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Aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais

O aludido princípio vem ganhando destaque no prisma atual do mundo jurídico, não passando despercebido pelo Estado Democrático de Direito.

terça-feira, 1 de novembro de 2016

Atualizado em 31 de outubro de 2016 18:11

O sistema jurídico brasileiro é pautado em princípios condutores das normas tipificadas no mundo jurídico. Esses mesmos princípios garantem que o Estado Democrático de Direito seja reconhecido como fiador de direitos e deveres dos cidadãos.

O princípio da insignificância conseguiu relevância no âmbito jurídico com Claus Roxin, em 1964. Seu reconhecimento no Brasil só ocorreu com o advento da Constituição Federal de 1988. No Direito Penal, o citado princípio tem o condão de diminuir os incidentes, à medida que delimita o entendimento de que os julgadores devem se ocupar apenas com condutas verdadeiramente danosas aos bens jurídicos protegidos. Aplicado no plano concreto, esse princípio leva em consideração, sobretudo, o grau da lesão ocasionada, verificando se o fato atingiu um nível que consiga alcançar a tipicidade material imposta pelo Direito Penal.

No que concerne à legislação pátria, o apontado princípio está entre os princípios penais implícitos da CF/88. Significa que ele não é um princípio que tem previsão expressa, ele se atrela a outros dois princípios: da dignidade da pessoa humana e o da legalidade. Assim bem salienta Silva:

Seu reconhecimento pode ser realizado ao complementar-se o Princípio da Dignidade da pessoa humana e o Princípio da Legalidade, no sentido de alcançar-se a justificação para aplicação da pena criminal. Assim, a conjugação desses princípios na determinação da justificação e proporcionalidade da sanção punitiva revela o Princípio da insignificância em matéria criminal, que vê a lume para afastar do âmbito do Direito Penal as condutas penalmente insignificantes como meio de proteger o direito de liberdade e igualdade na Constituição vigente. (SILVA, 2006, p.173)

Para o Supremo Tribunal Federal brasileiro, tal princípio é legitimo e o conceitua da seguinte forma:

O princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Glossário Jurídico. Disponível em: https://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=A&id=491 Acesso em 29.09.2015).

Nesse contexto, Greco (2005, p.47) traz a definição de um tipo penal como "o modelo, o padrão de conduta que o Estado, por meio de seu único instrumento, a lei, visa impedir que seja praticada, ou determina que seja levada a efeito".

Assim, é de suma importância esclarecer que a Tipicidade Formal é adequação de uma conduta ao tipo penal presumido em lei. Como dito anteriormente, se uma ação de determinado agente não for reconhecida como uma conduta formalmente típica ou não se enquadre nos padrões exigidos como fato típico, não haverá crime.

Deste modo, Greco (2005, p.48) afirma que a "adequação da conduta do agente ao modelo abstrato previsto na lei penal (tipo) faz surgir a tipicidade formal ou legal. Essa adequação deve ser perfeita, pois, caso contrário, o fato será considerado formalmente atípico".

Em concordância, Silva sustenta:

[...] o juízo de tipicidade penal, em razão da concepção material do tipo, apenas considerará típica a conduta que concretamente lesionar o bem jurídico-penal tutelado, não sendo suficiente para configurar o delito a simples tipicidade formal, que consiste na mera adequação do fato realizado com a descrição abstratamente prevista. (SILVA, 2006, p.81)

Destarte, para julgar uma ação como crime, faz-se necessário que ocorra uma agressão relevante ao bem jurídico tutelado pelo Direito Penal.

De tal modo, ao passo que a tipicidade formal estuda a adequação da ação a norma, a tipicidade material se preocupa em especial com o bem protegido pela norma penal, ou seja, a lesão ou ameaça deve ser intolerável e deve ter um potencial considerável para sua aplicação.

