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A responsabilidade civil do médico

Ricardo Kobi da Silva e Thaís Argentin

O uso de forte publicidade, que muitas vezes vai de encontro com as normas legais, e a tendência de seguir padrões de beleza, faz com que médicos que prometam resultados milagrosos ganhem destaque e clientela.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Atualizado em 25 de maio de 2016 08:34

A relação entre médico e paciente, outrora pautada pela afetividade, marcada pela figura do médico de família, quase desapareceu por completo. Atualmente, com profissionais cada vez mais especializados e técnicos, a relação entre essas figuras passou a ser diferente. O uso de forte publicidade, que muitas vezes vai de encontro com as normas legais, e a tendência de seguir padrões de beleza, faz com que médicos que prometam resultados milagrosos ganhem destaque e clientela. Os avanços da ciência trazem a esperança do envelhecimento tardio e da morte protelada.

É neste cenário que os médicos passam a ser protagonistas das mais diversas demandas judiciais. Se antes eram os amigos a quem as famílias confiavam suas mazelas, atualmente passaram a ser os culpados por todo tipo de frustração. Assim como recentemente ocorreu uma avalanche de ações pleiteando indenizações por danos morais, oriundas dos mais diversos assuntos, agora o Poder Judiciário é invocado para garantir indenizações decorrentes de supostos erros médicos (danos morais, danos materiais e danos estéticos).

É imprescindível que, em meio a este cenário, os profissionais da saúde fiquem atentos às suas condutas e, principalmente, tenham a consciência de que o ser humano que chega ao consultório/hospital já está abalado emocionalmente. Essa é a razão pela qual o atendimento precisa ser feito de maneira humanizada e não mecânica. É a insatisfação com os serviços médicos prestados, com o modo de agir e falar do profissional, que desperta diversas vezes o anseio por qualquer tipo de compensação perante o Poder Judiciário.

Em termos de responsabilidade médica, para que esta reste caracterizada, devem estar presentes: conduta, nexo causal e dano. Ao paciente incumbe demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta adotada pelo médico e o dano sofrido.

Com relação à natureza obrigacional da prestação de serviços médicos, o entendimento dos Tribunais é pacificado no sentido de que se trata de uma obrigação de meio, ou seja, não se garante resultado, pois ao profissional é impossível garantir a cura do paciente. Contudo, com relação aos procedimentos estéticos, quando visam tornar o paciente mais "belo", os Tribunais entendem que se trata de uma obrigação de resultado, pois o profissional se compromete a deixar o paciente "mais bonito". Obviamente, seria incoerente o paciente contratar um serviço que resultasse em características estéticas indesejadas.

Em todos os casos de responsabilidade médica, a culpa do profissional será sempre analisada sob três óticas: negligência, imprudência e imperícia. A negligência é a passividade do profissional, o ato omisso. O médico que abandona o paciente em um plantão, por exemplo, é negligente. Na imprudência há culpa comissiva, ou seja, o profissional age sem a cautela necessária. Ocorre quando, por exemplo, um paciente é submetido a um procedimento anestésico em um ambiente sem monitorização adequada. A imperícia é a falta de observância das normas, o despreparo prático, a falta de técnica. Por exemplo, casos em que o médico utiliza tratamento obsoleto.

E o que poderia o médico fazer para minimizar as chances de dano efetivo ao paciente e demandas judiciais? Acima de tudo, o profissional deve sempre agir de acordo com o código de ética, pautado, dentre outros, nos seguintes deveres de conduta: dever de informação ao paciente (informar sobre a necessidade de determinados procedimentos, seus riscos e consequências); dever de informar sobre condições precárias de trabalho (profissional deve denunciar as condições precárias de trabalho); dever de registrar informações no prontuário (todas as informações e ocorrências devem ser registradas no prontuário); dever de informação aos outros profissionais (os médicos devem trocar informações sobre seus pacientes, para melhor atendê-los); dever de atualização (médico deve sempre buscar a atualização profissional); dever de vigilância e cuidados (o médico não pode abandonar o paciente); dever de abstenção de abuso (o médico deve abster-se de condutas arriscadas, deve agir com cautela).

Além dos deveres de conduta, o médico deve sempre buscar com o seu paciente uma relação de confiança e cumplicidade. A relação deve ser a mais transparente possível, cabendo ao profissional expor ao paciente todos os procedimentos e riscos a que poderá vir a ser submetido, devendo este último fazer a sua opção, mediante termo a ser firmado com antecedência e no exercício da plena capacidade civil. De outro lado, a sociedade também precisa entender que a medicina não é uma ciência exata. O sucesso de cada procedimento depende muito das características peculiares de cada organismo. Esse entendimento de forma nenhuma exime os médicos de suas responsabilidades, porém evita a criação de falsas expectativas.

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*Ricardo Kobi da Silva é advogado coordenador da Área Contenciosa Cível, Inscrito na OAB/SP. Bacharel em Direito pelo UNINOVE. Pós-graduado em Direito Processual Civil, pela PUC/SP. Membro do Tribunal de Ética da OAB/SP. Sócio do escritório Gaiofato e Galvão Advogados Associados.

*Thaís Argentin é advogada da Área Contenciosa Cível, inscrita na OAB/SP. Bacharel em Direito pela PUC/Campinas. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito -EPD/SP. Pós-graduanda em Direito Médico e Hospitalar pela EPD/SP. Sócia do escritório Gaiofato e Galvão Advogados Associados.

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