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"Representação" sui generis coletiva?

Reflexões iniciais sobre o julgamento do Tema de Repercussão Geral 499

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Atualizado em 14 de julho de 2017 10:20

O STF, em sessão plenária de 10 de maio de 2017, julgou o Recurso Extraordinário 612.043/PR, sob a relatoria do ministro Marco Aurélio, referente ao Tema de Repercussão Geral 499, como foi amplamente noticiado, discutido e acompanhado por expressiva parcela da comunidade jurídica brasileira.

O entendimento adotado por maioria pelo STF, em acórdão ainda pendente de publicação, consigna a seguinte tese, in litteris: "a eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados até a data de propositura da demanda, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o fossem em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes da relação juntada à inicial do processo de conhecimento".

O objetivo das presentes considerações é, em brevíssimas linhas, questionar se, caso mantida a conclusão adotada pelo STF, haveria ensejo à concepção de uma sui generis hipótese de "representação" processual coletiva, em substituição ao próprio antagonismo que sempre prevaleceu na Corte - e tomado como premissa decisória - quanto ao contraste entre legitimações "ordinária" e "extraordinária" para a propositura de demandas coletivas por entidades associativas, distinção que, embora não conduzisse a um resultado ideal, também não desamparava as associações civis da efetiva possibilidade de tutela dos direitos e interesses metaindividuais.

A questão pode ser introduzida, de forma simples, com o seguinte questionamento: seria possível exigir "data de filiação" ou "comprovação do status de filiado" para definir quem são os efetivos beneficiários de sentença prolatada em demanda coletiva que verse sobre direitos coletivos stricto sensu, ajuizada por associação civil? Com esteio na tese fixada pelo STF, a resposta a essa questão deveria ser positiva, ante a inexistência de ressalva quanto à natureza ou à dimensão dos direitos e interesses transindividuais para a definição dos referidos limites subjetivos.

Na espécie paradigmática, representada pelo RE 612.043/PR, os autos tratam, em sua origem, de demanda ajuizada pela Associação dos Servidores da Justiça Federal no Paraná, ASSERJUSPAR, para requerer a repetição de indébito tributário de imposto de renda incidente sobre férias dos servidores da Justiça Federal no Paraná que não as puderam fruir em razão de necessidade do serviço.

A entidade autora logrou êxito e, operado o trânsito em julgado, foi instaurada a fase satisfativa, momento em que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região passou a exigir a instrução das petições executivas com "documentação comprobatória de filiação do associado em momento anterior ou até o dia do ajuizamento da ação de conhecimento, observado o disposto no art. 2º-A, da Lei 9.494/97, incluído pela MP 2.180-35/01". Insatisfeita com a decisão regional, a ASSERJUSPAR levou a questão ao Supremo Tribunal Federal por intermédio do referido recurso extraordinário.

Na apreciação do feito, o STF interpretou o art. 5º, XXI, da Constituição Federal de modo a emprestar-lhe alcance limitado à denominada "representação processual" (legitimação ordinária), em vez de "substituição processual" (legitimação extraordinária); entendeu, assim, que o referido dispositivo constitucional encerra exclusivamente hipótese de representação processual e, nessas circunstâncias, as limitações previstas no art. 2º-A da Lei 9.494/97 seriam compatíveis com a ordem constitucional, o que levou à fixação da já mencionada tese jurídica.

O STF limitou seu entendimento à exigência de contemporaneidade entre a filiação e a propositura da demanda coletiva para a delimitação do rol de beneficiários do título coletivo, sendo dispensável a outorga de autorizações individuais nas hipóteses em que deliberação assemblear, no âmbito das respectivas funções institucionais (pertinência temática definida pelo estatuto), "autorizar" o ajuizamento (autorização coletiva específica); reafirmou, nesse contexto, o entendimento anteriormente fixado por ocasião do RE 573.232/SC (Rel. min. Ricardo Lewandowski, Rel. p/ acórdão min. Marco Aurélio, j. 14.5.2014, DJe 18.9.2014), Tema de Repercussão Geral 82: "a previsão estatutária genérica não é suficiente para legitimar a atuação, em juízo, de associações na defesa de direitos dos filiados, sendo indispensável autorização expressa, ainda que deliberada em assembleia, nos termos do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal; as balizas subjetivas do título judicial, formalizado em ação proposta por associação, são definidas pela representação no processo de conhecimento, limitada a execução aos associados apontados na inicial".

