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Paradigmas olímpicos e patentários

O sistema patentário existe para evitar que os frutos da capacidade intelectual humana sejam utilizados por toda a sociedade sem que o gênio criador possa ser reconhecido e minimamente recompensado por isso.

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Atualizado em 20 de setembro de 2016 08:40

Durante os Jogos Olímpicos de 1968, na Cidade do México, o mundo presenciou, ao vivo, uma quebra de paradigma, quando o norte-americano Dick Fosbury realizou seu salto em altura - de costas. Até então, todos os atletas se projetavam com o corpo posicionado de frente para a barra. Com a inovação, Fosbury atingiu uma altura que não pôde ser superada pelos adversários, conquistando a medalha de ouro.

Na Olimpíada seguinte, Munique 1972, o ganhador da prova de salto em altura foi o soviético Yuri Tarmak, que usou o assim batizado "salto Fosbury". Porém, não houve possibilidade de "proteção" dessa invenção atlético-metodológica, e a competição acirrada fez com que Fosbury jamais ganhasse outra medalha olímpica.

Já no campo da tecnologia, muitas quebras de paradigma que ocorreram puderam ser protegidas pelo sistema de patentes. Entre elas, podemos citar a invenção da lâmpada elétrica, que substituiu a iluminação por chamas; o telefone, que permitiu a comunicação verbal à distância; e, posteriormente, o telefone celular, que deu fim à necessidade de conexão do aparelho a um ponto de ligação conectado por fios.

O ponto de convergência entre o salto de Fosbury e o sistema de patentes é que ambos dependem da inteligência, da observação e da intervenção humana para modificar e, de modo geral, aprimorar produtos, processos e técnicas. No caso de Fosbury, foi necessário perceber a possibilidade de empregar um movimento de extensão dos pés para aumentar o impulso e a altura do salto, ao invés de depender da flexão para gerar o movimento inicial. Além disso, foi utilizada a força abdominal para elevar as pernas muito acima do eixo corporal e, com isso, atingir maior altura com menor quantidade de "extremidades" que pudessem atingir a barra, anulando o salto.

O sistema patentário existe para evitar que os frutos da capacidade intelectual humana sejam utilizados por toda a sociedade sem que o gênio criador possa ser reconhecido e minimamente recompensado por isso. A inteligência, observação e experimentações que tiveram que ser pensadas e lapidadas pelo atleta americano até que tal salto fosse completamente viabilizado, renderam-lhe ao menos uma medalha de ouro, o nome de uma técnica de salto e fama internacional. No sistema de patentes, tais "prêmios" são substituídos por um título que permite a comercialização territorial exclusiva pelo período de vigência da modalidade de proteção conseguida. Ao término desta exclusividade, toda a sociedade pode acessar o ensinamento ali detalhado e escrito para seu próprio e irrestrito usufruto.

Na analogia em questão, troca-se uma medalha de ouro e fama global por uma carta-patente regional que confere direito de exclusividade de produção, comercialização e exploração da invenção por um período fixo - que, no Brasil, é de 20 anos para patentes de invenção e de 15 anos para modelos de utilidade.

Para o atleta olímpico, a maior recompensa do seu esforço foi ver sua técnica ser seguida de forma unânime ao redor do globo. Para os "atletas da intelectualidade inventiva", a recompensa pode vir em forma de reconhecimento autoral e retorno financeiro dos investimentos aplicados durante a pesquisa e desenvolvimento de sua invenção.

É claro que, para determinados tipos de invenções, os interesses sociais devem sempre ser considerados e, até, priorizados frente aos lucros que podem ser obtidos por um título patentário. No entanto, trata-se de uma "recompensa" justa e capaz de estimular a continuidade de realização de exercícios intelectuais frequentes para melhorar a vida humana. Para Fosbury, poderia ter sido dada uma espécie de "carta-patente", porém com prazo de vigência indeterminado, sem exclusividade de exploração, porém com um selo que é nada menos que uma medalha olímpica de ouro.

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*Sonia Cristina S. Gama é doutoranda e mestre em Propriedade Intelectual e Inovação, engenheira civil e analista de patentes do escritório Daniel Advogados.

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