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Da prévia notificação ao emitente, pelo sacado, antes da inclusão no CCF, o dano moral e a moderna visão jurisprudencial

No caso do dano ter origem na informação dos órgãos protetivos, não há relação alguma entre o ato do banco sacado, de um lado, e o evento retratado de outro. Infere-se, pois, que mesmo que fossem verdadeiras as alegações do emitente, primordial seria o estabelecimento do "nexo causal" entre o alegado dano e a conduta do banco sacado.

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Atualizado em 9 de dezembro de 2020 12:27

Quando da emissão de um cheque, caso o título venha a ser devolvido duas vezes pelo motivo de inexistência de fundos (alínea 12), conta corrente encerrada (alínea 13), ou prática espúria (alínea 14); há obrigação do banco sacado, conforme resolução 1.682/90 e circular 2.989/00, ambas do BACEN, informar, no prazo de 15 dias, os dados do emitente ao CCF- cadastro de emitentes de cheques sem fundos - do Banco Central do Brasil/BACEN. Este cadastro, que é operacionalizado pelo Banco do Brasil, abrange informações sobre os cheques de todos os bancos, além de ter natureza pública e finalidade de proteção do crédito como um todo, almejando, assim, a preservação da higidez do sistema financeiro nacional. Porém, as ocorrências antes de incluídas no cadastro devem ser comunicadas ao correntista que lhes tenha dado causa, o que, em tese, teria amparo no § 2º do art. 43 do CDC1.

No entanto, desde o início surgiram dúvidas sobre quem teria a obrigação de comunicar ao emitente: Banco do Brasil (órgão gestor do CCF), banco sacado ou órgãos de armazenagem e fornecimento de dados cadastrais, como SERASA ou SCPC. Para tentar resolver esta dúvida, em julgado de relatoria da ministra Isabel Gallotti2, a 4ª turma do STJ definiu que o ônus seria dos órgãos de proteção. Sendo assim, após este julgado, editou-se a súmula 3593, que dispõe ser da entidade mantenedora do cadastro de proteção ao crédito a obrigação de notificar o devedor antes de proceder à inscrição no cadastro dos órgãos de proteção ao crédito.

No entanto, tal súmula trata da notificação prévia para inclusão no Cadastro de Proteção ao Crédito, de forma que uma nova dúvida surgiu, e vem, como sempre há de ocorrer nestas hipóteses de lacuna, dando margem a novas ações, em que se aduz a obrigatoriedade de prévia notificação para inclusão no CCF - cadastro de emitentes de cheques sem fundos - emergindo discussão se haveria necessidade de prévia notificação para inclusão no CCF, e sobre quem seria o responsável por esta notificação, o Banco sacado ou o Banco do Brasil.

Assim, em 9/9/2015, o STJ entendeu que o "CCF tem natureza, finalidade e características específicas, que não se confundem com as de outros cadastros" e, por meio da 2ª Seção, conforme REsp 1.354.590-RS, de relatoria do min. Raul Araújo, com natureza de repetitivo, dispôs que o Banco do Brasil, na condição de gestor do CCF, não é responsável pela notificação do devedor acerca da inscrição, tampouco possui legitimidade passiva para as ações de reparação de danos diante da ausência de prévia comunicação, o que seria de encargo exclusivo do banco sacado. Conforme argumento do ilustre ministro relator, não poderia o Banco do Brasil encarregar-se de desempenhar função estranha às suas atribuições, em especial o encargo de notificar o emitente de cheque sem provisão de fundos, sendo tal incumbência do banco sacado. Este entendimento fundamentou-se no art. 1º da circular 2.250 do BACEN4, que alterou o artigo 27, "a", da resolução 1.682/90 do BACEN e art. 16 da resolução 1.682/905, além das Resoluções 1.631/89 e 3.972/11, ambas do BACEN. O entendimento do órgão regulador e fiscalizador é ancorado na ideia de que se deve oportunizar ao emitente o pagamento do título antes que a restrição seja levada a efeito no CCF.

Após tal decisão ações judiciais começaram a se multiplicar contra os bancos sacados, tendo como objetivo danos morais pela inexistência de notificação antes da inscrição no CCF.

