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A profissão de detetive particular, por Eudes Quintino

A profissão de detetive particular

Como é sabido, toda e qualquer investigação, seja ela de natureza civil ou penal, apesar do sigilo que deve revesti-la, acaba provocando a invasão da privacidade alheia.

domingo, 26 de março de 2017

Atualizado em 24 de março de 2017 14:53

Sherlock Holmes, apesar de ser um personagem de ficção científica da literatura britânica, criado por Sir Arthur Conan Doyle, foi considerado um detetive com todos os predicados exigidos para a profissão. Dono de um raciocínio rápido, baseado na lógica dedutiva, observador agudo, detalhista, juntamente com seu assistente dr. Watson e com seu inseparável cachimbo, investigava preferencialmente os crimes mais complexos e conseguia desvendá-los com o sucesso não alcançado pela Scotland Yard. A famosa Agência de Detetives Pinkerton, nascida em Glasgow, Escócia, emigrou para os Estados Unidos onde consagrou seu nome e prosperou na investigação particular. Tamanha sua importância que foi contratada pelo presidente Lincoln para cuidar de sua segurança pessoal.

No Brasil, após muitos anos de tentativa por parte dos interessados, o Senado Federal aprovou o PLC 106/2014, que regulamenta a profissão de detetive particular ou de investigador particular que, como a própria denominação deixa a entender, significa a contratação de um profissional para executar tarefas de nítido interesse da pessoa que pretende obter informações seguras a respeito de determinado fato. Agora o texto legal segue para a sanção presidencial.

Como é sabido, toda e qualquer investigação, seja ela de natureza civil ou penal, apesar do sigilo que deve revesti-la, acaba provocando a invasão da privacidade alheia. Daí que a regulamentação vem ao encontro dos profissionais da área, delimitando e especificando suas tarefas, competências e responsabilidades. As investigações giram em torno de questões familiares, conjugais, desaparecimento de pessoas, infrações administrativas e quebras de contrato, violação de obrigações trabalhistas e outras.

Quando se tratar, no entanto, de indícios de crime, a notícia do fato delituoso deve ser comunicada à polícia, responsável que é pela Segurança Pública, conforme determinação contida no artigo 144 da Constituição Federal. Nem há de se cogitar a figura do detetive trabalhando em conjunto com os órgãos persecutórios estaduais ou Federais responsáveis pela polícia judiciária, em razão da total falta de legitimidade. Em alguns filmes americanos é possível ver a colaboração entre a polícia organizada e o investigador policial, desde que possua o licenciamento para exercer tal função.

Quando o fato investigado pelo detetive tiver a aparência de crime, deverá, de imediato, fazer a comunicação ao responsável pela perquirição policial. Mas, tal comunicação sofre delimitação no Código de Processo Penal, devendo ser compreendida somente quando se tratar de crimes apurados mediante ação penal pública incondicionada, não necessitando, no caso, do credenciamento de detetive particular. Tanto é verdade que o parágrafo 3º do artigo 5º do Código de Processo Penal é taxativo ao afirmar que permite "a qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito".

O "qualquer pessoa" vem representar a legitimidade mais abrangente e ilimitada da cidadania, um verdadeiro demonstrativo de maturidade democrática. A franquia que se concede ao particular colaborador reside na natural desvantagem do Estado para igualar as ações com relação ao agente infrator, quer seja penal ou civil, quer seja individualizado ou organizado em grupo. É a figura do longa manus, detentor de excepcional poder de fazer a fiscalização social e apontar eventuais deslizes.

O projeto não só regulamenta a profissão de investigador particular como traz também os requisitos necessários para sua habilitação, compreendendo o nível médio completo, histórico sem condenação criminal, conhecimento de Direito no currículo, o que poderá atrair muitos alunos dos cursos jurídicos, além da frequência ao curso de profissionalização referente às práticas profissionais.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.

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