito ativo, em caso de trânsito em julgado desfavorável ao contribuinte autor. A conversão em renda, a seu turno, extingue o crédito tributário (CTN, art. 156, VI).

Tudo isso evidencia que o depósito judicial dispensa o fisco de praticamente todas as providências de gestão do crédito depositado. Não há mais necessidade de fiscalizar o tributo, pois o contribuinte já o apurou e quantificou; não é mais necessário constituí-lo mediante lançamento de ofício, porque o contribuinte já realizou uma providência equivalente que produz mesmos efeitos; e não será preciso, em nenhum momento no futuro, ajuizar o sempre penoso executivo fiscal, porque o tributo depositado verterá automaticamente ao erário com o deslinde definitivo favorável ao fisco.

O STJ, porém, surpreendentemente recusa essa inequívoca compensação de custos proporcionada pelo depósito judicial. Segundo o eminente relator, o caráter constitutivo do depósito judicial afasta "de antemão" qualquer custo administrativo superveniente cuja redução justifique favores ao contribuinte depositante. Eis as suas palavras: "o depósito judicial (...) não implicou relação de troca entre custo de conformidade e custo administrativo a atrair caracterização de denúncia espontânea (...) porque, constituído o crédito pelo depósito, nos termos da jurisprudência desta Corte (...), pressupõe-se a inexistência de custo administrativo para o fisco já eliminado de antemão".

É dizer, com o depósito o fisco estará dispensado de lançar o tributo, por isso já não terá mais nenhum interesse em e, por conseguinte, nenhuma razão para reduzir o custo de conformidade do contribuinte.

O erro do raciocínio está em fazer a análise do trade-off após a realização do depósito. Ora, o depósito consiste justamente no sinalagma a cargo do contribuinte nesta relação de troca. É ele que proporciona a redução de custo administrativo a ser recompensada com a redução do custo de conformidade que o depositante já então merecerá.

A lógica do acórdão é a mesma de um sequestrador que negocia o resgate com a família da vítima e, após receber o valor combinado, exige sórdida e novamente o pagamento de um segundo resgate, mediante o seguinte raciocínio: "bem, agora que eu já recebi o valor mesmo, que vantagem eu levo em entregar a vítima?"

Enfim, a análise do trade-off há de ser feita no momento anterior à realização do depósito judicial porque este já consiste na primeira etapa de execução do trade-off.

Perceba-se que este fundamento adotado pelo acórdão pode perfeitamente se aplicar também à hipótese mais típica de denúncia espontânea, que é a de pagamento tardio do tributo. Ora, se examinarmos o trade-off após o pagamento tardio, também concluiremos que o fisco não tem mais nenhuma razão para incentivar o contribuinte (afinal, o tributo já estará gostosamente recebido). Portanto, a prevalecer o argumento do acórdão, simplesmente não haverá espaço para nenhuma denúncia espontânea, que restará tacitamente revogada e suprimida do CTN...

Como reforço de argumento, o voto vencedor alude, ainda, à Súmula STJ 360, segundo a qual a denúncia espontânea "não se aplica aos tributos sujeitos a lançamento por homologação regularmente declarados, mas pagos a destempo".

Partindo da premissa de que a declaração do débito pelo contribuinte tem efeitos constitutivos do crédito tributário (conforme entendimento já sumulado no verbete nº 436), a Súmula 360, cheia de razão, recusa os efeitos do art. 138 do CTN aos casos em que o débito tardiamente adimplido já fora declarado pelo contribuinte.

As duas situações, no entanto, são decisivamente distintas. Na hipótese sumulada, há um outro fator externo e, no mais das vezes, anterior ao pagamento, que igualmente possui efeitos constitutivos e já proporciona o trade-off ao fisco: a declaração do contribuinte. Uma vez declarado o débito, o fisco terá pleno conhecimento da ocorrência do fato gerador, isto é, já terá o seu custo administrativo reduzido (agora sim) "de antemão", antes do próprio pagamento, que pouco agregará à condição já então favorável da administração tributária.

Na hipótese do depósito judicial, porém, a "facilitação da vida" do fisco decorre, como vimos, do próprio depósito, e não de qualquer outro evento alheio e cronologicamente anterior a ele. A Súmula STJ 360, portanto, não se presta a respaldar o entendimento que prevaleceu no acórdão.

Finalmente, consigna o voto vencedor que o depósito não apenas não reduz o custo administrativo do fisco, como lhe acrescenta um adicional ônus, qual seja, o de se defender judicialmente. Ora, esse ônus em absoluto decorre do depósito judicial do crédito, mas do só ajuizamento da ação pelo contribuinte, assegurado pelo art. 5º, XXXV da CF.

Felizmente, o precedente aqui analisado não tramitou com o timbre dos recursos repetitivos, o que nos permite sonhar com uma mudança do entendimento ali tão mal costurado. Caso isso não ocorra, resta-nos depositar as fichas no E.STF, que examinará, no recurso extraordinário já interposto, o caso pelo viés constitucional do inafastabilidade do Judiciário.

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*Paulo Roberto Andrade é sócio do escritório Tranchesi Ortiz, Andrade e Zamariola Advocacia e integrante da 4ª câmara do Conselho Municipal de Tributos da Secretaria de Finanças do Município de São Paulo.

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