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Política de governança pública: algumas anotações ao decreto Federal 9.203/17

A realização de audiências públicas mostra-se indispensável, com a participação efetiva da sociedade civil, é indispensável para legitimar procedimentos que visam efetivar a integridade na esfera pública, que jaz tão apregoada desde o nascedouro da Constituição Federal de 1988.

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Atualizado em 29 de novembro de 2017 15:32

O decreto Federal 9.203/17, publicado no dia 23/11/17, dispõe sobre a política de governança da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Trata-se de importante instrumental legislativo para que se aprimore, de modo prático e eficaz, o planejamento na gestão da coisa pública, permitindo o efetivo ciclo de desenvolvimento de políticas públicas.

Para fins conceituais, define-se, nos termos do art. 2º, I, do referido diploma, governança pública como sendo um "conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a gestão, com vistas à condução de políticas públicas e à prestação de serviços de interesse da sociedade."

Conforme já acentuado na doutrina pátria, há a positivação do que se convencionou de "valor público", entendido como "produtos e resultados gerados, preservados ou entregues pelas atividades de uma organização que representem respostas efetivas e úteis às necessidades ou às demandas de interesse público e modifiquem aspectos do conjunto da sociedade ou de alguns grupos específicos reconhecidos como destinatários legítimos de bens e serviços públicos".

Indispensável para se alcançar os fins pretendidos, tal como na implementação de programa de integridade (compliance), é o comprometimento da "alta administração", da qual integram os "Ministros de Estado, ocupantes de cargos de natureza especial, ocupantes de cargo de nível 6 do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e presidentes e diretores de autarquias, inclusive as especiais, e de fundações públicas ou autoridades de hierarquia equivalente", conforme preceituado pelo inciso III do supramencionado dispositivo.

Questão igualmente afeta a gestão da integridade da coisa pública, diz respeito à "gestão de riscos", conceituada como "processo de natureza permanente, estabelecido, direcionado e monitorado pela alta administração, que contempla as atividades de identificar, avaliar e gerenciar potenciais eventos que possam afetar a organização, destinado a fornecer segurança razoável quanto à realização de seus objetivos", na forma do inciso IV do art. 2º, do decreto.

A fim de orientar a atuação, são positivados os seguintes princípios de governança pública no art. 3º: (i) capacidade de resposta; (ii) integridade;(iii) confiabilidade; (iv) melhoria regulatória; (v) prestação de contas e responsabilidade; e (vi) transparência.

Algumas diretrizes foram positivadas no art. 4º, quais sejam: (i) direcionar ações para a busca de resultados para a sociedade, encontrando soluções tempestivas e inovadoras para lidar com a limitação de recursos e com as mudanças de prioridades; (ii) promover a simplificação administrativa, a modernização da gestão pública e a integração dos serviços públicos, especialmente aqueles prestados por meio eletrônico;(iii) monitorar o desempenho e avaliar a concepção, a implementação e os resultados das políticas e das ações prioritárias para assegurar que as diretrizes estratégicas sejam observadas; (iv) articular instituições e coordenar processos para melhorar a integração entre os diferentes níveis e esferas do setor público, com vistas a gerar, preservar e entregar valor público; (v) - fazer incorporar padrões elevados de conduta pela alta administração para orientar o comportamento dos agentes públicos, em consonância com as funções e as atribuições de seus órgãos e de suas entidades; (vi) implementar controles internos fundamentados na gestão de risco, que privilegiará ações estratégicas de prevenção antes de processos sancionadores; (vii) avaliar as propostas de criação, expansão ou aperfeiçoamento de políticas públicas e de concessão de incentivos fiscais e aferir, sempre que possível, seus custos e benefícios; (viii) manter processo decisório orientado pelas evidências, pela conformidade legal, pela qualidade regulatória, pela desburocratização e pelo apoio à participação da sociedade; (ix) editar e revisar atos normativos, pautando-se pelas boas práticas regulatórias e pela legitimidade, estabilidade e coerência do ordenamento jurídico e realizando consultas públicas sempre que conveniente; (x) definir formalmente as funções, as competências e as responsabilidades das estruturas e dos arranjos institucionais; e (xi) promover a comunicação aberta, voluntária e transparente das atividades e dos resultados da organização, de maneira a fortalecer o acesso público à informação.

Merece destaque o princípio da simplificação, muito debatido em Portugal e adotado como princípio positivado em algumas constituições. No âmbito brasileiro, onde se há peculiar "jeitinho" no trato da coisa pública, a previsão expressa deste dispositivo permite concluir que todo o processo de elaboração de normas públicas, bem como o atuar administrativo, deve ser pautado pela elaboração de normas claras e simples, de modo que a administração pública complexa deve ceder espaço à administração objetiva e clara. Evita-se a "venda de facilidades", combate-se a "burocracia infundada" e promove-se o princípio constitucional da eficiência.

Conforme preceituado no art. 6º, "caberá à alta administração dos órgãos e das entidades, observados as normas e os procedimentos específicos aplicáveis, implementar e manter mecanismos, instâncias e práticas de governança em consonância com os princípios e as diretrizes estabelecidos".

Caminha bem o legislador ao prever mecanismos, instâncias e práticas mínimas de aferição da efetividade da governança, quais sejam: (i) formas de acompanhamento de resultados; (ii) soluções para melhoria do desempenho das organizações; e (iii) instrumentos de promoção do processo decisório fundamentado em evidências.

Além disso, o art. 19 destaca que "os órgãos e as entidades da administração direta, autárquica e fundacional instituirão programa de integridade, com o objetivo de promover a adoção de medidas e ações institucionais destinadas à prevenção, à detecção, à punição e à remediação de fraudes e atos de corrupção, estruturado nos seguintes eixos: I - comprometimento e apoio da alta administração; II - existência de unidade responsável pela implementação no órgão ou na entidade; III - análise, avaliação e gestão dos riscos associados ao tema da integridade; e IV - monitoramento contínuo dos atributos do programa de integridade."

Neste prisma, a integridade no setor público espraia efeitos convergentes para que entes privados prime por relações probas com a implementação de programas integridades, haja vista que, não adianta o poder público ter mecanismos próprios de integridade e relacionar-se com parceiros que não pautem sua atuação com os mesmos parâmetros.

É preciso que o debate avance, a fim de tornar obrigatória a existência de programa de integridade efetivo com certificação, seja esta pública ou privada, bem como que haja efetiva responsabilização dos agentes que instituam mecanismos em burla aos preceitos legais de efetividade.

Consoante esta premissa, é fundamental que o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União, no prazo de cento e oitenta dias estabelecido pelo art. 20, do Decreto, contado da sua entrada em vigor, trazer à pauta pública de debates sobre os procedimentos que serão necessários à estruturação, à execução e ao monitoramento dos programas de integridade dos órgãos e das entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

A realização de audiências públicas mostra-se indispensável, com a participação efetiva da sociedade civil, é indispensável para legitimar procedimentos que visam efetivar a integridade na esfera pública, que jaz tão apregoada desde o nascedouro da Constituição Federal de 1988.

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*Thaís Boia Marçal é advogada do escritório Lobo & Ibeas Advogados.

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