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Mr. Trump e a propriedade intelectual

Recentemente, com a eleição de Donald Trump, muitas discussões sobre comércio internacional vieram à tona.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Atualizado em 20 de abril de 2017 07:43

Se alguém fizesse uma fotografia sobre a ordenação jurídica do direito da propriedade intelectual nos últimos dois séculos perceberia uma constante elevação quanto aos níveis de proteção em prol do titular. Entre os momentos cruciais deste hiato temporal ganham destaque o advento da Convenção União de Paris (para a harmonização mínima de direitos, o estabelecimento de um marco de piso), no século XIX; e, em seguida, o Acordo TRIPS (para uma parcial uniformização do Comércio Internacional) como um dos anexos à Constituição da OMC, já no ocaso do século XX.

A ascensão de uma ordem internacional que estabelecera os paradigmas da regulação comercial poderia ser interpretada como (a) uma delimitação galopante da soberania nacional; e (b) um direcionamento, sem retrocessos, a caminho da globalização plena imbuída de mercados tendencialmente livres de amarras politiqueiras.

Aliás, desde o finado GATT já se percebia que não havia mais como segregar, realizar diásporas entre as políticas tributárias, de subsídios, da arquitetura quanto ao binômio importação/exportação e da proteção às criações de natureza imaterial-patrimonial.

O caminho percorrido, entretanto, não foi suave e uníssono, posto que impingido de inúmeras disputas diplomáticas e do Poder Econômico que lhes manipulava. Enquanto a pauta dos países economicamente desenvolvidos era para um expansionismo sem limites nos moldes the more, the merrier; de outro lado, países com a economia em transição para o capitalismo, nações com a economia em desenvolvimento, e até Estados com sua estrutura econômica subdesenvolvida, visavam tocar um Documento com vigência geral com um texto equilibrado.

Se de um lado abdicar-se-ia bastante de sua autonomia pública regulatória, para os Estados fora do eixo Norte-Norte, a submissão às regras da OMC os precataria de sanções unilaterais ilegítimas, tais como o embargo estadunidense à Cuba.

Não obstante, o Brasil sempre foi pioneiro na regulação introversa da Propriedade Intelectual desde D. João VI, com o famoso Alvará de 1809. Como co-fundador da CUP e do Acordo TRIPs, as políticas públicas introversas sempre estiveram acordes - ou até mais generosas - do que o padrão internacional.

Dentre a lógica do compliance junto à OMC, os anos noventa foram caracterizados por uma plêiade de leis que elevaram a pujança legiferante canarinha a um dos mais altos patamares de resguardo aos titulares de direitos de Propriedade Intelectual. Entre tantos marcos, se destacaram a Lei da Propriedade Industrial (marcas, desenhos industriais, patentes, concorrência desleal, indicações geográficas), a Lei de Microchips (topografias e circuitos integrados), a Lei dos Softwares, a Lei dos Direitos Autorais e, ainda, a Lei das Cultivares (proteção às variedades vegetais).

É preciso frisar que em quase todos os setores mencionados o Brasil é um mero importador tecnológico, com exceção às Cultivares, aos modelos de utilidade e às patentes do setor petrolífero. Portanto, muito mais do que o atendimento ao desenvolvimento econômico, tecnológico e social (art. 5o, XXIX, da CRFB) do país, os maiores beneficiários (quantitativo e qualitativamente) deste sistema são os estrangeiros que remetem centenas de bilhões de dólares, anualmente, via Banco Central.

Permitindo-se ir além de uma análise superficial, se fosse possível realizar uma radiografia deste contexto histórico, não há dificuldade em notar a oscilação dos discursos dos agentes políticos globais. Os mesmos países economicamente desenvolvidos, antes de pressionarem seus pares (no âmbito internacional) para elevados padrões de proteção à PI, trataram de implementar (antes de tudo) políticas tidas pelos neoliberais como caudilhescas: (i) substituição das importações; (ii) margens de preferência; (iii) alta tributação nos bens importados; e, particularmente, (iv) mútuos feneratícios com baixíssimos juros para o empresariado local.

