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Julgamento pelos tribunais de contas e inelegibilidade

Tratemos do assunto sob a ótica e com foco no processo de contas do Tribunal de Contas da União (TCU).

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Atualizado em 9 de agosto de 2016 15:13

De acordo com a LC 64, de 18 de maio de 1990, art. 1º, inc. I, alínea g, são inelegíveis para qualquer cargo aqueles que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos e funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Desta forma, a inelegibilidade prevista nessa alínea da citada lei pode ser examinada a partir da decisão irrecorrível dos tribunais de contas que vierem a rejeitar as contas (julgar irregulares é o termo utilizado pelos tribunais de contas) de qualquer pessoa que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens ou valores públicos.

Tratemos do assunto sob a ótica e com foco no processo de contas do Tribunal de Contas da União (TCU).

1. Dos meios de impugnação perante o tribunal de contas da decisão que implica em inelegibilidade

Antes de se chegar ao ponto de uma decisão tornar-se irrecorrível e, consequentemente, tornar alguém inelegível, pode-se recorrer das decisões proferidas em processo de tomada ou prestação de contas por meio dos seguintes recursos: i) recurso de reconsideração; ii) embargos de declaração, e; iii) recurso de revisão.

Examinemos cada um dos meios de impugnação da decisão perante o Tribunal de Contas da União.

Uma das principais características do recurso de reconsideração, previsto no artigo 33 da lei 8.443/92, é ser exclusivo de processo de contas. Não é incomum a interposição equivocada desse recurso em processos de fiscalização, onde seria cabível o pedido de reexame, hipótese na qual o Tribunal de Contas da União costuma conhecê-lo ante a aplicação do princípio da fungibilidade.

Como estamos a tratar da relação entre os recursos existentes no TCU e a inelegibilidade prevista no art. 1º, inc. I, alínea g, da LC 64/90, o recurso de reconsideração possui papel central neste estudo, uma vez que é o recurso cabível contra o julgamento do mérito das contas (regulares, regulares com ressalva ou irregulares) - casos previstos no artigo 16 da lei 8.443/921 -, ao qual é atribuído efeito suspensivo.

O pedido de reexame, previsto no artigo 48 da lei 8.443/92, é recurso cabível em outro tipo de processo tratado pelo TCU no controle externo da administração pública, isto é, no processo de fiscalização.

O recurso de reconsideração poderá ser interposto quando houver decisão definitiva em processo de contas ou tomada de contas, mesmo especial, e será apreciado pelo Colegiado (Primeira Câmara, Segunda Câmara ou Plenário) que houver proferido a decisão recorrida. No entanto, o recurso interposto jamais será relatado pelo mesmo ministro relator da decisão impugnada, sendo certo, ainda, que não pode ser decidido monocraticamente.

O recurso de reconsideração tem efeito suspensivo - que somente ocorrerá em relação aos itens recorridos -, quando interposto nos primeiros 15 (quinze) dias do prazo, contados na forma prevista no art. 183 do Regimento Interno do TCU. Sendo assim, se existirem no acórdão outros itens não atacados pelo recorrente, será constituído processo apartado para o prosseguimento das execuções.

Ainda caberá a interposição do recurso de reconsideração após o prazo de 15 (quinze) dias, desde que fundamentado na superveniência de fatos novos (comprovados no recurso) e dentro do período de 180 (cento e oitenta dias), contado do término do prazo indicado inicialmente. Contudo, nesse caso não será atribuído ao recurso de reconsideração efeito suspensivo.

Outro recurso cabível contra decisão que julgar as contas irregulares, que pode ter como consequência a inelegibilidade, são os embargos de declaração - previsto no artigo 34 da lei 8.443/92 - para sanar eventuais obscuridades, omissões e contradições em acórdão do Tribunal. Esse recurso pode ser oposto no prazo de 10 (dez) dias, possuindo efeito suspensivo, tanto dos itens do acórdão que foram recorridos quanto do prazo para interposição de outros recursos.

Observe-se que, diferentemente da previsão existente no Código de Processo Civil, o recurso de embargos de declaração na processualística do TCU - regida por seu regimento interno - suspende o prazo para interposição de outros recursos e não o interrompe.

Enquanto o efeito interruptivo faz com que o prazo para eventual recurso volte a contar do início, o efeito suspensivo, como sugere o próprio nome, apenas o suspende, de modo que, julgados os embargos e notificadas as partes, o prazo volta a correr pelo período remanescente. Exemplifica-se. Se forem opostos embargos de declaração no décimo dia, o prazo para interposição de eventual recurso de reconsideração será de apenas 5 (cinco) dias, visto ser esse o prazo remanescente.

Esse recurso pode ter efeito infringente e mudar o mérito da decisão pela irregularidade das contas, caso o vício apontado (obscuridades, omissões e contradições), quando sanado, seja suficiente para tanto.

