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A estabilização monetária e o Estado de Direito

Calote mesmo já está acontecendo e do modo que sempre ocorreu, isto é, através da não correção monetária do valor original dos bens, direitos e demonstrações financeiras que formam a base de cálculo dos tributos.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

Atualizado em 10 de maio de 2016 12:41

Muita se fala na possibilidade de confisco ou calote nas contas públicas no Brasil. No entanto, o país sempre pagou a dívida interna, até porque a moeda em que a dívida é emitida é o real, bastando o governo "aumentar um pouco mais a base monetária", como dizia Mario Henrique Simonsen, para resolver o problema. A dívida externa ainda se apresenta em níveis administráveis, não havendo maiores riscos. Calote mesmo já está acontecendo e do modo que sempre ocorreu, isto é, através da não correção monetária do valor original dos bens, direitos e demonstrações financeiras que formam a base de cálculo dos tributos. Uma situação trivial: determinado imóvel foi adquirido em 2006 por R$ 100.000,00 (cem mil reais) e vendido pelo dobro do preço em 2016. O contribuinte recolherá o imposto de renda sobre um ganho de capital de R$ 100.000,00 (cem mil reais), quando é notório que a inflação neste período foi da ordem de 100% (cem por cento) e não houve ganho algum.

Não é um calote apenas nos proprietários de imóveis ou participações societárias, mas também nas micro e pequenas empresas inscritas no SIMPLES, assim como no trabalhador assalariado que não vê as faixas de imposto de renda serem corrigidas adequadamente e nem respeitadas as hipóteses de isenção.

A correção monetária no Brasil foi instituída pela lei 4.506/64, que determinou que os valores expressos na legislação do imposto de renda passassem a ser atualizados anualmente. A lei 4.380/65 estendeu tal correção aos contratos de vendas e construção civil, na prática generalizando-a.

Nesse contexto de indexação quase plena, milhares de ações judiciais foram ajuizadas com o objetivo de repor as perdas provocadas pela inflação. Veja-se que nesse período, ainda que admitida a correção monetária, eram frequentes os expurgos inflacionários, situações em que os índices corretos não eram admitidos pelo Governo, tal como ocorreu com o advento do Plano Verão e Plano Collor, no início da década de noventa. A jurisprudência se consolidou no sentido de reconhecer a necessidade de correção monetária integral, inclusive dos expurgos, sob pena de enriquecimento ilícito.

A partir do Plano Real, em 1994, com a estabilização da moeda e redução dos níveis inflacionários, a economia passou por um processo de desindexação, sendo vedada a correção monetária dos títulos da dívida mobiliária interna da União, dos tributos e dos contratos em períodos inferiores a 12 meses (lei 9.069/95, artigo 28). A lei 9.249/95, em seus artigos 4º e 17º, estabeleceu a impossibilidade de correção monetária dos bens e direitos adquiridos posteriormente a 1995, assim como das demonstrações financeiras (inclusive para fins societários). Lembre-se que a finalidade da correção monetária das demonstrações era justamente o de refletir os efeitos da inflação nas contas patrimoniais, portanto, perdas e ganhos monetários que aumentam ou diminuem o lucro do exercício. Era o fim da correção monetária.

Tratou-se o Plano Real de um esforço válido e exitoso de desindexação, que culminou por devolver a estabilidade monetária ao país. Agora, porém, estamos diante de um contexto totalmente novo, de retorno do fenômeno inflacionário e corrosão do valor da moeda.

Os Tribunais, no entanto, ao invés de aceitar esta nova realidade e reafirmar a jurisprudência formada sobre o tema, vêm pronunciando-se no sentido de rechaçar a correção monetária, ao argumento de que inexiste lei que a autorize, não podendo atuarem como legisladores positivos.

Ora, não se trata de o Poder Judiciário atuar como legislador, mas de evitar que a falta do reconhecimento do fenômeno inflacionário implique em ofensa a capacidade econômica de uma das partes, notadamente o contribuinte, além de ofensa ao próprio princípio da legalidade, pois na prática, ao negarem a correção, a alíquota de imposto de renda acaba incidindo sobre as operações de venda de bens e direitos em patamar superior aos 15% atualmente permitidos pela legislação do imposto de renda. Além disso, a não correção implica também em distorção de todas as políticas legislativas que estabeleceram os valores e faixas das tabelas de tributação do SIMPLES e do imposto de renda.

Por fim, o argumento de que o Judiciário, em especial sua Suprema Corte, estão de mãos atadas em razão da falta de lei permitindo a correção, caí por terra quando se observa seu ativismo em tantos temas polêmicos e não tributários nos últimos anos. Urge que também nessa matéria o Poder Judiciário assuma sua responsabilidade, eliminando o verdadeiro calote representado pela não correção monetária dos bens, direitos e demonstrações financeiras. O desafio do aumento da arrecadação e da estabilização da moeda devem ser superados através da recuperação da economia e não à custo de direitos fundamentais dos contribuintes.

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*Sergio Grimberg Lewin é advogado do escritório Silveiro Advogados.

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