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O impacto negativo da nova lei do ISS para os municípios e contribuintes brasileiros

José Andrés Lopes da Costa e Alexandre Herlin

Entendimento divorciado da realidade cria obrigações impossíveis de serem cumpridas e limita o acesso do grande público a serviços financeiros e de saúde.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Atualizado em 26 de julho de 2017 09:20

A lei Complementar 116/03, que dispõe sobre o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), foi recentemente alterada pela lei Complementar 157/16, em razão do que o local de prestação dos serviços e, por consequência, a competência para arrecadar o ISS sobre os serviços realizados por administradoras de cartão de crédito e de débito, empresas de arrendamento mercantil, de administradoras / gestoras de fundos de investimento e operadoras de planos de saúde, foi deslocada do município no qual está localizado o estabelecimento do prestador para aquele onde está situado o tomador do serviço1.

Diante dessa radical modificação, surgem diversas perplexidades, inclusive de natureza prática ou operacional, sobretudo porque nosso país conta com 5570 municipalidades, o que significa dizer que cada um desses municípios terá o poder de cobrar ISS sobre os serviços cujo tomador resida em seu território.

Surge aí o primeiro problema: a falta de lógica e aplicabilidade prática do dispositivo legal fará com que apenas clientes residentes nas grandes capitais possam ter cartão de crédito e débito, porquanto seria impensável que as administradoras despendessem fortunas em recursos e pessoal especializado para controlar o recolhimento de ISS em cada um dos milhares de municípios do Brasil.

A população que habita municípios de baixa densidade populacional ou PIB minguado ficará desassistida também no que se refere à possibilidade de contratar planos de saúde, celebrar contratos de leasing, participar de consórcios e uma série de outros serviços financeiros, para os quais o cumprimento das obrigações tributárias relativas ao ISS tornaria economicamente inviável ter clientes fora das grandes capitais.

O segundo problema decorre da evidente falta de técnica e manifesto desconhecimento de como funciona o assim denominado mercado de "administração de fundos quaisquer" (sic). Pela redação pouco cuidadosa do dispositivo, nota-se que o legislador parece não conhecer os contornos jurídicos das relações entre fundo de investimento (veículo), gestor (toma a decisão de investimento) e administrador (implementa as decisões, calcula quotas, mantém registro de cotistas, etc).

Assim, ao referir-se à "administração de fundos quaisquer", abrangendo não apenas fundos de investimento regulamentados e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas toda e qualquer espécie de recurso de terceiro seja qual for a modalidade ou a estrutura jurídica utilizada para o desempenho de tal atividade, não se consegue saber sequer quem são os destinatários da norma. Seriam apenas os fundos de investimento propriamente ditos, qualquer um que administre recursos de terceiros? O próprio administrador, em relação aos serviços que lhe foram prestados pelo gestor? A resposta ninguém sabe.

Admitindo-se, entretanto, que o legislador tenha de fato pretendido tratar unicamente dos fundos de investimento regulamentados pela CVM, ainda assim não se consegue dizer com precisão se a norma pretende que o ISS seja recolhido ao município onde ocorre a gestão, aquele onde se verifica a administração ou em ambos.

Isso porque, ao referir-se à "administração de fundos", pondo esta atividade em pé de igualdade com cartões de crédito e débito e arrendamento mercantil, o legislador passou a clara impressão de que entende gestão e administração como palavras sinônimas, para, a partir dessa equiparação, estabelecer de forma absolutamente equivocada e divorciada da realidade um critério unívoco de recolhimento do tributo municipal para hipóteses fáticas e jurídicas absolutamente distintas.

A terceira questão refere-se à eficácia da norma veiculada pela LC 157/16 e a necessidade de haver lei municipal que institua a cobrança em cada uma das 5570 municipalidades do Brasil, visto como a norma veiculada pela lei complementar não é, a nosso ver, autoaplicável. A LC 116/03, alterada pela LC 157/2016, apenas estabelece regras gerais sobre ISS, sendo imprescindível a veiculação de leis municipais para que esta produza efeitos em âmbito local.

Veja-se, que não se trata nem mesmo de defender o princípio da anterioridade no presente caso, ou, ainda, de debater se esta limitação constitucional ao poder de tributar seria cabível à luz da Constituição Federal e da jurisprudência do STF.

Trata-se, antes disso, da mais elementar exigência de lex praevia, sem a qual não pode haver tributo, desde os tempos da Magna Carta de 1215. O ISS é claramente tributo que se encontra dentro da esfera do poder tributante dos entes municipais e do Distrito Federal, razão pela qual não pode ser cobrado sem lei (municipal) anterior.

O quarto e último problema, repousa na manifesta subversão do critério lógico que sempre norteou a legislação do ISS, fundado na definição da competência com base no local onde se localiza o centro decisório ou a atividade da empresa e não no município do tomador, a não ser em casos excepcionais, quando se verifique a existência de atividade substantiva em outro município, capaz de justificar o afastamento da regra geral de competência (i.e. construção civil).

Dessa forma, a alteração do local da prestação de serviço pela legislação do ISS feitas por razões de conveniência arrecadatória ou pressão política, sem observar um mínimo de rigor técnico e de respeito ao figurino constitucional deste tributo não merece prevalecer e, pior, certamente será capaz de gerar incontáveis prejuízos para quem desempenha qualquer das atividades abrangidas pela nova regra, aos usuários destes serviços e à própria arrecadação dos municípios que a norma pretendeu beneficiar.

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*José Andrés Lopes da Costa é especialista em tributação e sócio de Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes, Rennó, Aragão - Advogados.



*Alexandre Herlin é especialista em tributação e sócio de Chediak, Lopes da Costa, Cristofaro, Menezes Côrtes, Rennó, Aragão - Advogados.

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