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Crime e conflitos sociais

Variam as razões, mas não se conseguiu encontrar fórmulas que conciliem o direito democrático ao protesto e às reivindicações com a paz social.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Atualizado às 10:05

O escritor Emile Zola demonstrou, no curso de sua vida, uma preocupação invulgar com a realidade social e política do século 19, especialmente com os fatos mais significativos ocorridos na França. Exteriorizou tal preocupação por meio de uma literatura ficcional baseada em situações que marcaram a época.

A sua obra é caracterizada pela sua acentuada sensibilidade social e pelas questões ligadas à justiça. De cada um de seus livros transbordam os problemas ligados à justiça formal e à justiça social.

O Estado Juiz, em especial o de natureza militar, foi amplamente esmiuçado e ferozmente criticado quando se empenhou em estudar, analisar e escrever sobre o chamado caso Dreyfus, como será abordado em outro escrito.

Fez uma abordagem extremamente realista das condições de miséria dos trabalhadores das minas da região de Voreaux, na França, no livro "Germinal".

O cenário descrito era de uma trágica miséria que assolava toda a região. A pobreza absoluta atingia especialmente os mineiros, impregnados pelo pó do carvão, que invadia os seus corpos alterando o funcionamento dos órgãos vitais como os pulmões e os rins e prejudicando os sentidos da audição e do olfato.

A alimentação era precária. As famílias dividiam as sobras com aqueles que padeciam com a escassez. Alguns comiam menos para poder doar o que restava.

O personagem central da obra é Etienne, um desempregado que após perambular pelas estradas do interior da França foi parar em Marchiennes, empregando-se na mina.

No centro de um enredo que descreve a desigualdade social reinante na época, estão figuras representativas dos movimentos políticos daquela ocasião, que foi marcada pelos ideais socialistas e marxistas surgidos na metade do século dezenove. Comunistas, anarquistas, revolucionários, socialistas moderados, terroristas surgem em um quadro marcado por gritantes desníveis sociais e pela exploração da classe operária, representada pelos trabalhadores da mina de carvão.

Pode-se observar na obra de Zola alguma analogia com os romances regionais brasileiros, da autoria de escritores como Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado, o poeta João Cabral de Melo Neto e outros que retrataram o sofrimento do povo sertanejo e as desigualdades urbanas que sempre estigmatizaram a região nordestina.

Voltando a Etienne, o seu destaque sobre os demais, se fez notar de pronto. Sua ascendência sobre os mineiros fez com que eles se conscientizassem da exploração inumana a que estavam submetidos.

Contando com o auxílio de alguns trabalhadores mais politizados, traçou um plano de resistência à injusta situação reinante. A primeira providência foi organizar um caixa para suprir as necessidades dos futuros grevistas.

Em represaria à greve, foram efetivadas medidas restritivas aos direitos dos trabalhadores, inclusive diminuição de salários. Este fato constituiu o estopim da revolta. O movimento grevista espalhou-se para outras cidades e outras minerações, obrigando a polícia a intervir. Os mineiros enfraquecidos, padecendo de fome e de frio, reagiram como puderam ajudados pelos habitantes da região.

Arremessar tijolos contra os soldados foi a arma utilizada pelos grevistas. Estes passaram a atirar contra os grevistas e contra o povo em geral que participava das manifestações.

A fúria incontida da multidão, um policial foi degolado, e a violência dos militares à época já prenunciavam conflitos urbanos que se repetiriam no curso dos anos, invadindo o século 20 e o atual.

Note-se que as condições de trabalho e os direitos dos trabalhadores da época da revolução industrial, evoluíram sobremodo.

No entanto, o embate entre o povo e forças policiais não cessou. Tornou-se uma constante. Variam as razões, mas não se conseguiu encontrar fórmulas que conciliem o direito democrático ao protesto e às reivindicações com a paz social. Quando aquele direito é exercido, em regra, o clima reinante é o da desarmonia e da violência de ambas as partes. Note-se, não serem apenas de natureza trabalhista as postulações das ruas. Questões políticas e sociais também constituem os motivos das mobilizações.

O confronto entre movimentos sociais e repressão é, ao que parece, inevitável. Assim, a história nos mostra, com acentuado crescimento nos dias atuais.

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*Antônio Claudio Mariz de Oliveira é advogado da Advocacia Mariz de Oliveira.

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