Por sua vez, a tipicidade penal não deve ser absorvida apenas como mera subsunção da norma ao fato concreto, acolhendo a tipicidade formal como a única forma de análise entre uma conduta delituosa e a norma penal, deve-se estabelecer diagnósticos precisos entre os tipos. Nesse entendimento, verifica-se que a tipicidade conglobante, defendida por Zaffaroni, atua com a existência de evidências de que a conduta praticada pelo agente, no caso concreto, é conceituada como antinormativa, ou seja, oposta à norma penal. Grego leciona:

Para que possa falar em tipicidade conglobante, é preciso verificar dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é entinormativa; b) se o fato é materialmente típico. O estudo do princípio da insignificância reside nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada tipicidade material. (GRECO, 2004, p.70)

O Princípio da insignificância atua como limitador da norma penal, posto que, a ausência de requisitos implícitos de crime no caso concreto inibe a execução da ação penal.

O Direito Penal tem como finalidade a proteção social e, consequentemente, sua aplicabilidade deve seguir os padrões legais. Nesse sentido, o Anteprojeto do Código Penal, ainda em trâmite nas casas legislativas (projeto de Lei 236, de 2012) debruça-se sobre o princípio da insignificância e, após elencar no artigo 28 as já conhecidas hipóteses de exclusão da antijuridicidade, propõe a criação de um parágrafo único ao referido artigo 28 para eleger o princípio da insignificância como também causa de "exclusão do fato criminoso", nestes termos: "§1º Também não haverá fato criminoso quando cumulativamente se verificarem as seguintes condições: a) Mínima ofensividade da conduta do agente; b) Reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento; e, c) Inexpressividade da lesão jurídica provocada".

Portanto, com base nos estudos apresentados compreende-se que o Princípio da insignificância encontra base legal para que sua aplicação seja eficaz.

Porém, em alguns ramos do direito ainda existe uma grande discussão acerca da aplicação de tal princípio, a exemplo dos crimes ambientais.

A proteção ao meio ambiente está respaldada pelo texto constitucional, pois com o advento da Carta Magna, o direito ambiental assumiu o papel de direito fundamental, conforme dispõe o artigo 225:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preserva- ló para as presentes e futuras gerações.

Pois bem, a Constituição Federal é clara ao afirmar que o meio ambiente é essencial para sobrevivência do ser humano, sem ele não há possibilidade de vida. Assim, entende-se que aqueles que deram causa às lesões contra o meio ambiente, independentemente de ser pessoa física ou jurídica, podem sofrer punições administrativa, civil e penalmente, de forma autônoma ou cumulativa (art. 225, §3º). Freitas (2001, p.33) defende que a Constituição brasileira se posiciona como pioneira permitindo que tanto o poder público quanto a coletividade desfrute dos meios legais para tutelar o bem comum da humanidade.

A proteção do Direito Penal ao meio ambiente nasce da carência do Estado tutelar os valores considerados fundamentais para a sociedade. Desse modo, Silva (2008, p.63) indica três vertentes que justificam a interferência penal na defesa do meio ambiente: "a) o meio ambiente como bem jurídico penalmente relevante; b) a natureza subsidiária do Direito Penal; e c) a função instrumental da sanção penal".

Por consequência disso, convém reiterar que o meio ambiente, na qualidade de bem jurídico com natureza jurídica transindividual, conforme reconhecido constitucionalmente, é digno de proteção penal.

Apesar da aplicação do princípio da insignificância já estar consolidado na doutrina e também na jurisprudência para delitos que não consigam lesar de forma significativa o bem jurídico tutelado, existem divergências no que se refere à possibilidade de sua aplicação nos delitos contra o meio ambiente.

No que se refere à existência de lesão ambiental insignificante, Silva (2008, p. 88) aduz que "a própria Lei de Crimes Ambientais reconhece a possibilidade de existência de lesão ambiental penal insignificante", segundo se verifica da redação do art. 54 da lei 9.065/98, assim redigido:

"Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa".

