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Rescisão do acordo de colaboração premiada e a possibilidade de uso das provas obtidas

O debate atual circunda sobre a possibilidade de cancelamento dos acordos de colaboração premiada como resultado de posteriores investigações que concluam pela omissão de informações, seja de crimes não mencionados, seja por fatos importantes não ditos.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Atualizado em 15 de setembro de 2017 11:18

Por força do atual cenário de escândalos de corrupção no Brasil, suas investigações e julgamentos, inúmeras são as referências ao instituto da colaboração premiada e seus aspectos políticos e jurídicos. No âmbito jurídico, muito se discute acerca da validade das declarações e documentos fornecidos pelos delatores, a possibilidade, ou não, de terceiros desmentirem fatos, a delação como único meio de prova ou, ainda, a extensão dos benefícios concedidos aos que delatam.

Já no âmbito político, por sua vez, se discute a abrangência da colaboração premiada. É praticamente impossível assegurar que uma pessoa realmente delate todos os fatos que tenha conhecimento, seja por interesse (ou desinteresse) político, seja porque não há documentos que embasem as memórias de uma pessoa sobre dados e fatos de crimes cuja natureza pressupõe ocultação de documentos ou informações. Muito embora esta "escolha" das informações a serem passadas seja contrária à própria natureza do instituto, não podemos descartar que estamos lidando com pessoas, logo, passível que emoções diversas exerçam influências.

A ampliar esta conjuntura de incertezas, o debate atual circunda sobre a possibilidade de cancelamento dos acordos de colaboração premiada como resultado de posteriores investigações que concluam pela omissão de informações, seja de crimes não mencionados, seja por fatos importantes não ditos.

Concluindo-se pela omissão, a pergunta que imediatamente ocorre é: "Cancelado o acordo de colaboração premiada e cassado os benefícios do delator, as provas por ele já fornecidas permanecem válidas"? A pergunta é de fato pertinente já que na colaboração premiada, como o próprio nome do instituto diz, as provas são fornecidas em troca de um benefício previsto em lei e não apenas a revelação da informação por mera vontade.

Como ponto de partida para responder a esta pergunta, é necessário valer-se de linguagem técnica. Neste sentido, o termo "cancelamento" como vem sendo noticiado não parece ser o mais adequado. Não se fala em "cancelamento" de um negócio jurídico ao se referir que este não mais seguirá seu curso normal sob pena de não identificar a exata razão e consequentes efeitos de seu término. Os temos a serem utilizados são: anulação ou rescisão.

Valendo-se das lições de Pontes de Miranda sobre negócios jurídicos e a conhecida "escada ponteana", os negócios jurídicos passam pelos planos da existência, validade e eficácia. No plano da existência (ótica do "ser") identifica-se na colaboração premiada o fato como ele é, ou seja, a existência de dados criminosos que possam vir a ser delatados por uma pessoa às autoridades. Já no plano da existência (ótica da "norma jurídica") identificam-se os requisitos legais para que a colaboração premiada ocorra, tais como a voluntariedade do agente, quais informações devem ser prestadas e todo o mais concernente à legalidade do ato. Por fim o plano da eficácia (ótica da "produção de efeitos do ato") quando a colaboração premiada operará seus efeitos regulares e os benefícios serão concedidos.

Sob este prisma, é de se notar que não atingidos os requisitos do "plano da validade" da escada ponteana, o negócio jurídico poderá ser anulado. A anulação, neste caso acarretaria na invalidade do negócio jurídico como um todo o retirando por completo do mundo jurídico inclusive privando-os de seus efeitos.

Trazendo o termo "anulação" para a colaboração premiada, note que se esta for a causa de seu término, nenhuma das provas coletadas durante a negociação entre delator e autoridades poderá ser utilizada. As mesmas deverão ser destruídas ou inutilizadas sob pena de serem consideradas como prova ilícita no processo penal. Os que tiveram contato com tais provas deverão encontrar outros meios probatórios para sejam válidos em processo.

Por outro lado, se estivermos diante de um negócio jurídico existente, válido em seus requisitos, o controle de suas consequências se dará no plano da eficácia. Aqui o termo correto seria a rescisão do negócio jurídico, retirando somente os efeitos do ato (talvez não todos) do plano jurídico.

Conectando este conceito para a colaboração premiada, note que não havendo a sua anulação, todos os atos praticados até o controle de sua eficácia são plenamente válidos. Neste sentido, todas as provas coletadas durante a negociação entre delator e autoridades poderão ser utilizadas em processo criminal sem nenhuma ofensa à legislação.

O que se controlará são os efeitos, ou seja, os benefícios concedidos aos delatores se restar comprovado que não fizeram sua parte a contento. Neste sentido, é possível a rescisão completa do acordo de colaboração (cassando todos os benefícios) ou ainda uma rescisão parcial (cassando parcialmente os benefícios). Em uma ou outra hipótese, as provas podem ser validamente consideradas.

Em qualquer negócio jurídico, a postura das partes deve ser pautada na boa-fé sendo certo que a ausência desta postura acarretará consequências para o negócio jurídico, seja em sua validade ou eficácia. Não é diferente o cenário das colaborações premiadas, sendo plausível falar em anulação ou rescisão destas impactando diretamente a prova coletada e os benefícios concedidos.

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*Paulo Henrique Gomiero é advogado e membro do departamento jurídico e compliance da Mitsubishi Corporation do Brasil S.A.

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