Quando sua indústria nacional atingia graus de competitividade em escala, restando preparada para enfrentar o mercado internacional, em completa contradição com o que tinham implementado, conclamavam para a extinção do protecionismo. Logo, a "regra do jogo" é que não caberia violar padrões de conduta pré-estabelecidos, a partir do momento em que os protagonistas já estejam em posição favorável para de lá não serem turbados.

Numa comparação amoral, dentro do perfil do paradigma de liberalismo econômico máximo, é como se uma potência mundial passasse trinta anos numa "guerra contra às drogas", cujo know-how e tecnologia era aglutinado em países sul-americanos. Depois de debelar uma parcela dos "grandes empresariados" de entorpecentes, o promotor de tal Guerra Santa iniciasse a flexibilização interna da legislação penal, autorizasse o comércio de algumas drogas e, notando a potência capitalista do produto, investisse em patentes e cultivares sobre sementes para exportar tais psicotrópicos (e importar os royalties dos lucros). Haveria alguma maneira mais eficiente de subverter os protagonismos internacionais?

Num outro marco de abrasão ao contínuo avanço do "protecionismo na propriedade intelectual", também é pertinente mencionar o Acordo de DOHA (tão hardlaw quanto TRIPS) que explicitou maior razoabilidade e proporcionalidade na interpretação das flexibilidades do anexo à Constituição da OMC, em especial no que tange às questões de saúde pública.

Ou seja, apenas aparentemente há uma progressão aritmética para parâmetros TRIPS-Plus de proteção à propriedade intelectual. Em verdade, a trajetória das Políticas Públicas Internacionais em Propriedade Intelectual pode ser configurada como Pendular, eis que um momento sistólico costuma ser sucedido para um movimento diastólico (tal como a expansão e a retração do pulmão e coração humano).

Recentemente, com a eleição de Donald Trump, muitas discussões sobre comércio internacional vieram à tona. A inteligente estratégia do Presidente da República Norte-Americana de vociferar agressões ajudou a despistar os atores críticos para a facilidade de lhe estabelecer estereótipos e caricaturas. Finca-se a atenção da opinião publicada em factoides sem perceber que os verdadeiros intuitos são (i) a desregulação da seara bancária (para padrões pré-crise de 2008), (ii) a fortificação do empresariado local (com o afrouxamento de preceitos ambientalistas e da política tributária aos mais ricos), (iii) a atração do capital estrangeiro para a reincorporação da força de trabalho latente (nos seus mais de duzentos milhões de cidadãos) e (iv) a implementação de políticas nacionalistas (em muitos sentidos louváveis) que colidem com alguns dos marcos da OMC.

A indiferença à ordem internacional não é exatamente uma novidade para o país - simultaneamente - mais rico e desigual do mundo. Para tanto basta recordar do dissídio manu militare de George Bush (filhote) ao conselho de segurança da ONU quanto a uma nova invasão do Iraque.

De outro lado, há estratégias interessantes que o Brasil poderia absorver deste recente cenário Trumpesco visando o alicerce de uma contracorrente à desindustrialização dos setores estratégicos para o país, tais como: (a) a agroindústria e o setor de alimentos; (b) o complexo nacional da saúde e (c) o setor bélico-militar.

Aguardar a coerência e isonomia de uma arquitetura internacional viciada em desfavor dos membros do BRICS, em meio a guerras cambiais promovidas pelas grandes economias (EUA, China e Alemanha), nos manterá na condição de importadores de tecnologia obsoleta e de vendedores de commodities (logo, com baixo valor agregado).

A ausência de um projeto de Estado (e não meramente de governos) desenvolvimentista, com metas plurianuais, faz com que até certos atos do enfant terrible sejam passíveis de bom exemplo para o Brasil.

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*Pedro Marcos Nunes Barbosa é sócio do escritório Denis Borges Barbosa Advogados.

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