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Escutando Janaína

Que mais Janainas e Janainos apareçam neste cenário tão infestado por mediocridades. Para o bem da cidadania no Brasil!

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Atualizado às 08:14

Sempre tive, tenho e quererei sempre ter o mesmo respeito intelectual de atualmente pela Professora Janaína Paschoal.

A jovem advogada, estudiosa do Direito Penal, que conheci na varanda da nossa casa, em Brasília, não prenunciava nem de longe a mulher que se transmuda em fera quando percebe violações a valores e princípios republicanos.

Atraídas por afinidades profissionais, Eurídice, minha mulher, mais focada em segurança com cidadania e Janaina com as ferramentas legais mínimas necessárias à formação da cidadania, as duas conversando por horas pareciam inundar a casa de esperanças alcançáveis.

Com orgulho ainda hoje vejo em Janaína uma ilimitada paixão pela legalidade democrática. Foi o que a Nação brasileira, por inteiro, constatou nos intermináveis debates que culminaram no impeachment da primeira mulher a ocupar a Presidência e, o que é deplorável, da forma mais desastrada.

Sem a Janaina, apoiada na iniciativa por dois cobras da ciência do Direito - Hélio Bicudo e Miguel Reali Junior, o impedimento da Presidenta não teria acontecido. Dezenas de outras propostas adentraram à Mesa da Câmara, mas sem a motivação e fundamentação jurídicas indispensáveis.

Àquela altura não tínhamos na visão geral em nitidez de bom senso ideia do desastre econômico e social cujos destroços de difícil remoção ainda nos fazem penar.

Ontem à tarde chegou-me por e-mail um texto da Janaina que ela intitulou de "Primeiras notas sobre a resolução 181/17 do CNMP", ou seja, do Conselho Nacional do Ministério Público. No subtítulo, uma cobrança - "esqueceram que há Constituição Federal e leis no Brasil?".

A indigitada Resolução do CNMP 181/17 objetivaria regulamentar o chamado PIC (Procedimento Investigatório Criminal), a cargo do Ministério Público.

Mas, segundo Janaina, o Conselho transcendeu ao conferir ao Ministério Público "poderes não contemplados nem pela Constituição Federal, nem pela legislação ordinária. E mais, em certas oportunidades torna completamente prescindível o próprio Poder Judiciário!"

"A fim de espancar dúvidas, reitero nunca ter feito oposição à possibilidade de o Ministério Público investigar, sobretudo, sobretudo quando há indicio de corrupção, ou qualquer fato especial a justificar a intervenção".

"Afinal, prossegue Janaina, em terra com tanto crime, resta temerário concentrar poderes em um único órgão. Ocorre que essa preocupação (de não criar superpoderes) também se aplica ao Ministério Público ".

"Já de plano destaca-se que o artigo 7º confere ao membro do Ministério Público poder irrestrito para inspeções, vistorias e requisições de documentos, inclusive os sigilosos, independentemente da interferência do Poder Judiciário, o que não parece adequado".

"O artigo 8º, por sua vez, ao tratar da tomada de depoimentos de testemunhas e investigados, traz uma série de inovações que tornará ainda mais morosas as apurações, dado que se fala, inclusive, em deprecar oitivas para as muitas policias. Ora, as investigações pelo Ministério Público são excepcionais, a Resolução o transforma em polícia paralela com ascendência sobre as demais, inclusive as guardas municipais! Isso não é legalmente possível, nem lógico!

"Mas o pior é o artigo 18, que fala do novel Acordo de Não-Persecução Penal. Reza o dispositivo que, em delitos cometidos sem violência ou grave ameaça, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não-persecução penal, desde que este confesse e cumpra, dentre outros, os requisitos de reparar o dano, prestar serviços à comunidade e pagar prestação pecuniária".

Janaina confirma que essa criação do Conselho do MP não tem nada a ver com a colaboração, ou delação premiada, da lei 12.850/13. Adverte que essa Resolução institui, na prática, a barganha ("plea bargaining"), que além der não ser admitida no Brasil, já foi rechaçada pelo Congresso Nacional.

Que mais Janainas e Janainos apareçam neste cenário tão infestado por mediocridades. Para o bem da cidadania no Brasil!

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*Edson Vidigal é advogado, foi Presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal.





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