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Revisitando o auxílio-moradia

Os tempos são sombrios e demonstram que há uma luta intestina entre os que pregam no deserto e os que adoram clamar por defenestrar carreiras de Estado sem tomar consciência que sabemos como isso começa, mas não temos noção de como termina.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

Atualizado às 08:46

No tragicômico Brasil, de pompas e circunstâncias de pão e circo carnavalesco, virou moda debater o auxílio-moradia e sua negativa imagem para os que recebem, em preterição de obras e serviços públicos.

Em primeiro lugar, não defendemos o auxílio e o achamos imprescindível para aqueles que ingressam na carreira e têm dificuldades de morar ou comprar um imóvel de razoável padrão, em segundo, notamos que o valor é baixo se comparado com as trapaças, falcatruas e desvios de outros poderes de milhões e até bilhões, por fim, e não menos importante, os salários estão defasados no mínimo quarenta por cento se tomarmos a inflação dos últimos cinco anos, sem reajustes, o que viola de frente o princípio constitucional da irredutibilidade, consagrado na CF.

Muito barulho para nada, parte da imprensa marrom tem martelado a questão por se interessar em desprestigiar a magistratura, MP e outras carreiras institucionais.

Ao invés de mostrarem quanto se luta para a normalização democrática do estado de direito, saem em busca de penduricalhos e valores absolutamente irrisórios se cotejados com bilhões da corrupção.

Mas não é só.

Se formos tomar a supervalorização dos imóveis nos últimos anos e a moradia em São Paulo, hoje o pagamento do condomínio e do IPTU muitas vezes não é coberto pelo famigerado auxílio.

Não é sem razão que muitos colegas não se permitem morar em São Paulo, a par da total falta de segurança, existe um custo de vida elevado e a moradia é o grande aspecto a ser levado em conta.

Batem de frente contra todos, pois querem desmoralizar num momento delicado institucional, com um só propósito, jogar-nos contra a sociedade e dizer que a culpa pela crise é causada pelo auxílio-moradia.

Que façam então uma triagem bastante centrada do benefício e seja concedido apenas para os que não possuem moradia ou condições de comprar ou alugar um imóvel de padrão compatível com o exercício da profissão.

Imaginemos um colega doutro Estado, ao ser deslocado para uma comarca de alta criminalidade, exercendo a jurisdição penal, se ele não puder morar num local sossegado e distante da macrocriminalidade, como poderá ter ele e sua família paz para julgar e eventualmente condenar?

Os representantes do povo que estão domiciliados em Brasília, membros do Legislativo, e também do Executivo, possuem casas paradisíacas e apartamentos funcionais, cujos alugueres sobrepujam a migalha do auxílio moradia e, portanto, dele não carecem.

Nã pensam nas situações peculiares e nas especificidades da carreira, ao contrário dos ministros, que se deslocam em aviões da FAB, muitos magistrados cumulam inúmeras comarcas e se descolam com o próprio carro, pagando pedágios e correndo risco de acidentes.

Enfim, a imprensa brasileira não é neutra ou imparcial, nos desenvolvimentos dos fatos foi tomada de compaixão e sacrificada pela crise, teve que bater às portas de bancos públicos e tomar muito dinheiro emprestado, os magistrados, ao contrário, devem levar uma vida espartana, têm jornada rígida e não dispõem sequer de seguranças ou carros blindados.

Não falam que também no Executivo e no próprio Legislativo se paga o malsinado auxílio, que parlamentares moram em mansões no lago sul e tem apartamentos enormes, querem esculhambar, avacalhar e destratar a classe, como se fosse possível favelizar servidores de Estado que cumprem missões ou tentam fazê-lo com denodo.

Essa campanha orquestrada de há muito tem levado vários à aposentadoria precoce e à procura de campos diversos de trabalho, pois que não é possível, crível e imaginável despertar antipatia da sociedade se um caso foge da normalidade e todos passam a ser culpados.

Se um determinado juiz ganha acima da média e se têm muitos imóveis ou comprou ou recebeu de herança é porque ele foi autorizado pelo CNJ, trabalhou, agora impingir a culpa pelo auxílio não é de nossa responsabilidade, mas de quem escreveu a Constituição.

Quando um promotor, juiz ou delegado iniciar a carreira com menos de 30 anos de idade, a grande maioria não tem imóvel ou propriedade, ao contrário de artistas que compram imóveis de milhões e ganham fácil, jogadores de futebol, e animadores da massa.

Os tempos são sombrios e demonstram que há uma luta intestina entre os que pregam no deserto e os que adoram clamar por defenestrar carreiras de Estado sem tomar consciência que sabemos como isso começa, mas não temos noção de como termina.

Infelizmente a imprensa brasileira, custeada por interesses escusos, mapeada pela vontade de políticos e empresários de pouca ou nenhuma ética, somada ao esvaziamento moral de uma sociedade e emissoras de televisão, que só procuram a destruição da família, todos os ingredientes se constituem numa bomba relógio já deflagrada para rápida canibalização das instituições e o retrato final da sua lenta e gradual destruição.
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*Carlos Henrique Abrão é desembargador (ativo) do TJ/SP.






*Laércio Laurelli é desembargador aposentado do TJ/SP.

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