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A necessidade e a importância da alteração da lei 11.101/05 diante do atual cenário econômico

Não nos parece a regulamentação mais adequada, isto porque, nos leva invariavelmente a um cenário de imprevisibilidade do resultado.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

Atualizado às 09:10

A ruína da empresa (insolvência)1, bem diferente do que se pensa, é um fator que gera impactos e consequências nefastas na micro e macroeconomia, e não apenas para os que estão diretamente envolvidos com ela, como funcionários, credores e sócios. Por essa razão, a sua reversão tem grande relevância social. Isso porque a vida social é movida por engrenagens que funcionam de forma engajadas e sucessivas, seja de forma direta ou por reflexo (indireta).

Como nos ensina Einstein: "Deus não joga dados com o Universo", vale ainda dizer que a vida social não se move solta, de forma aleatória. Há elementos que a disciplinam. Estes elementos formam sistemas e sub-sistemas, que convivem entre si com maior ou menor harmonia2.

Em pouquíssimas áreas do direito, quiçá a única, a ligação entre a economia, a atividade empresarial (gestão), a contabilidade e a norma jurídica é tão efetiva e clara quanto na legislação de insolvência empresarial brasileira. Por tamanha distinção, se faz necessário praticar uma ginástica multidisciplinar para extrair e equalizar conceitos provenientes de ciências sociais distintas com um intuito único de atingir uma efetiva função social para o instituto.

Verdade é que o legislador ao redigir a
lei 11.101/05 (LRE) reforma a estrutura do sistema anterior, aproximando3 dessa forma o sistema de insolvência brasileiro com o que se experimenta ao redor do mundo. Traçou o alicerce de maneira irretocável, a qual denominamos de mens legis, sendo sua principal característica a preservação da empresa, que se encontra exteriorizada especialmente em seu artigo 47.

Dispõe o citado artigo:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Por certo, o art. 47 é para os advogados dos devedores a mais importante arma no que tange a aplicação da lei na defesa dos interesses da recuperanda, tornando como regra a manutenção da atividade empresarial ou ao menos a sua tentativa. E não menos verdadeiro é para os advogados dos credores a kriptonita4 jurídica utilizada para derrubar normas jurídicas contrárias aos interesses da recuperanda.

Certo é que independente do lado da gangorra que se encontre, a legislação não deve e não visa resguardar os interesses dos sócios.

Após cerca de 11 anos de vigência da nossa pré-adolescente legislação de Reestruturação e Recuperação de Empresas muitos são os aspectos polêmicos em relação a sua aplicação, ora devido a sua previsão insuficiente o que gera interpretações dúbias, ora por se observar que a legislação em determinado momento protege mais o credor e em outro mais o devedor. Semelhante fenômeno também é observado em relação aos juízes ao julgarem tais celeumas. E ainda, e não menos importante, pela própria essência da dicotomia de gato e rato que existe no comportamento das partes no processo de recuperação judicial, tal sistemática é denominada por Fábio Konder Comparato de Dualismo Pendular5. Não nos parece a regulamentação mais adequada, isto porque, nos leva invariavelmente a um cenário de imprevisibilidade do resultado, independente de que lado se esteja, ensejando assim uma insegurança jurídica que não é saudável para o mercado.

Dentro desse contexto, aliado com o lastimável nível de deterioração do ambiente econômico que atualmente estamos atravessando, é inegável que o Instituto como um todo está sendo colocado a prova, gerando dessa forma amplas discussões a respeito de torná-lo mais eficiente, mutatis mutandis, o reexame legislativo se torna imperioso após esse período de amadurecimento da lei.

A doutrina já vem elaborando projetos propositivos que convergem em importantes e relevantes pontos, tais como a sujeição dos credores fiduciários e fiscais ao processo concursal, ou ao menos a possibilidade de ingresso em parcelamentos especiais de dívidas fiscais em curso (REFIS), a inclusão do automatic stay, a criação de ferramentas jurídicas para que os fomentadores de crédito (financeiros) e fornecedores continuem a conceder crédito para a empresa em recuperação e ainda a reformulação da própria falência com intuito de prestar eficiência ao instituto trazendo assim uma alternativa "verdadeira" para o credor otimizar seu crédito.

Mas infelizmente não estamos vendo um empenho do poder público (legislativo e executivo) nesse sentido, apenas percebemos movimentos pontuais para atuação em casos específicos, como o que tivemos notícias ontem através do Ilmo. Gilberto Kassab, Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do governo que confirmou que o governo discute a elaboração de uma MP6 para alterar a lei 11.101/05 para viabilizar a intervenção na Oi que requereu recuperação judicial em junho do ano corrente elencando uma dívida de R$ 65,4 bilhões.

Não nos parece que tal medida irá trazer a normatização que o mercado precisa e espera, segundo dados do Serasa Experian, no ano de 2012, 757 empresas recorreram ao judiciário em busca de soerguimento através do instituto da Recuperação Judicial, no primeiro quadrimestre do ano vigente alcançamos o número de 1.4797, isso significa que tivemos praticamente o dobro de pedidos do ano de 2012 em apenas 4 meses.

Logo, podemos concluir que em razão da velocidade em que a atividade empresarial e a economia avançam e ao mesmo tempo se deterioram, essa morosidade do poder público poderá ensejar em irreversíveis consequências, e dependendo do momento que venha as soluções (aperfeiçoamento da lei), por mais perfeitas que sejam, corremos um grande risco de perdermos "o tempo da piada" ("timing").

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1 Não se trata da insolvência civil prevista no art. 748 e seguintes do CPC/73 (sem correspondência no CPC/15), trata-se da insolvência empresarial regida pela Lei 11.105/2005.

2 MÜLLER, Thomas Dulac. Aspectos Polêmicos e Atuais da Lei de Recuperação de Empresa. D'Plácido, São Paulo, p.17.

3 Aproximando no sentido que entrou no caminho das legislações estrangeiras para o instituto, mas ainda há muito o que evoluir em relação a essas legislações.

4 Nas histórias relacionadas ao Superman (histórias em quadrinhos, filmes e séries de TV), a kriptonita é um mineral que tem o efeito principal de enfraquecer o (de outro modo invulnerável) Super-Homem.

5 "Em nosso país, a legislação falimentar tem seguido um ritmo nitidamente pendular: protege-se alternadamente o insolvente, ou os seus credores, ao sabor da conjuntura econômica e da filosofia política do momento" (Aspectos Jurídicos da Macro-Emprêsa. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 1970; pp. 95 e ss.)

6
MP é preparação do governo para eventual intervenção na Oi, diz Kassab
. Acesso em: 07/11/2016.

7 Fonte: Serasa. Dados de RJ's atualizados até Abril de 2016.

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*Eduardo F. de Souza Weyll é advogado do escritório Weyll & Midon Advogados.

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