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O Brasil se prepara para o equity crowdfunding

Apesar de pouco utilizado, há expectativa de que em virtude do avanço tecnológico, do espírito empreendedor do brasileiro e das limitações ao crédito decorrentes das recentes crises econômicas, o equity crowdfunding cresça no Brasil.

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Atualizado em 18 de agosto de 2016 15:57

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) submeteu à audiência pública, no último dia 08.08.2016, minuta de nova Instrução que regulamentará a prática conhecida como equity crowdfunding. Em linhas gerais, o equity crowdfunding consiste em uma modalidade de investimento por meio da qual investidores aplicam um montante limitado de recursos em empresas de pequeno porte (tradicionalmente startups) por meio de plataformas eletrônicas hospedadas na internet, recebendo, como contrapartida, valores mobiliários que conferem direitos de crédito ou, mais comumente, participação no capital da empresa investida.

Além do equity crowdfunding, a prática do financiamento coletivo pode assumir formas distintas. Há, por exemplo, o peer-to-peer lending crowdfunding, que consiste no financiamento de empresas por meio de empréstimos. Nesses casos, em vez de participação no capital da empresa investida, o investidor receberá uma taxa pré-combinada. Equity e lending crowdfunding constituem espécies do gênero financial return crowdfunding.

Há ainda outras modalidades de financiamento coletivo, que incluem o donation crowdfunding e o reward-based crowdfunding. Nessas modalidades, que se inserem dentro do gênero denominado community crowdfunding, o aplicador de recursos realiza, respectivamente, ou uma mera doação sem receber qualquer contrapartida, ou uma contribuição em troca de pequenos prêmios ou recompensas.

A regulamentação do equity crowdfunding parece ser uma tendência mundial, a despeito da demanda específica dos países por essa forma de financiamento. Nesse sentido, a própria Organização Internacional de Comissão de Valores (OICV - IOSCO) publicou recentemente trabalhos sobre o tema, refletindo tendências, dados e diversas recomendações. Assim, nota-se que países em que essa forma de financiamento já é bastante utilizada, como Estados Unidos e Inglaterra, contam com algum tipo de regulamentação. Da mesma forma, no Brasil, a CVM já está propondo regulamentar a matéria, muito embora o equity crowdfunding ainda seja uma prática pouco utilizada.

Ainda que incipiente no Brasil, a literatura aponta uma série de vantagens do equity crowdfunding. Com efeito, recursos investidos via financiamento coletivo podem ser acessados mais rapidamente pelas empresas quando comparados a empréstimos junto a instituições financeiras - que dependem de um longo processo burocrático e que demandam garantias que startups muitas vezes não têm condições de oferecer - ou investimentos realizados por fundos de venture capital - que são normalmente precedidos de um longo e caro processo negocial que envolve auditorias e a redação de diversos instrumentos contratuais.

Além disso, equity crowdfundings bem sucedidos podem funcionar como um trampolim virtuoso ao endossar boas perspectivas para os produtos e serviços que serão oferecidos pelas empresas, criando um ambiente mais favorável à captação de clientes. Ademais, ao conceder participação no capital a investidores, os custos de agência tendem a ser reduzidos pelo chamado "crowd monitoring", incentivando as empresas e seus administradores a tornarem-se mais responsáveis, contratar pessoas mais capacitadas e melhorar suas estruturas de governança corporativa.

Sob um ponto de vista mais abrangente, a ampliação dos financiamentos coletivos de empresas poderá reduzir a taxa de insucesso de pequenos empreendimentos no Brasil, na medida em que as startups poderão recorrer a um pool muito mais amplo e diversificado de investidores, angariando quantias razoáveis de capital em estágios bastante iniciais de suas atividades.

