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O universitário e a liberdade religiosa, Eudes Quintino

O universitário e a liberdade religiosa

Não cabe ao Estado qualquer ingerência na vida espiritual do cidadão e muito menos estabelecer diretrizes a respeito de qualquer credo.

domingo, 3 de setembro de 2017

Atualizado em 1 de setembro de 2017 10:29

É até comum no meio universitário, seja de instituição pública ou particular, o aluno requerer alteração de aulas ou atividades programadas às sextas-feiras, no período noturno, para que sejam oferecidas em outros dias da semana, alegando crença religiosa. Para tanto, solicitam a dispensa de sua presença, com a consequente designação de data diversa para os compromissos acadêmicos, sob o fundamento de que se trata do exercício do direito à manifestação religiosa e até mesmo do direito à educação, ambos consagrados constitucionalmente, invocando muitas vezes a tutela jurisdicional para tanto1.

É certo que a opção religiosa compreende a escolha de um mundo transcendente e sagrado, no qual várias religiões professam seus ritos, suas crenças, num mundo de realidade heterogênea. Daí que não cabe ao Estado qualquer ingerência na vida espiritual do cidadão e muito menos estabelecer diretrizes a respeito de qualquer credo.

No instante em que a Constituição Federal prima pela laicidade, não adotando qualquer convicção religiosa, confere direito ao cidadão de fazer sua própria escolha, limitando-se a garantir seu livre exercício, assim como a proteção aos locais de culto e as suas liturgias, de acordo com o disposto no artigo 5º. VI da Lei Maior.

A Lei de Diretrizes e Bases, lei 9.394/96, em seu artigo 24, VI, estabelece peremptoriamente: "O controle da frequência fica a cargo da escola, conforme o disposto no seu regimento e nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida a frequência mínima de 75% do total das horas letivas." A mesma legislação, em seu artigo 12, I, atendendo o que determina o artigo 207 da Constituição Federal, estabelece que as instituições de ensino gozam de autonomia para elaborar e executar sua proposta pedagógica, com os horários das atividades de acordo com sua conveniência.

Tais regras têm validade tanto para o ensino público como o oferecido pela iniciativa privada, ex vi do disposto no artigo 209 da Constituição Federal. Assim, fixados os critérios de atividades da instituição, com ordenamento do horário nos dias considerados letivos, inclusive às sextas-feiras, ao aluno não restará alternativa a não ser cumpri-los. A escusa de consciência não pode ser invocada para justificar o não comparecimento às aulas em razão de convicção religiosa. Se assim for feito e deferido, abre-se nova vala de justificativa e, em consequência, quebra o princípio da isonomia educacional, que apregoa a igualdade de tratamento a todos os alunos, pois alguns, em razão da crença religiosa, terão um tratamento diferenciado dos demais, fazendo com que a instituição convoque professores para atendê-los, até mesmo de forma individualizada, em dias de suas preferências.

Não se trata, também, da aplicação do Regime de Exercícios Domiciliares criado pelo decreto-lei 1.044/1969 aos alunos portadores de afecções ali estabelecidas, que resultem em afastamento temporário, com a intenção de evitar qualquer prejuízo ao processo pedagógico de aprendizado, assim como não se equipara à situação da aluna gestante, de acordo com a lei 6.202/1975 e muito menos com a falta de estudante designado membro da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior, conforme prescreve o artigo 7º, § 5º da lei 10.861/2004.

É de se observar que a respeito do tema, o Conselho Nacional de Educação já teve oportunidade de se manifestar e decidiu no sentido de que não há amparo legal ou normativo para o abono de faltas a estudantes que se ausentem regularmente dos horários de aulas por motivos religiosos2.

Diante de tal quadro, a Justiça, de forma reiterada, vem decidindo contrariamente ao interesse do aluno em pleitear a realização de atividades em dias diferentes dos programados pela instituição de ensino. O Tribunal de Justiça de São Paulo, assim se manifestou:

"A criação de privilégios para determinado grupo religioso pode caracterizar grave infringência no Estado laico, que deve manter posição de neutralidade perante as diversas liturgias3."

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, decidiu:

"A relação que existe entre a pessoa e a igreja que profetiza a crença que elegeu não cria qualquer obrigação para terceiros, razão pela qual não há falar que a qualidade de membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia, por si só, confira direito líquido e certo do aluno de não participar das aulas, durante o período de guarda religiosa4."

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1 Faculdade não é obrigada a oferecer aula em dias alternativos por motivos religiosos.

2 Parecer 224/2006, Relatora Marilena de Souza Chaui, de 20/9/2006.

3 Apelação 9102487- 80.2009.8.26.0000, relator Marcos Ramos, de 1/10/2015.

4 STJ, 1ª Turma, RMS 37.070, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 10/3/2014.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Reitor da Unorp, advogado, membro da CONEP/CNS/MS.





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