No entanto, a questão não se sedimentou, já que, diversos julgados proferidos após o julgamento do repetitivo, que afastara a responsabilidade do gestor do CCF, Banco do Brasil, entenderam que não há a necessidade de comprovação, pelo banco sacado, da formalidade de notificação escrita ao emitente do título, servindo para tal o comunicado constante do próprio extrato de devolução do cheque.

Neste sentido o entendimento do desembargador Helio Nogueira, membro da 22ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, quando da relatoria da apelação 1003672-34.2016.8.26.00036, após profunda análise acerca do CCF, inclusive comparando-o aos órgãos de proteção ao crédito, mesmo dispondo ser do banco sacado a responsabilidade em comunicar o correntista quando da inclusão dos dados no CCF, dispensou a demonstração da notificação expressa, diante do fato de haver a informação da devolução do cheque nos extratos de movimentação de conta corrente, reforçado na necessidade da reapresentação do título (duas devoluções do cheque), o que, sobre a ótica do relator, representaria excesso de formalismo. Ou seja, não teria como a parte alegar o desconhecimento/falta de publicidade da devolução dos cheques, e consequente inclusão no CCF, pelo que é irrelevante a demonstração da notificação pelo banco sacado, bastando como tal a demonstração de que houve a dupla devolução do cheque retratada no extrato de conta corrente.

Em linha semelhante, apelação 1021634-07.2015.8.26.00037, acórdão de lavra do desembargador Sebastião Flávio, membro da 23ª Câmara do TJ/SP, quando enfatizou que o fato de um cheque ter sido devolvido duas vezes inviabiliza o argumento de falta de conhecimento por parte do emitente, pois já na primeira devolução houve informação em extrato, que supre a necessidade de notificação formal. Aduz o desembargador que no momento em que "o cheque foi devolvido pela segunda vez, pois o foi pela alínea 12, é certo que a autora tomou conhecimento de tal devolução pelo extrato de sua conta corrente e mesmo assim nada fez para evitar que seu nome fosse incluído naquele cadastro".

Nesta mesma linha, apelação 1019062-78.2015.8.26.00038, acórdão de lavra do Desembargador José Tarciso Beraldo (decisão monocrática), membro da 37ª Câmara do TJ bandeirante, quando defendeu que a simples informação de devolução no extrato supre a necessidade de notificação pessoal/formal, dispondo, ainda, que "houve comunicação por escrito, pois, conforme se verifica no extrato da conta corrente, em lançamento do dia 01/08/2013, constou 'dev ch00002 sem fdo CCF'".

Este entendimento também encontra amparo no repetitivo acima mencionado, quando o i. relator, Ministro Raul Araújo, afirma que "a devolução de cheques por falta de provisão de fundos, somente na segunda devolução, ou seja, após a reapresentação do cheque já antes devolvido, é que ocorre a inscrição do correntista no CCF. Desse modo, não pode o emitente do cheque dizer-se surpreendido com o fato." Melhor dizendo, a publicidade pretendida pelo órgão regulatório e fiscalizador, BACEN, está intrínseca na própria relação bancária travada com o cliente que, emitindo cheques sem fundo, por receber extratos periódicos, tem conhecimento dos títulos que emitiu e que foram devolvidos e, por consequência, suas respectivas anotações, já que para inclusão teriam, obrigatoriamente, que haver duas devoluções da cártula. Outrossim, conforme mencionado pelo desembargador Helio Nogueira no acórdão acima aludido, há também a cobrança feita pelos credores do título, que também trazem publicidade ao fato e inviabilizam o argumento de desconhecimento.

De outro lado, há outro forte ponto que inviabiliza o pleito indenizatório em face das casas bancárias, que é o fato de que o CCF tem natureza meramente administrativa, e participação e conhecimento restrito ao BACEN e demais integrantes do Sistema Financeiro Nacional, não sendo públicas as informações ali contidas.