O ministro relator ou redator levará os embargos à apreciação do colegiado que proferiu o acórdão embargado, que será competente para julgar o referido recurso.

As decisões do órgão não podem produzir nenhum efeito durante o prazo em que houver a possiblidade da apresentação dos embargos de declaração. Opostos os embargos, a norma regimental determina a suspensão dos efeitos do acórdão até o seu julgamento, e assim ficam suspensos os prazos para interposição dos demais recursos.

O recurso de revisão será cabível de decisão definitiva em processo de prestação ou tomada de contas, mesmo especial, ao Plenário. Esse recurso possui natureza similar à ação rescisória e não possui efeito suspensivo. Assim, embora possa modificar o resultado da decisão que julgou as contas irregulares e, desta forma, afastar a inelegibilidade tratada neste estudo, esse recurso não afasta a inelegibilidade durante sua tramitação - o que pode ser buscado perante o Poder Judiciário, como será detalhado à frente.

Deverá ser interposto dentro do prazo de 5 (cinco) anos, pela parte, seus sucessores ou Ministério Público junto ao Tribunal, quando presentes os seguintes fundamentos: I - erro de cálculo nas contas; II - falsidade ou insuficiência de documentos em que se tenha fundamentado a decisão recorrida, e; III - na superveniência de documentos novos com eficácia sobre a prova produzida (a hipótese mais usual).

Importante observar que o prazo para os demais recursos é contado na forma do art. 183 do RITCU, contudo para o recurso de revisão a contagem do prazo sempre se inicia com a publicação do acórdão no Diário Oficial da União.

Como destacado alhures, o recurso de revisão interposto perante o TCU e os embargos de declaração a ele relativos não afastam o caráter definitivo da decisão que rejeita as contas (Ac.-TSE, de 6.2.2014, no Respe 20417 e, de 20.10.2011, no REspe 1108395).

2. Dos meios de impugnação perante o poder judiciário da decisão que implica em inelegibilidade

O julgamento quanto ao mérito das contas é competência que a Constituição atribui ao Tribunal de Contas, assim o Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência consolidada no sentido de que os atos da Corte de Contas sujeitam-se ao controle jurisdicional nos casos de ocorrência de irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade, em obediência ao princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional, insculpido no artigo 5°, inciso XXXV, da Constituição Federal de 19882, hipóteses em que a natureza da decisão do Poder Judiciário é rescindente, mas não substitutiva, porquanto a Constituição Federal reservou ao TCU o julgamento quanto ao mérito das contas, isto é, se são regulares, regulares com ressalva ou irregulares.

O STF possui precedentes permitindo o controle jurisdicional nos casos de ocorrência de irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade, no seguinte sentido:

Mandado de Segurança. Legitimidade ativa de pessoa jurídica, mesmo de direito público, superada pela praxe posterior, a interpretação restritiva de alguns acórdãos (R.F. 140/275, R.T. 295/108, R.D.A. 70/302, 72/273). Recurso Extraordinário. Terceiro prejudicado. Litisconsórcio necessário. Admissibilidade. RE 12.816 (1946), RE 14.747 (1949), RE 41.754 (1959), AG. 31.737 (1964). Tribunal de Contas. Julgamento das contas de responsáveis por haveres públicos. Competência exclusiva, salvo nulidade por irregularidade formal grave (MS 6.960, 1959), ou manifesta ilegalidade (MS 7.280, 1960). Reforma do julgado anulatório de decisão dessa natureza, em que se apontavam irregularidades veniais. Ressalva das vias ordinárias (STF: RE 55821/PR, DJ 24/11/1967, p. 3949). (grifos acrescidos)

Ao apurar o alcance dos responsáveis pelos dinheiros públicos, o Tribunal de Contas pratica ato insusceptível de revisão na via judicial, a não ser quanto ao seu aspecto formal ou Tisna de ilegalidade manifesta. Mandado de Segurança não conhecido (STF: MS 7280, ADJ 17/9/1962, p. 460) (grifos acrescidos)

Em sentido similar, há decisão unânime do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:

