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A prescrição nos crimes contra a vida

A Constituição federal considerou a vida humana como o maior bem jurídico, mas ainda assim deixou que o decurso do tempo torna-se apto para gerar a impunidade do criminoso. A sensatez não permite entender tamanho descaso com a vida humana, com apuração de um crime tão grave, como é o homicídio, e do trabalho da máquina judiciária para depois simplesmente declarar extinta a punibilidade.

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Atualizado às 13:46

A regra no sistema jurídico brasileiro é de que todos os crimes podem ser prescritos, desde que o sistema judicial não apure a ocorrência no prazo indicado pelo Código Penal. Isso quer dizer que o processo de homicídio deverá ser arquivado, sem julgamento, simplesmente porque decorreu tempo, sem conclusão sobre o cometimento ou não do crime de homicídio. Esse período pode ser de 6 anos ou mesmo de 20 anos, podendo variar a depender da pena, contemplada no Código Penal.

Já tivemos lei que não admitia a prescrição: o Código Criminal de 1830 dispunha no art. 65: "As penas impostas aos réus não prescreverão em tempo algum". Logo depois, entretanto, em 1932, o Código de Processo Criminal, admitiu a prescrição, de conformidade com os arts. 54 a 57 e daí em diante não mais abandonou as leis penais. A prescrição protege todos os criminosos e esquece dos familiares da vítima.

Tornaram-se imprescritíveis o crime de racismo, art. 5º, inc. XLII da Constituição, ou a luta armada contra a ordem constitucional, art. 5º, inc. XLIV. No que se refere ao homicídio, apesar de a vida ter sido incluída como o bem jurídico mais importante, continua impune face ao decurso do tempo.

A Constituição federal considerou a vida humana como o maior bem jurídico, mas ainda assim deixou que o decurso do tempo torna-se apto para gerar a impunidade do criminoso. A sensatez não permite entender tamanho descaso com a vida humana, com apuração de um crime tão grave, como é o homicídio, e do trabalho da máquina judiciária para depois simplesmente declarar extinta a punibilidade.

Na literatura jurídica, são registrados casos de prescrição por má fé de uma das partes, que tem interesse na extinção da punibilidade: um advogado reteve os autos de um processo criminal em seu escritório, por oito anos, sem ser cobrado para devolução; após esse tempo, devolveu os autos e o juiz teve de reconhecer a prescrição; um desembargador segurou um processo criminal contra um político até o tempo necessário para a prescrição. Há processo administrativo para apurar tais expedientes ilícitos, mas deu-se a prescrição e o processo de homicídio é arquivado. Outras vezes, o advogado inunda a Vara e o Tribunal com recursos de toda natureza, até obter o prazo para gerar a impunidade, através da prescrição; daí o acerto do STF em autorizar a prisão de réu que seja condenado por um colegiado.

Imagine-se quanto trabalho sem resultado por parte da polícia, que investiga e abre o inquérito, do promotor, que apresenta a denúncia, do juiz, que profere a sentença, dos desembargadores que prolatam o acórdão, dos servidores da Justiça, que trabalham diuturnamente nesses processos, para depois de toda essa azáfama, anular, perder tudo em função da prescrição.

Em 2010, o CNJ traçou metas para reduzir os crimes contra a vida, como o homicídio e outros. Atualmente, o órgão administrativo do Judiciário, muito menos os tribunais, nos Estados, têm controle sobre o andamento de processos dessa natureza. O resultado é que torna-se comum a impunidade de muitos homicidas, em face da letargia do sistema judicial que não consegue julgar tais crimes. O cansaço ou o desinteresse do Judiciário promove essa excrescência de deixar o autor da destruição de uma vida sem punição.

Segundo dados do CNJ, em 2012, contava-se 72.4 mil ações penais por crimes dolosos contra a vida; daquele ano até a presente data foram julgados menos de 8 mil o que significa dizer que mais de 64 mil processos contra a vida continuam tramitando nas varas e comarcas do país. Isso sem contar com os novos homicídios, que ocorreram daquele ano até 2017, não menos que 200 mil homicídios. Os números são impressionantes.

Estudos do Atlas da Violência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA, anotam que o Brasil ocupava o primeiro lugar no ranking mundial de homicídios, com o registro de 59 mil assassinatos no ano de 2014. Se temos esse registro espantoso, como não tomar providências especiais contra a proliferação desse delito que acaba com a vida humana!

A Portaria 69/17, assinada pela ministra Carmen Lúcia, instituiu o Mês Nacional do Júri, mês de novembro de cada ano, destinado a garantir maior rapidez na tramitação de processos de crimes dolosos contra a vida. Na Portaria, a presidente traça diretrizes e torna obrigatória a concentração de meios para no mês de novembro assegurar-se maior número de julgamentos desses crimes, ao menos uma sessão do Tribunal do Júri, em cada dia útil da semana.

A diligência não empresta maior significação para evitar o grande número de prescrições dos crimes de homicídio, porque a máquina judiciária no Brasil, ainda mais na área criminal, está praticamente falida, de forma que a apuração e condenação de um crime doloso contra a vida, pena em abstrato de 20 anos, tem-se tornado tarefa difícil para seu cumprimento, causando a impunidade de muitos criminosos autores desses delitos, pelo simples lapso temporal.

Afinal, a família que perde um de seus integrantes, não terá mais aquele ente querido no seu seio e o criminoso fica impune pelo simples passar do tempo. E os efeitos desse ato repercute em todas as esferas, seja sentimental, psicológica, econômica, financeira. Não haverá restabelecimento e muito menos compensação pelo ato praticado pelo criminoso.

Adiante trataremos desse tema para mostrar que os crimes de homicídio, em sua maioria, terminam sendo arquivados, pela ocorrência da prescrição.

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*Antonio Pessoa Cardoso é advogado do escritório Pessoa Cardoso Advogados

 

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