O primeiro ponto digno de nota, por ocasião do julgamento do RE 612.043/PR, encerra-se na dupla exigência de autorização individual e/ou coletiva e de indicação dos beneficiários em lista nominativa carreada à petição inicial. Se a entidade associativa estiver autorizada individual ou coletivamente por seus filiados - e tal autorização só pode advir dos filiados então existentes, à data de propositura da demanda -, que importância terá a referida lista de nomes? Na linha de raciocínio contida no julgado do STF, a indicação do nome do filiado visa a garantir o contraditório, já que a prévia constância da relação nominativa dos beneficiários viabilizaria o amplo exercício de defesa pelo demandado.

De retorno à hipótese paradigmática, rememorando tratar-se de questão transindividual, pergunta-se: se, na demanda coletiva em sentido estrito, defende-se o réu da pretensão categorial, que diferença há, à luz do contraditório, a identificação nominal dos eventuais beneficiários da demanda coletiva? A resposta: nenhuma diferença; na hipótese, inclusive, a própria ré (União) tinha total conhecimento sobre o exato rol de pessoas efetiva ou potencialmente afetadas (vínculo estatutário dos servidores). Assim, autorizar a concreção prática do título condenatório em favor de servidor X, cujo nome constara em lista nominativa, mas não a autorizar em favor de Y, pertencente ao grupo interessado, porém não filiado à entidade autora, implica injustificada denegação de tutela coletiva propriamente dita, na contramão do que tal gênero de proteção jurisdicional visa a efetivar.

O entendimento condutor do julgamento do RE 612.043/PR parece claro: a Constituição Federal, em especial por seu art. 5º, XXI, não imputaria às entidades associativas um pré-credenciamento para a tutela de direitos coletivos em sentido amplo porque tais associações civis não se submetem a nenhum outro rigor constitucional de sopesamento, tal como o relativo à unicidade sindical. Contudo, ao assim entender, optou-se por limitar as ações coletivas, em vez de se buscar uma solução de aprimoramento.

De todo modo, ainda que a demanda coletiva ajuizada por entidade de classe verse sobre direitos individuais homogêneos - "assim entendidos os decorrentes de origem comum" (art. 81, parágrafo único, III, do Código de Defesa do Consumidor) -, também nessas circunstâncias a inexistência de lista nominativa não inviabiliza o contraditório; afinal, a própria generalidade do título condenatório esclarece que o contraditório, em relação a eventuais titulares singulares, será efetivado em fase de liquidação individual da sentença coletiva, podendo ser ao fim constatado, inclusive, que nenhum dos pretensos beneficiários do título faz jus à fruição do bem da vida coletivamente tutelado.

O STF, quando julgou o paradigma representado pelo RE 573.232/SC (Tema 82-RG), expressamente norteador do RE n. 612.043/PR (Tema 499-RG), entendera que a simples previsão estatutária - já que é "inconcebível que haja uma associação que, pelo estatuto, não atue em defesa dos filiados" (excerto do voto-condutor do Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão) - não dispensaria a autorização específica em assembleia para possibilitar a representação dos filiados.

Na ocasião, o STF estabeleceu, acerca do contraste entre a representação associativa e a substituição processual sindical, que os respectivos regimes se distinguem quanto à necessidade de autorização específica assemblear, presente para o caso de demandas ajuizadas por associações civis, inexigível para demandas propostas por entidades sindicais. A única exceção, a par de previsão literal da Constituição Federal (art. 5º, LXX, b), refere-se ao mandado de segurança coletivo.

