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O Piantella, a redução da advocacia e sua percepção na sociedade

Fecha-se um restaurante que alimentava não apenas pessoas como também a política nacional. Um político é preso e tem advogados. Não há nada a ser falado além disso.

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Atualizado às 08:57

"A crise econômica foi a responsável pelo fechamento do Piantella. O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, cobrava caro tanto no seu escritório quanto no seu restaurante", disse o apresentador Sérgio Aguiar, ao vivo, na GloboNews, na quinta-feira, 1º de Setembro.

Em fato já noticiado neste rotativo, o restaurante Piantella não abrirá mais suas portas após tê-las abertas por quatro décadas na capital federal. Uma simples busca na internet e constata-se o seguinte:

"Apesar de toda a fama, Kakay, um dos advogados mais requisitados para livrar políticos e empresários de escandâlos de corrupção, não conseguiu salvar o negócio" (Bela Megale e Julio Wiziak de Brasília para Folha de S.Paulo).

"Como um dos criminalistas mais requisitados de Brasília, Kakay, 58 anos, defendeu e defende muitos nomes de peso do meio político nacional. Conseguiu livrar o publicitário Duda Mendonça das acusações do mensalão do PT e tenta o mesmo com o ex-senador Demóstenes Torres em seu envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira" (Renato Alves para O Correio Brasiliense).

Advogado não livra ninguém: defende. Advogado não cobra caro ou barato: paga-se honorários referentes ao trabalho, conhecimento, capacidade e estratégia destacadas. Advogado não é garrafa de vinho que tem rótulo e criminalista não se limita à política.

A repercussão do fechamento do Piantella e dos apostos usados para explicar quem é Kakay são reflexo de uma sociedade que reduz à advocacia como uma atividade secundária e de espertalhões. A escolha dos verbos livrar e da associação do nome dos clientes que foram réus é uma amostra de como brasileiras e brasileiros vêm advogados e advogadas, associando o sagrado direito à defesa com o delito. Deprecia-se a absolvição ao empregar o verbo livrar. É um desserviço aos mecanismos jurídicos reportagens como estas.

Reduz-se, assim, entre o bem e o mal, o certo e o errado. No exercício da advocacia, entretanto, existe o processo e seus fatos, cabendo a quem compete julgar e não se rotular com (ainda que verdades) fatos pinçados propositalmente para causar asco: afinal, por que não afirmar, por exemplo, que o causídico defendeu a atriz Carolina Dieckmann quando esta fora chantageada por alguém que possuía suas fotos íntimas?

Porque, migalheiras e migalheiros, para a mídia é mais interessante continuar vendendo a imagem de "advogado do diabo" do que noticiar o que se precisa. Neste caso, muito simples: um clássico e elegante restaurante de Brasília fecha as portas. Ponto. Com exceção para o jornal O Globo, que trouxe os grifos do advogado "ali se trabalhou pela redemocratização, pelas Diretas Já. Ali famílias se reuniam, era onde os amigos se encontravam. Era um patrimônio imaterial da cidade" e do jornalista da Rede Globo, Gerson Camarotti que no mesmo programa citado acima, deu seu depoimento dizendo que políticos com diferenças ideológicas e partidárias dividiam o ambiente pacificamente. "Todo mundo se convivia. Você disputava ideias, mas todo mundo se admirava e todo mundo celebrava a política ao final do dia em torno da boa mesa do Piantella. E o que a gente vê hoje, nestes últimos anos, é o acirramento político que se criou inimizades aqui: as pessoas não convivem mais. E eu acho que este foi o ingrediente também para o esvaziamento exatamente deste templo da convivência aqui em Brasília".

Estas construções são perigosas. É de notícia em notícia como esta do Piantella, que mais frisa o personagem do que o fato, que a reputação de uma categoria se rebaixa. Associações vazias como as noticiadas só se prestam para reforçar o estigma de que "advogado é rico, cobra fortunas para defender bandido" (quem nunca ouviu isso? Eu escuto quase toda semana esta frase ou uma de suas variantes quando menciono minha nova área acadêmica). Agora, assim como Kakay e o Piantella, os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso, da banca Figueiredo & Velloso Advogados Associados, foram perseguidos e avultados com provocações como "bandidos" e "recebem honorários de propina" por repórteres e populares.

A razão? Estavam exercendo as funções básicas do Estado Democrático de Direito do amplo direito à defesa ao garantir a melhor para Eduardo Cunha, que teve sua prisão decretada dia 19. Mais um bem-sucedido case da mídia em demonizar a advocacia e seus representantes. Assim, a curto e médio prazo, a sociedade da informação distorce e desvaloriza a advocacia.

Este tipo de repercussão midiática deve ser combatido como se deve: reportando-se ao ombudsman do veículo, quando houver, ou à editoria competente. Não se trata de cerceamento de liberdade de expressão ou censura e sim reconhecimento do que é notícia: fecha-se um restaurante que alimentava não apenas pessoas como também a política nacional. Um político é preso e tem advogados. Não há nada a ser falado além disso.

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*Ivy Farias, 35 anos, é jornalista e estudante de Direito da UMC/ Campus Villa-Lobos-Lapa. Só fez jornalismo porque prometeu aos pais cursar Direito após o término da primeira faculdade. Trabalhou na Folha de S.Paulo, O Estado de S.Paulo, Rolling Stone e Radiobras entre outros. Voltou para a carreira familiar por se recusar a fofocar ao invés de noticiar. Até hoje é amiga de jornalista e nutre profundo respeito por todos que estão em redações- mas não se isenta de criticar quando necessário.

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