Para aqueles que creem que o equity crowdfunding resultará na morte do venture capital, estudos apontam alguns fatores pelos quais isso não deverá ocorrer. Dentre eles, pode-se destacar que fundos de venture capital tradicionalmente dão preferência a startups menos arriscadas (normalmente, investem em empresas em estágios um pouco mais avançados). Além disso, há muito mais startups a procura de financiamento do que fundos de venture capital dispostos a fazê-lo, de modo que há uma clara demanda por financiamento, seja ele coletivo ou não.

Apesar das inúmeras vantagens, o equity crowdfunding também apresenta algumas desvantagens. Empresas financiadas por essa modalidade podem acabar perdendo o foco nos seus negócios para cumprir exigências regulatórias ou para lidar com uma potencial multidão de novos investidores. Com efeito, empresas de pequeno porte em estágios iniciais de operações precisam focar toda (ou pelo menos a maior parte) da sua energia produtiva na evolução dos negócios, em vez de se preocupar em cumprir exigências regulatórias ou solicitações formuladas por acionistas minoritários. Além disso, o ingresso de novos sócios pode afugentar futuros investimentos por fundos de venture capital e private equity que, apesar de acreditarem nos negócios da empresa, podem ficar receosos em investir e firmar acordos em uma sociedade que conta com uma estrutura de capital inviável composta por centenas de sócios.

Outro ponto negativo relaciona-se ao risco reputacional. Da mesma forma que equity crowdfundings bem sucedidos podem projetar um futuro de sucesso nos negócios, o fracasso de um financiamento coletivo pode significar a morte prematura de uma empresa que nem sequer chegou a nascer. Afinal, se não há investidores interessados em aplicar seus recursos naquela ideia, por que então acreditar que haveria clientes dispostos a compra-la?

Ademais, enquanto grande parte do mercado tomará conhecimento caso uma empresa não consiga obter recursos via crowdfunding, isso não ocorrerá caso a startup, por exemplo, não obtenha financiamentos junto aos bancos ou os obtenha a taxas maiores do que outras empresas. Logo, mesmo que a startup possa recorrer a fontes alternativas de financiamento após o insucesso na obtenção de recursos via financiamento coletivo, fato é que o fracasso inicial pode causar danos reputacionais à empresa e condenar a continuidade e desenvolvimento dos seus negócios.

Em função do risco reputacional, há até mesmo quem entenda que as empresas somente recorrerão ao equity crowdfunding como última opção, caso todas as demais opções de financiamento tenham falhado. A empresa procurará os bancos, os sócios, os fundos, e só então, falhando todas as alternativas anteriores, correrá o risco de obter recursos via crowdfunding. Dessa forma, o crowdfunding representaria, por si só, uma má sinalização, na medida em que investidores poderão interpretar que as empresas que recorrem a essa modalidade de financiamento apresentaram ideias ou planos de negócios que não foram bem recebidos por outros agentes financiadores do mercado.

Apesar de pouco utilizado, há expectativa de que em virtude do avanço tecnológico, do espírito empreendedor do brasileiro e das limitações ao crédito decorrentes das recentes crises econômicas, o equity crowdfunding cresça no Brasil. E espera-se que a regulamentação proposta pela CVM ofereça um bom ambiente regulatório para que isso ocorra. Ao atribuir diversos deveres às plataformas de investimento participativo (conferindo a elas o papel de verdadeiros gatekeepers) e regulamentar as suas atividades, sem, no entanto, impor a elas obrigações típicas de uma instituição financeira ou entidade de mercado organizado (como ocorrem em outros lugares do mundo), a CVM garantirá aos investidores amplo acesso a informações sobre as empresas que concorrerão ao investimento coletivo, rápidas fontes de capital para as pequenas empresas e um ótimo negócio para as plataformas que hospedarão os equity crowdfundings.

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*Breno Casiuch é mestre em Direito pela Harvard Law School e advogado do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes, Rennó, Aragão - Advogados.





*Luiz Felipe Cordeiro é bacharel em direito pela PUC/RJ e advogado do escritório Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes, Rennó, Aragão - Advogados.

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