ADMINISTRATIVO. AGRAVO RETIDO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PRODUÇÃO DE PROVAS. ACÓRDÃO DO TCU. NULIDADE. INEXISTÊNCIA.
1. AO PODER JUDICIÁRIO SOMENTE É POSSÍVEL APRECIAR O ASPECTO LEGAL DE PROCEDIMENTO ADOTADO PELO TRIBUNAL DE CONTAS, SENDO-LHE VEDADA A INCURSÃO NO MÉRITO DAS DECISÕES.
2. HIPÓTESE EM QUE O APELANTE, EX-PREFEITO DE UMURIM-CE, PRETENDE ANULAR ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TCU, QUE O CONDENOU A DEVOLVER AO ERÁRIO A QUANTIA DE R$ 24.148,68, EM RAZÃO DO NÃO CUMPRIMENTO DE CONVÊNIO, FIRMADO COM A UNIÃO FEDERAL, ATRAVÉS DO MINISTÉRIO DA AÇÃO SOCIAL, PARA CONSTRUÇÃO DE 20 CASAS POPULARES, SOB O ARGUMENTO DE QUE O MESMO PADECERIA DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, BEM COMO QUE NO PROCEDIMENTO INSTAURADO NÃO TERIA SIDO RESPEITADO O PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO.
(...)
8. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (grifamos; TRF5. Processo: AC 2001.05.00.034365-7; APELAÇÃO CÍVL Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Data da Decisão: 18/03/2003. DJ 18/8/2003 p. 908. Unânime.) (grifos acrescidos)

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região possui o mesmo entendimento:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO. TOMADA DE CONTAS. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA AMPLA DEFESA. NULIDADE. INEXISTÊNCIA. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. LIMITES. ASPECTOS FORMAIS. LEGALIDADE.
1. A revisão das decisões do Tribunal de Contas da União pelo Poder Judiciário não pode ter caráter irrestrito, deve limitar-se ao exame da legalidade dos aspectos formais, sendo vedada a incursão no mérito das decisões, sob o risco de inocuidade das decisões dos Tribunais de Contas. Precedentes desta eg. Corte.
2. No caso dos autos, restou afastada a alegação de ofensa ao princípio da ampla defesa e do contraditório, logo, não havendo sido demonstrada qualquer ilegalidade no procedimento adotado pelo Tribunal de Contas da União, não há razão para anular a decisão por ele proferida.
3. Verifica-se, ainda, que, in casu, as verbas percebidas da União foram aplicadas em desatendimento às ações de educação e saúde, nos termos do art. 6º, VI, a e b, da lei 8.211/91. Considerando que a aplicação de recursos públicos está sempre vinculada à vontade da lei, e não ao arbítrio do administrador, acertada a decisão do TCU que condenou o autor a devolver aos cofres púbicos a quantia recebida.
4. Apelação do autor improvida. (AC 2000.33.00.016673-8/BA; Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE Convocado: JUIZ FEDERAL MOACIR FERREIRA RAMOS (CONV.) Órgão Julgador: SEXTA TURMA Publicação: 14/08/2006 DJ p.83 Data da Decisão: 26/05/2006) (grifos acrescidos)

Assim, a jurisprudência confere suporte à ação intentada com motivação em violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF).

Nessa hipótese será possível pedido de tutela de urgência no sentido de preservar direitos políticos daqueles que pretendam se candidatar a cargos eletivos e que estejam inelegíveis por força de decisão do Tribunal de Contas que padeça dos vícios apontados.

Assim, caso haja interposição de recurso de revisão com fundamento em vícios processuais (nulidade por irregularidade formal grave ou manifesta ilegalidade - na linha dos precedentes do STF), será possível ainda o ingresso com ação judicial na tentativa de conseguir tutela de urgência que assegure os direitos políticos, uma vez que o recurso de revisão, como ressaltado acima, não possui efeito suspensivo.

______________

1 Art. 16. As contas serão julgadas:

I - regulares, quando expressarem, de forma clara e objetiva, a exatidão dos demonstrativos contábeis, a legalidade, a legitimidade e a economicidade dos atos de gestão do responsável;

II - regulares com ressalva, quando evidenciarem impropriedade ou qualquer outra falta de natureza formal de que não resulte dano ao Erário;

III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:

a) omissão no dever de prestar contas;

b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;

c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;

d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.

§ 1° O Tribunal poderá julgar irregulares as contas no caso de reincidência no descumprimento de determinação de que o responsável tenha tido ciência, feita em processo de tomada ou prestarão de contas.

§ 2° Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária:

a) do agente público que praticou o ato irregular, e

b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado.

§ 3° Verificada a ocorrência prevista no parágrafo anterior deste artigo, o Tribunal providenciará a imediata remessa de cópia da documentação pertinente ao Ministério Público da União, para ajuizamento das ações civis e penais cabíveis.

2 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

______________

*Elísio de Azevedo Freitas é advogado em Brasília há mais de 13 anos, atua há mais de uma década na seara do controle externo da administração pública. É advogado especializado na defesa perante o TCU. É Conselheiro da OAB/DF, função que também exerceu na gestão 2013/2015 da OAB/DF, quando foi Presidente da Comissão de Direito Administrativo e Controle da Administração Pública da OAB/DF - entre 2013 e 2015. Presidente da Comissão da OAB/DF ligada à Advocacia nos Órgãos de Controle. Vice-Presidente e associado fundador do IBDCAP. Ocupa desde 2011 o cargo de Procurador de Assistência Judiciária, lotado na Procuradoria-Geral do Distrito Federal.

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