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Os 190 anos da São Francisco e da Universidade de São Paulo

Os entraves burocráticos e as dificuldades financeiras que a USP tem experimentado nestes últimos tempos decorrem de uma série de conhecidos fatores que despontam no âmago da sociedade brasileira, que são gravíssimos, mas que estão sendo pouco a pouco suplantados.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Atualizado em 26 de dezembro de 2017 12:15

Encerram-se, no estertor desse ano de 2017, as comemorações em homenagem aos 190 anos da criação dos Cursos Jurídicos em território brasileiro.

Desde o mês de agosto passado a São Francisco, em conjunto com a Associação de seus Antigos Alunos, produziu duas dezenas de eventos memoráveis, que marcaram a importante efeméride.

No meio de tais solenidades, foi também ressaltado, com precisão, que, na verdade, é a própria Universidade de São Paulo que está à beira de comemorar o seu bicentenário!

Então denominada Faculdade de Direito, ao ensejo de sua fundação em 1827, depois Faculdade de Direito de São Paulo, vem transferida pelo
decreto 24.102, de 10 de abril de 1934, assinado por Getúlio Vargas, do governo federal ao governo do Estado de São Paulo, para ser incorporada à Universidade de São Paulo, criada em 25 de janeiro daquele mesmo ano de 1934.

A primeira reunião solene do Conselho Universitário, chamada "assembleia solene", foi realizada no prestigioso Salão Nobre das Arcadas, ainda em construção, em 26 de dezembro de 1936, sessão marcante na qual foram outorgados, pela USP, os três primeiros títulos de doutor honoris causa.

O então diretor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, catedrático Francisco Morato, na saudação que pronunciou em tal ocasião, por delegação do primeiro reitor da USP, Reinaldo Porchat, também professor da casa, asseverou, de forma veemente,

"... Há na história dias tristes, mas não há dias estéreis. Foram sombrias as últimas horas da ditadura, mas deixaram traços indeléveis em nossos anais. A Nação aliviou-se na órbita constitucional.

São Paulo, desvencilhado do governo de forasteiros e entregue às mãos de um filho dileto de sua escolha, retomou sob o surto de novos ideais, o ritmo glorioso de seus destinos. A peleja desvendara-lhe forças e capacidade de que não tinha bem consciência. Cumpria fazer um passo avante no mundo das letras e dar corpo aos novos fulgores da inteligência.

Daí a ideia de estreitar em uma Congregação Universitária os nossos Institutos de Ensino Superior, cerrando na unidade do pensamento e da ação, no cosmopolitismo e entrosamento das disciplinas magistrais, no paralelismo e convergência das linhas mestras da escola, o problema de ensino preocupação constante dos paulistas e chave de todas as nossas virtualidades.

Criou-se a Universidade de São Paulo. O Dr. Armando de Salles Oliveira pontilhou sua passagem pela alta administração do Estado com um marco que há de recomendá-lo para sempre à estima de seus concidadãos, assim como os dois dedicados colaboradores que tanto o auxiliaram nesse passo - os Drs. Christiano Altenfeder e Silva e Júlio de Mesquita Filho.

Aos três quis o Conselho Universitário, o mais autorizado órgão dos meios culturais na expressão elevada dos Institutos congregados, manifestar-lhes a gratidão pública, conferindo-lhes o título de doutor honoris causa".

Não podemos olvidar que, na dimensão histórica, o sentido da junção dos cursos superiores esparsos, existentes no início da década de 30 em nosso Estado, quais sejam a Faculdade de Direito, administrada pela União, a recém-criada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, a Escola Politécnica de São Paulo, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, a Faculdade de Medicina e a Faculdade de Farmácia e Odontologia, decorreu de um golpe simultâneo de luz e de estratégia política.

A unidade estrutural, não ideológica, então vaticinada, para reforçar a posição dos intelectuais paulistas, em prol de uma projeção de âmbito nacional, a rigor, veio inspirada no próprio conceito de universidade, concebida como instituição que enfeixa um conjunto de escolas e cursos superiores, destinados a oferecer atividades de ensino, de pesquisa e de extensão, nas diversas áreas do saber.

Um sistema complexo de deveres e normas, visando a um escopo único: produzir conhecimento, num contexto de cooperação, solidariedade, responsabilidade coletiva e respeito mútuo.

Ainda sob a ótica da história e da cronologia, não é difícil constatar que as universidades, em regra, têm uma célula de ensino originária, que, em momento posterior, passa, de forma paulatina, a se justapor a outras faculdades.

À guisa de exemplo, vale invocar as vicissitudes da Universidade de Padova, uma das mais antigas do mundo, fundada em 1222, quando um grupo de estudantes e professores migrou da Universidade de Bolonha, à procura de maior liberdade acadêmica. Os cursos de direito e medicina, seminais, perduraram por quase 40 anos, até que vieram agregar a escola de artes.

Denominada de universidade desde a sua fundação, Universa Universis Patavina Libertas, a despeito de ter passado por diferentes modelos de administração, da Igreja à república laica de Veneza no século XV, época de apogeu, em que o filósofo Agostino Nifo, ensinava ao lado do astrônomo Nicolau Copernico, e do não menos famoso médico Gabriele Fallopio, sempre foi considerada uma única universidade.

Apenas para invocar mais um exemplo, esta mesma aglutinação sucessiva de diferentes cursos superiores vai se verificar em Berkeley, o primeiro dos dez campi da Universidade da Califórnia, que foi criado em 1868, da incorporação de duas instituições, uma privada e outra pública, para oferecer apenas dois cursos.

O perfil histórico destas e de tantas outras instituições de ensino superior evidencia que, partindo de uma Alma Mater, vão elas sofrendo alterações no terreno administrativo, ou, até mesmo, em sua denominação, mas mantêm, ao longo do tempo, um alinhamento acadêmico convergente, tendo como marco temporal a instauração da primeira escola.

Assim, nesta quadra, em que se comemoram os 190 anos da fundação da Faculdade de Direito, vale o alvitre procedente do eminente professor e magnífico reitor nomeado Vahan Agopian, de que, em última análise, é a própria USP que festeja os 190 anos da criação da prestigiosa e respeitada universidade paulista.

A USP é uma universidade de excelência. Destaca-se, como é notório, com a maior produção científica do Brasil e da América Latina.

Contudo, não tem sido fácil esta longeva trajetória!

Os entraves burocráticos e as dificuldades financeiras que a USP tem experimentado nestes últimos tempos decorrem de uma série de conhecidos fatores que despontam no âmago da sociedade brasileira, que são gravíssimos, mas que estão sendo pouco a pouco suplantados.

O principal objetivo da educação superior, no Brasil de hoje, e da USP, em particular, consiste em formar profissionais aptos a enfrentar enormes desafios, buscando soluções alternativas para manter, de um lado, a excelência do ensino, e, de outro, aproximar a USP da sociedade, para retribuirmos a ela, em educação, o que dela recebemos em recursos financeiros.

É uma empreitada a ser continuada pelas futuras gerações por meio de um trabalho ininterrupto e responsável, cuja cadência será demarcada pela estatura moral e ética daqueles que estiverem incumbidos de sua direção.

Scientia Vinces - Vencerás pelo conhecimento!
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*José Rogério Cruz e Tucci é professor titular e diretor da Faculdade de Direito da USP.

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