Isto posto, Freitas diz que é possível a que se aplique o princípio da insignificância na esfera ambiental, sobe a condição de ser uma forma excepcional, ou seja, apenas nos casos de menor relevância, pois nesses casos as penas além de leves podem se beneficiar da possibilidade de transação penal e suspensão condicional do processo.

"[...] o reconhecimento do princípio da insignificância deverá ser reservado para hipóteses excepcionais, principalmente pelo fato de que as penas previstas na Lei 9.605/98 são, na sua maioria, leves e admitem transação ou suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, arts. 76 e 89). Em outras palavras, no caso de menor relevância a própria lei dá solução, ou seja, composição entre o Ministério Público e o infrator, sendo esta a opção mais acertada (2006, p. 44)".

Nucci (2006, p. 507) entende que a aplicação do referido princípio é "perfeitamente aplicável no contexto dos delitos contra o meio ambiente". Nessa lógica, utiliza como exemplo o crime do art. 29, da Lei nº 9605/98, com o entendimento de que matar, perseguir caçar, apanhar, utilizar qualquer animal de mínima importância para o ecossistema, como "uma borboleta ou um filhote de pássaro que caiu do ninho", pode se enquadrar na conjectura da aplicação do princípio da insignificância.

Por fim, o STF, mesmo em meio à divergência, aplica o entendimento supracitado:

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, por maioria de votos, Habeas Corpus (HC 112563) e absolveu um pescador de Santa Catarina que havia sido condenado por crime contra o meio ambiente (contra a fauna) por pescar durante o período de defeso, utilizando-se de rede de pesca fora das especificações do Ibama. Ele foi flagrado com 12 camarões. É a primeira vez que a Turma aplica o princípio da insignificância (ou bagatela) em crime ambiental. O pescador, que é assistido pela Defensoria Pública da União (DPU), havia sido condenado a um ano e dois meses de detenção com base no artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.605/98 (que dispõe sobre as sanções penais e administrativas impostas em caso de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente). (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Glossário Jurídico. Disponível em: https://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.aspidConteudo=215713 1 Acesso em 09.10.2015)

Por tudo quanto posto, percebe-se que, de fato, é inconcebível que o Estado seja obrigado a preocupar-se com fatos ínfimos que sequer lesione o bem jurídico tutelado, devendo se curvar apenas diante de condutas que justifique a utilização da máquina estatal.

Por certo, o artigo aqui desenvolvido busca evidenciar que, o aludido princípio vem ganhando destaque no prisma atual do mundo jurídico, não passando despercebido pelo Estado Democrático de Direito e sua atuação é evidente não apenas na esfera penal, como também em outros ramos do Direito, tendo efetivação da sua aplicabilidade, permitindo que o direito seja mais eficaz e de forma mais célere.

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FREITAS, Vladmir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral. 4ª ed.; Rio de Janeiro: Impetus, 2005.

Lei 9.065 de 1998

LOPES, Maurício Antonio Ribeiro. Princípios da Insignificância no direito penal: análise à luz da Lei 9099/95: Juizados especiais penais e da jurisprudência atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro. Série Princípios Fundamentais do Direito Penal Moderno, v.2. In : Princípio da insignificância no direito penal: análise à luz das Leis 9.099/95 ( Juizados Especiais Criminais), 9. 503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) e da jurisprudência atual. 2. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda, 2000.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

PRADO, Luiz Regis. Direito Penal do ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

PL do Senado nº 236, de 2012 - (Novo Código Penal)

ROXIN, Claus. A proteção de bens jurídicos como função do Direito penal. Tradução: André Luís Callegari, Nereu Giacomolli. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. P.

São Paulo. Constituição (1989). Constituição do Estado de São Paulo. Diário Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 6 out.1989. Disponível em clique aqui: Acesso em: 15 ago 2015.

SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância e os crimes ambientais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no Direito Penal. Curitiba: Juruá, 2006.

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*Ana Selma de Aragão Bastos é advogada associada na MoselloLima Advocacia pós-graduanda em Direito Civil e Direito Processual Civil pela federal Concursos/SP.

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