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O Fundo Penitenciário Nacional (FunPen) e o financiamento do sistema prisional

Tem-se, portanto, uma situação controversa, uma vez que, enquanto o entendimento do STF e a MP 781/2017 proíbem o contingenciamento dos valores do fundo, a DRU abre nova possibilidade para o Governo Federal desvincular parcelas dos recursos que o compõem, reduzindo os montantes disponíveis.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Atualizado em 9 de outubro de 2017 08:05

A premente necessidade de rever os mecanismos de financiamento capazes de atender à demanda do sistema carcerário tem se intensificado, especialmente, diante das recentes rebeliões em diversas penitenciárias nacionais. A falta de recursos é geralmente apontada como o principal limitador ao estabelecimento de políticas públicas para o aperfeiçoamento do sistema prisional. Entretanto, o tema ainda é negligenciado, em função da dificuldade de articulação entre os entes federados e da prevalência de políticas e ações aparentemente mais atrativas, como segurança pública, saúde e educação.

Com mais de 20 anos, o Fundo Penitenciário Nacional, criado pela lei complementar 79, de 1994, no âmbito do Ministério da Justiça (atual Ministério da Justiça e Segurança Pública), com a finalidade de proporcionar recursos para financiar a modernização e o aprimoramento do sistema penitenciário brasileiro, ainda não conseguiu atingir seus objetivos. Trata-se de um fundo de natureza contábil que integra o Orçamento Fiscal da União, o que significa que seus recursos devem ser dedicados exclusivamente às finalidades para as quais foi criado.

Integram o fundo, receitas advindas de (i) custas judiciais, (ii) loterias federais, (iii) recursos confiscados ou da alienação de bens perdidos em favor da União, multas de sentenças penais e fianças quebradas ou perdidas (classificadas como recursos próprios não financeiros), (iv) rendimentos auferidos como remuneração por aplicações do patrimônio do fundo (denominados recursos próprios financeiros), e (v) recursos ordinários, decorrentes de dotações da União.

Os repasses do FunPen constituem transferências voluntárias, ou seja, não decorrem de obrigação constitucional ou legal. Suas dotações orçamentárias fazem parte da chamada base contingenciável que o Governo Federal dispõe para obtenção de seu superávit primário, na forma do art. 9º, da LC 101/00. O contingenciamento representa a possibilidade de se adiar ou, até mesmo, de se deixar de executar uma parcela das despesas previstas nas programações orçamentárias. Desse modo, não há garantia de execução da totalidade da despesa prevista na programação orçamentária.

A questão foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347/DF, que reconheceu formalmente o estado de coisas inconstitucional referente ao sistema carcerário brasileiro, em face da situação degradante das penitenciárias do país e das recorrentes violações de direitos fundamentais. A decisão determinou o descontingenciamento de recursos do fundo, obrigando o Executivo a liberar o saldo acumulado, além de estabelecer que presos em flagrante sejam levados ao juiz em até 24 horas para as audiências de custódia. O entendimento do STF tem um importante papel na melhoria do sistema carcerário, já que possibilita a plena utilização dos recursos disponibilizados pelo FunPen.

Nesse sentido, é importante mencionar a edição da medida provisória 781, de 23 de maio de 2017, que, a despeito de ter retirado dos recursos do fundo os valores correspondentes a "cinquenta por cento do montante total das custas judiciais recolhidas em favor da União Federal, relativas aos seus serviços forenses", vedou o contingenciamento de recursos do fundo.

Entretanto, uma nova preocupação surge com a prorrogação da Desvinculação de Receitas da União (DRU). O mecanismo gera bastante controvérsia. Sob o pretexto de maior flexibilidade ao orçamento, autoriza-se, em texto constitucional, que o Governo Federal utilize livremente um percentual dos valores dos tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. Por outro lado, o que se verifica é o real desvio de valores que deveriam ser destinados a finalidades previstas tanto em lei, como na própria Constituição.

A emenda constitucional 93, de 2016, não apenas prorrogou a DRU até 2023, como também ampliou o percentual para livre disposição do Governo Federal (de 20% para 30%) e criou a possibilidade de desvinculação para Estados, Distrito Federal e Municípios.

O reflexo no FunPen decorre da natureza das receitas que o compõem, que incluem recursos de loterias federais e concursos de prognósticos, sobre os quais incidem contribuições sociais (art. 26, da lei 8.212/92).

Tem-se, portanto, uma situação controversa, uma vez que, enquanto o entendimento do STF e a MP 781/2017 proíbem o contingenciamento dos valores do fundo, a DRU abre nova possibilidade para o Governo Federal desvincular parcelas dos recursos que o compõem, reduzindo os montantes disponíveis. Tal medida representa um retrocesso em relação à mencionada decisão do STF, que proíbe o contingenciamento de valores do fundo, trazendo à tona novamente o risco de desvirtuamento das finalidades do FunPen, além de dificultar a adoção de práticas de melhoria da política pública de administração carcerária no país.
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*Raquel Lamboglia Guimarães é advogada do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

*Leonardo Thomaz Pignatari é trainee do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.

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