Se o STF entende que a autorização assemblear é suficiente à outorga de poderes associativos, qual é a finalidade da lista a ser acostada à petição inicial? Os filiados "representados" judicialmente por uma associação civil, presentes à deliberação assemblear que aprovou a propositura da demanda coletiva, mas que, por motivos quaisquer, não constaram da lista nominativa acostada à petição inicial, são beneficiários de futuro título coletivo? É evidente que a resposta deve ser positiva. Logo, não é possível afirmar, abstratamente, que a exclusão do nome do beneficiário em referida listagem presumiria sua discordância com a autorização assemblear que decidiu de modo diverso. Caso contrário, a autorização assemblear apenas seria restrita àqueles filiados votantes no processo decisório. Afinal, por razões lógicas, se há autorização específica em assembleia, essa autorização não pode ser concedida senão por aqueles que integram o quadro de filiação à época do referido aval associativo.

Outra questão de relevo: as associações civis, quando rejeitada em assembleia a judicialização de certa controvérsia jurídica, podem promover demanda coletiva em favor de filiados que a autorizem expressa e individualmente? Afinal, se o STF identifica que a "representação" processual das associações civis é assemelhada a um "mandato", em tais circunstâncias, seria em tese viável a propositura de demanda coletiva apenas para uma parcela de filiados. Contudo, se o interesse for categorial, esse parcelamento seria válido? A resposta é negativa, pois o tratamento à tutela jurisdicional do grupo é, por natureza, uniforme e indivisível. No entanto, se considerarmos a situação específica dos direitos individuais homogêneos, referida hipótese se mostra viável: a associação civil atuaria, judicial ou extrajudicialmente, em defesa dos filiados concordes com a tutela pleiteada, nos termos de suas autorizações individuais.

Em síntese, o STF deixou de ajustar a tese sob o necessário enfoque dos direitos coletivos em espécie, desconsiderando a básica constatação de que legitimação processual se afere à luz das situações jurídicas legitimantes, ou seja, observada a dimensão do próprio direito material afirmado.

Tal observação decorre da própria condição legitimante do autor ideológico, cuja legitimidade não deriva da titularidade sobre o interesse ameaçado - titularidade que o legitimado não tem -, mas do reconhecimento, pelo sistema jurídico, de que ele é um portador credenciado a conduzir o processo em dada dimensão expandida.

Na jurisdição coletiva, os sujeitos concernentes ao tema decisório não devem ser tomados singularmente (em concepção individualista), mas aferidos em sua dimensão coletiva; a atuação dos respectivos interesses opera-se por um portador judicial - na espécie em questão, as associações civis -, que a norma constitucional e a legislação de regência consideram representante adequado.

Se o art. 5º, XXI, da Constituição Federal reportar-se a mera "representação" processual, como sublinhado na apreciação do Tema 499-RG, o STF declarará que o rol de garantias constitucionais fundamentais não constitui fonte legitimante para as entidades associativas. Seria esta a atual configuração da "representação" coletiva em demandas propostas por associações civis, uma espécie sui generis de legitimação ativa, cuja nota distintiva reside na mera possibilidade de outorga coletiva (assemblear)? Espera-se que não.

Entendimento diverso conduziria a um incompreensível processo coletivo "fragmentado", sob as vestes de "tutela coletiva" para fenômeno correspondente, na verdade, a mero conflito plúrimo sucedâneo de eventual litisconsórcio multitudinário (soma de interesses coalizados), engendrando "falsas" e anômalas demandas "coletivas", ideia que parece completamente dissociada do texto constitucional.

Resta, enfim, a esperança de que o acórdão de publicação pendente pelo Supremo Tribunal Federal possa, de algum modo (integrativo ou infringente), aperfeiçoar-se, possibilidade plausível quando considerado o saber jurídico de seus membros.

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*João Pereira Monteiro Neto é mestre em direito processual (USP). Especialista em direito processual civil (IDP). Membro do escritório Torreão Braz Advogados.

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