Ou seja, também com este argumento, excluída a alegação de dano moral pela inexistência de notificação formal/pessoal pelo sacado, já que o cadastro de emitentes de cheques sem fundos é mantido pelo BACEN e não tem a mesma natureza dos órgãos de restrição ao crédito, pelo que não exige notificação pelo gestor9. Neste norte, acórdão de relatoria do desembargador José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, membro da 15ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, quando afirma que "embora o Banco esteja obrigado a informar incontinenti o cadastro do CCF/Bacen quando da segunda devolução de cheques sem fundos, não há publicidade desse ato, ficando adstrita ao meio bancário, de modo que compete às empresas mantenedoras do cadastro de inadimplentes a notificação prévia do devedor acerca da negativação de seu nome por essa ocorrência"10.

Sendo assim, para finalizar, chama atenção para a causa de pedir constante destas ações indenizatórias, que em sua grande maioria se baseiam no fato de que a parte teria sido surpreendida com a inclusão do seu nome nos órgãos de proteção e não na inserção de seus dados no CCF. Ora, a inclusão do nome nos órgãos protetivos e a inserção de dados no CCF são duas situações completamente distintas, pelo que, no caso defendido pelos correntistas, seria sim dos órgãos protetivos a responsabilidade pela notificação e não do banco sacado, já que o fato gerador do dano tem origem nos órgãos de proteção e não no CCF. Ou seja, nestas situações não haveria "nexo causal" entre o fato, a conduta e o dano, aplicando-se, portanto, o verbete constante da súmula 359 do STJ. Lembre-se, competiria ao emitente do cheque provar que a causa apontada foi a produtora do resultado lesivo, situando-se este como sua consequência ou seu efeito.

Portanto, no caso do dano ter origem na informação dos órgãos protetivos, não há relação alguma entre o ato do banco sacado, de um lado, e o evento retratado de outro. Infere-se, pois, que mesmo que fossem verdadeiras as alegações do emitente, primordial seria o estabelecimento do "nexo causal" entre o alegado dano e a conduta do banco sacado e, ainda, para que surgisse a obrigação de indenizar, necessário far-se-ia a prova do procedimento ilícito deste, que não se logra demonstrar na espécie.

Assim sendo, a nosso ver, permanece hígida a súmula 359 do STJ, não havendo a necessidade de notificação formal, ao emitente do cheque, de que ocorreu a dupla devolução do título, sem provisão de fundos, antes de comunicar o fato ao Banco do Brasil para inclusão no CCF, bastando para tal que isto esteja claramente demonstrado no extrato de conta corrente.

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1 § 2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.

2 AgRgnoAResp Nº 169212/2012/0082407-3, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Isabel Gallotti, julgado em 01/08/2013

3 Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição

4 Art. 1º. alterar o art. 27, alínea "a", do regulamento anexo à resolução nº 1.631, de 24.08.89, com a redação que lhe foi dada pela resolução nº 1.682, de 31.01.90, que passa a vigorar com a seguinte redação:

"a - deverão ser obrigatoriamente comunicadas por escrito ao correntista que lhes tenha dado causa;".

5 Art. 16. As inclusões e as exclusões de ocorrências do CCF serão consolidadas pelo executante do serviço de compensação de cheques e outros papéis e distribuídas, em meios magnéticos, às instituições inscritas no serviço, até o último dia da quinzena subsequente. Este prazo poderá ser reduzido pelo banco central do Brasil, ouvi do o executante.

6 Apelação Cível Nº 1003672-34.2016.8.26.0003, Vigésima Segunda Câmara, Tribunal de Justiça de SP, Relator: Helio Nogueira, julgado em 04/08/16

7 Apelação Cível Nº 1021634-07.2015.8.26.0003, Vigésima Terceira Câmara, Tribunal de Justiça de SP, Relator: Sebastião Flávio, julgado em 05/10/2016

8 Apelação CívelNº 1019062-78.2015.8.26.0003, Trigésima Sétima Câmara, Tribunal de Justiça de SP, Relator: José Tarciso Beraldo, julgado em 15/11/2016

9 Apelação Cível Nº 70055104178, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos CiniMarchionatti, Julgado em 10/07/2013

10 Apelação Cível Nº 10166400620168260100. Décima Quinta Câmara, Tribunal de Justiça de SP, Relator: José Wagner de Oliveira Melatto Peixoto, julgado em 03/05/17

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*Lucas de Mello Ribeiro é sócio do escritório Silva Mello Advogados Associados e especialista em Processo Civil, Contencioso de Massa e Contratos de Consumo.

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