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Os 100 anos da greve de 1917 e sua relação com o atual contexto brasileiro

Vítor Godói e Paula Botan

Estamos vivendo em uma época em que novamente a elite retoma todo o poder e quer transformar o trabalhador em mercadoria, dissipando com seus direitos, reduzindo salários e piorando as condições de trabalho.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Atualizado em 5 de julho de 2017 09:43

Em junho de 1917 dava início no Brasil a sua primeira grande greve geral. Na época, o mercado de trabalho no País ainda dava seus primeiros passos, já que a abolição da escravatura ocorreu de maneira tardia aqui. Nossa mão de obra era formada em sua maioria por imigrantes europeus, em resposta a escolha da nossa elite que preferiu incentivar através do Estado a importação de Brancos do que contratar aos negros recém-libertos. Evidentemente que esse novo mercado de trabalho era marcado por uma jornada diária extensa, pela exploração infantil, diferenciação salarial entre os gêneros e proibição de associação de trabalhadores.

No mesmo momento, o mundo vivia a sua primeira grande guerra, tendo como consequência a oportunidade de produção e exportação de produtos principalmente do ramo alimentício. Todavia, uma vez que não detínhamos qualquer sistema de produção em massa, em decorrência da escassa industrialização, houve aumento da exportação, assim como, internamente um aumento de preço e escassez de produtos.

Nesse cenário em que os trabalhadores detinham uma remuneração baixa, somada ao aumento dos produtos alimentícios, fomentados pela ideologia anarquista, é que se mobilizou a primeira greve geral brasileira. A repercussão que começou dentro das fábricas têxtil do estado de São Paulo, foi ganhando força em diversas categorias, gerando o Comitê de Defesa Proletária. Dentre as reivindicações estavam itens como: o direito de associação pelos trabalhadores, limitação etária para o trabalho em 14 anos, pagamento de 50% na realização de horas extras e aumento salarial.

Por outro lado, o Estado lidava com a militância sindical como caso de polícia, prendendo e violentando grevistas. Em meio a manifestações, a truculência policial assassinou o sapateiro e militante anarquista, José Martinez, gerando uma indignação pelos trabalhadores. A manifestação que ocorreu em seguida é contabilizada em mais de 70 mil trabalhadores em greve.

Tendo em vista a grande adesão ao movimento e diversas manifestações pelas cidades do País, os empregadores se comprometeram ao aumento de 20% do salário dos empregados, ausência de demissão para os grevistas, direito de associação dos trabalhadores e o controle para melhores condições de trabalho. O governo também se manifestou no sentido de garantir a proteção ao direito de associação e o estudo para diminuir o encarecimento dos produtos.

O que se depreende do fato é que a mobilização ocorrida em 1917 foi um grande alicerce para a formação do movimento sindical brasileiro. Em um cenário em que não se falava em concessão pelos empregadores, a união e a luta garantiram direitos imprescindíveis para aquela sociedade. O primeiro século da aludida manifestação deve ser relembrado e comemorado por todos que lutam por direitos sociais.

Mais que isso, no atual cenário, em meio a um tornado em que o País vive, em um cenário caótico de reformas, dentre elas a trabalhista que irá precarizar os direitos conquistados pela classe trabalhadora, vemos novamente a ocorrência de Greves Gerais, como a ocorrida em 28 de abril.

O Brasil enfrenta uma grande crise econômica e social que foi agravada pela tomada do poder pelo vice-presidente Michel Temer que conta com uma aprovação da sociedade em percentual ínfima de 10%, segundo dados do IBOPE.

Somada a presidência ilegítima com as propostas das reformas, surge a necessidade de reorganização e união dos trabalhadores para que, ironicamente, 100 anos depois da primeira greve geral tenhamos que novamente tomar as ruas para impedir que anos de lutas sejam sorrateiramente suprimidos para atender aos interesses da elite brasileira.

A greve geral de 2017 ocorreu somente 21 anos depois da última que aconteceu em 1991 e trouxe à tona todo descontentamento dos trabalhadores com as novas mudanças na legislação trabalhista e retirada de direitos propostos pelo governo e seus aliados. A greve contou com a união das principais entidades sindicais do Brasil, teve a participação de todos os 26 estados e o Distrito Federal, parando cerca de 1,3 milhões de trabalhadores, segundo os organizadores do movimento.

Somado a situação política econômica, observa-se também uma clara truculência policial aos trabalhadores militantes, chegando o então Presidente da República a chamar o exército para conter manifestantes em Brasília, sem contar nos inúmeros casos de lesão corporal gerados pelo poder policial pelo País.

O cenário da greve de 2017, com a notória ironia do destino, faz como que concordemos com Cazuza quando dizia 'Eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades'.

A história é um ciclo constante, estamos vivendo em uma época em que novamente a elite retoma todo o poder e quer transformar o trabalhador em mercadoria, dissipando com seus direitos, reduzindo salários e piorando as condições de trabalho, situações essas que deram vida a primeira greve geral e se repetem 100 anos depois como uma resposta dos trabalhadores.

Os resultados e os números da greve geral de 28 de abril de 2017 comprovam que o descontentamento geral com as reformas e que somente haverá mudanças, como aconteceu em 1917, com a união dos trabalhadores e a renovação da militância sindical para que essa novamente crie raízes fortes para lutar contra as repressões do Estado perante os trabalhadores, pois como diria Marx "Os proletários nada têm a perder, exceto seus grilhões. Têm um mundo a ganhar!"

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Vítor Godói é advogado trabalhista do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

Paula Botan é colaboradora do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

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