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Irresponsabilidade tributária e o direito do contribuinte

Marcello Cimino e Rodrigo Vianna

Em meio ao caos financeiro e a desesperada necessidade de arrecadar, não faltam ideias e iniciativas dos entes tributantes para tentar mitigar a situação corrente.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Atualizado em 10 de fevereiro de 2017 13:13

É notório o quadro dramático das finanças públicas brasileiras. União, Estados e municípios, todos, em algum nível, enfrentam problemas semelhantes decorrentes da falta de recursos - que incluem desde a suspensão do pagamento de fornecedores de serviços públicos, até o atraso recorrente de pagamento de salários de servidores públicos.

Apontada por muitos como a principal responsável pela conjuntura econômica atual, não se pode considerar a deflagração de grandes esquemas de corrupção como única culpada. Do mesmo modo, dizer que a queda da arrecadação é resultante da crise econômica também é uma forma deveras simplista para abordar o assunto.

Com efeito, resta evidente que a série de políticas públicas mal geridas e planejadas, a concessão de benefícios/incentivos fiscais sem o prévio estudo de efetivo impacto financeiro-orçamentário, juntamente com o aumento irresponsável de despesas públicas contribuíram, sobremaneira, para aprofundar a crise das finanças públicas no país.

Em meio ao caos financeiro e a desesperada necessidade de arrecadar, não faltam ideias e iniciativas dos entes tributantes para tentar mitigar a situação corrente.

Em âmbito estadual, um projeto específico passou a incomodar o sono dos contribuintes. Em maio deste ano, foi ratificado, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ, o convênio ICMS 42/16, que autoriza Estados e o DF a condicionar a fruição de incentivos financeiros e fiscais, inclusive os que ainda vierem a ser concedidos, ao depósito de, no mínimo, 10% do respectivo incentivo em um determinado fundo a ser criado, para garantir o equilíbrio financeiro e previdenciário da unidade federada.

A reação de juristas e contribuintes foi imediata: qualquer regramento que exija depósito nos termos do referido Convênio é inconstitucional. Isso porque, por possuir natureza de imposto, tais depósitos não poderiam ser vinculados a fundo com destinação específica e, mesmo que isto fosse possível, tal obrigação somente estaria em vigor a partir do ano que vem.

A esse respeito, vale destacar ainda que incentivos, como o de isenção de ICMS concedido por prazo certo e em função de determinadas contrapartidas, nos termos do art. 178 do CTN e súmula 544 do STF, não podem ser revogados ou modificados por lei a qualquer tempo, impondo-se a observância dos termos contratados entre Estado e contribuinte.

Os Estados, em sua defesa, argumentam que tais depósitos/pagamentos não se confundem com impostos ou contribuições, e que, na verdade, são medidas compensatórias, necessárias ao cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Recentemente, no Rio de Janeiro, esta discussão tomou ares concretos, com a concessão de liminar pelo Juízo da 11ª vara de Fazenda Pública, afastando o direito de o Estado exigir de certos contribuintes o recolhimento ao Fundo Estadual de Equilíbrio Fiscal - FEEF, instituído pela lei estadual 7.428/16, e regulamentado pelo decreto estadual 45.810/16, do valor equivalente à 10% dos incentivos fiscais concedidos.

Motivou a concessão da referida liminar, a justificativa de que os Estados não podem aumentar a carga tributária e exigir o seu pagamento no mesmo ano-calendário, sem que se desrespeite a CF. Além disso, para aquele Juízo do TJ/RJ, os argumentos trazidos pelos contribuintes são contundentes, motivo pelo qual, até que se analise o assunto com o devido vagar, tal depósito/ pagamento não poderá ser exigido sem que se ponha em risco a saúde financeira dos próprios contribuintes.

Importante destacar que esta discussão tomará ares nacionais em 2017, tendo em vista que, a pedido do Sistema FIRJAN, a Confederação Nacional da Indústria - CNI ajuizou ação direta de inconstitucionalidade contra a referida lei Fluminense (ADI 5635). A ação foi distribuída no dia 23 de dezembro de 2013 ao Ministro Roberto Barroso, que ficará responsável pela relatoria da mesma.

Este é um fato relevante, pois apesar da ação de inconstitucionalidade ter como objeto a lei 7.428/16, eventual decisão contra, ou a favor, dos contribuintes servirá de precedente para todas as futuras ações ajuizadas contra fundos criados com base no Convênio ICMS 42/16, por Estados em crise financeira.

Em que pese a necessidade de os Estados adotarem medidas sérias para equalização das finanças públicas, tal esforço não pode ser empreendido ao arrepio da CF e através do sufocamento de nossos setores produtivos, que, apesar de combalidos, continuam a contribuir, e muito, com a arrecadação tributária. Da mesma maneira, o ente tributante não pode desrespeitar as normas e princípios gerais de direito, ainda que premido pela atual situação financeira. Há que se identificar formas legais de promover os ajustes e mudanças necessárias para promover o reequilíbrio das contas públicas.
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*Marcello Cimino é associado da área tributária de Trench, Rossi e Watanabe Advogados. É mestrando em finanças na London School of Business & Finance, com pós-graduação em direito financeiro e tributário pela Universidade Federal Fluminense - UFF.


*Rodrigo Vianna é pós-graduado em direito tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET.

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