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Argumentos rasos na defesa do indefensável

São vários os pontos rebatidos ao projeto de código comercial ora em tramitação no Congresso, mas aqui quero me ater apenas à questão do novo paradigma legal para os contratos comerciais. Autores consagrados devem se encarregar de replicar sobre outras graves distorções no anteprojeto.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Atualizado em 8 de agosto de 2016 14:34

O professor Fábio Ulhoa Coelho veio a este site com um artigo rebatendo as diversas críticas ao projeto de código comercial ora em tramitação no Congresso, e do qual é ele um dos autores.

São vários os pontos rebatidos, mas aqui quero me ater apenas a questão do artigo 19 sobre um novo paradigma legal para os contratos comerciais. Autores consagrados e conceituados como Modesto Carvalhosa e Haroldo Malheiros Verçosa devem se encarregar de replicar sobre aquelas outras graves distorções no anteprojeto.

Aqui no campo desse pretendido trato novidadeiro sobre os contratos chamados comerciais já se começa com a inexistente conceituação precisa do que seja um contrato assim chamado. Entre duas empresas sim, mas é aquele entre um cidadão e um empreiteiro? Ou entre um advogado e uma empresa de consultoria econômica?

E o projeto do prof. Fábio acentua que nesses contratos comerciais a vinculação é plena, uma adjetivação que sobre ser um tanto confusa conceitualmente ainda deixa, pelo cotejo com os inúmeros contratos indiscutivelmente civis, que aqui a vinculação seria "menos" plena, ou mais frouxa.

Sobre a regra do parágrafo único daquele artigo determinando que a revisão judicial dos contratos comerciais só se dará em casos excepcionais, o debate que provocou da margem a uma justificativa tão rasa quanto pouco convincente por parte do professor Fábio.

Simplesmente não é verdade, como afirma o autor, que a jurisprudência esteja sendo benevolente e confundindo imprevisibilidade justificada com o risco normal do negócio. O professor chega a afirmar que, tendo sido cevada a teoria da imprevisão no desenfreio inflacionário decorrente das duas grandes guerras mundiais do século vinte, tal fenômeno não tende a se repetir.

Parece que o professor Fábio Ulhoa Coelho está exigindo o advento malsão de uma nova guerra mundial para permitir a aplicação da teoria da imprevisão. E uma acaso adventícia máxi desvalorização cambial é decerto um dos fenômenos econômicos não correntes nem normalmente objeto de previsões contratuais do dia a dia.

Além disso, claro que há inúmeros fenômenos, como greves prolongadas e atípicas, golpes militares, desvios enormes no fluxo de ativos e bens, tudo isso que a dogmática jurídica e até o legislador positivo, como no nosso Código Civil, em seu artigo 478, têm enquadrado como motivos graves justificadores de revisão contratual se e somente se causaram um desbalanço na equação de um determinado contrato. Como, aliás, tem sido objeto de uma jurisprudência cautelosa e fundamentada entre nós, onde a análise detida caso a caso tem pautado a palavra dos tribunais.

Não se pode abrir mão dessa conquista jurídica consagrada na imprevisão contratual, e que se coaduna de modo sistêmico com os princípios da função social do contrato e da boa fé objetiva também hoje levados a expressão legislativa no Código Civil. Seria se sonegar ao empresário, ao comerciante, ao industrial, a proteção que dali se extrai e que nada diz com o risco normal do negócio, mas com circunstâncias e efeitos imprevisíveis e ruinosos derivados de fatos futuros à celebração do ajuste.

Infelizmente, de braços com o pouco ilustrado deputado Vicente Cândido, um dos patronos do projeto, o professor Fábio não honra seu ilustre currículo com essa iniciativa canhestra e infeliz.

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*João Luiz Coelho da Rocha é sócio no escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados, e professor da PUC/RJ.


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