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Hermenêutica em desfavor dos honorários

Nathalia Marchewka e Luciano Lopes Cançado

Ocorre que, evidentemente, por mais alto que possa ser um valor, se ele é determinado, não pode ser "inestimável".

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 14:28

No último dia 6 de junho, quarta-feira, durante sessão de julgamento da quarta Turma do TJ/DF e Territórios, travou-se ampla discussão de extrema relevância na seara jurídica (cuja íntegra se encontra registrada em notas taquigráficas a pedido do Relator) e que vem causando certa inquietação - especialmente para nós, advogados.

Durante quase uma hora e de forma incansável, os magistrados presentes naquela assentada se debruçaram na análise de um pedido de majoração de honorários advocatícios.

O valor atribuído à causa em questão era certo e havia sido determinado por ordem da MM. Juíza sentenciante em exatos R$ 7.075.384,03 (sete milhões, setenta e cinco mil, trezentos e oitenta e quatro reais e três centavos), por emenda à inicial. Na ocasião, mandou retificar o valor da causa também observando o benefício patrimonial almejado, uma das hipóteses presentes no § 2º do artigo 85 do CPC.

Quando da prolação da sentença, contudo, a mesma Juíza fixou os honorários de sucumbência, sem qualquer critério lógico-jurídico, em R$5.000,00 (cinco mil reais).

Devolvida a matéria para aquela Colenda Turma, esperava-se, com certa tranquilidade, que seria aplicada a regra insculpida no §2º do artigo 85 do CPC.

Mas não foi essa a decisão a que chegou a maioria dos integrantes da Turma.

Em acirrada disputa, que terminou em 3 a 2, a conclusão a que se chegou, pasme-se, é a de que os honorários seriam fixados em 1% (um por cento) sobre o valor da causa, apesar do louvável esforço e brilhantes apontamentos do ilustre Relator e também do 4º vogal, outro dos integrantes vencidos.

E o que mais se alarma é que isto se deu somente para apaziguar os ânimos dos Julgadores com votos vencedores, que bradavam pelo arbitramento dos honorários por equidade, nos termos do § 8º do mesmo artigo.

Exatamente neste ponto é que ocorreu o embate mais vigoroso entre vencidos e vencedores.

Os defensores da aplicação da regra de exceção (§ 8º) fizeram uso de um simples dicionário (Aurélio) para chegarem, num ato de contorcionismo, ao que seria a interpretação do termo "inestimável": para eles, seu sentido seria o de "altíssimo", "vultuoso", o que se aplicaria perfeitamente ao caso.

Ocorre que, evidentemente, por mais alto que possa ser um valor, se ele é determinado, não pode ser "inestimável". São palavras que expressam circunstâncias distintas e de fácil alcance, até mesmo para leigos.

O art. 85 do NCPC reflete um importante avanço para a classe advocatícia, pois reafirma ser o advogado o credor do valor estabelecido em honorários sucumbenciais (no antigo CPC, a previsão era de condenação do vencido a pagar honorários ao vencedor, não ao advogado do vencedor).

Além disso, no CPC antigo, a inexistência de condenação permitia ao juiz fixar o valor dos honorários sem qualquer parâmetro. No atual CPC, porém, isso se torna impossível, pois o mencionado artigo é extremamente claro e didático ao estabelecer uma gradação para essa fixação.

Significa dizer que sendo o atual CPC cristalino nessa seara (em seu art. 85, §2º), caberia ao julgador, voltando ao caso em análise, apenas aplicar o comando normativo já estabelecido, determinando somente a porcentagem a partir da qual incidiria o valor da condenação.

A despeito disso, em dado momento da discussão foi sugerido por um dos integrantes da Turma com voto vencedor que os honorários fossem fixados em 1% (um por cento) do valor de causa, encontrando-se, com isso, um "meio termo". Tal decisão foi tomada sem absolutamente qualquer parâmetro ou amparo em lei, mas apenas para "apaziguar" a situação.

E assim foi feito.

A decisão se torna ainda mais questionável ao se verificar que ela contraria não só a lei, mas também entendimentos recentes do Superior Tribunal de Justiça, que já se curvou, definitivamente e como não poderia deixar de ser, ao novo e claro comando processual em vigor.

O artigo 85 do NCPC, de fato, apresenta redação clara, que não dá margem para interpretações variadas, não podendo o julgador querer "inventar" o que não está ali, o que não foi a intenção do legislador, e tampouco poderia "negociar" para que se chegasse a um "meio termo".

Diante desse cenário, impossível não se preocupar com o perigo desse caso ensejar precedentes. O Novo CPC não é um cardápio à disposição do julgador, que pode escolher qual artigo aplicar de acordo com o que, a seu aviso, for mais "conveniente".

Como dito muito acertadamente pelo renomado jurista Lenio Streck, "Direito não é um conjunto de casos isolados, decisões ad hoc etc. A questão é saber como decidir a partir de uma criteriologia. Eu tenho direito fundamental a que meu caso seja julgado com coerência e integridade."1

Ignorar um comando normativo claro e direto, como o art. 85 do NCPC, é dirigir perigosamente para os caminhos do ativismo judicial, um fenômeno que cresce cada vez mais, exigindo uma resistência cada dia mais efusiva por parte de todos os operadores do direito. Como disse Lenio Streck nessa mesma entrevista, deve ser criado um sistema em que se incentive quem julga com coerência, e quem não quiser julgar assim, quem quiser julgar por conveniência, por exemplo, se sinta constrangido ao fazê-lo, de modo que se crie uma jurisprudência sólida, coerente, integral e segura para os operadores do direito e também para toda a sociedade, que está sujeita a esse mesmo sistema.

Como já ensinou em suas palestras e aulas, o professor e grande jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior, o ativismo judicial, embora cause alguma incerteza, tem uma baliza segura: só pode ser usado para ampliar direitos fundamentais por exceção, e não por regra.

Não sendo esse o caso, portanto, permitir que juízes escolham se vão ou não seguir um comando normativo claro representa um freio nas boas mudanças trazidas pelo NCPC, sendo uma delas, justamente, a de deslocar o juiz de seu papel de protagonista, aproximando-o mais das partes e seus patronos.

Devemos caminhar no sentido justamente oposto da decisão ora comentada, louvando e respeitando as mudanças trazidas pelo Código de Processo Civil, no sentido de ser inteligível e acessível para todos, exatamente para não gerar esse tipo de situação e para não abrir as portas para o futuro incerto e perigoso do ativismo judicial descabido.

 

 

Processo nº: 2016.01.1.020224-6
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1 "Abandonar as próprias vontades para julgar é o custo da democracia".

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*Nathalia Marchewka é sócia do escritório Smaniotto, Castro & Barros Advogados.

*Luciano Lopes Cançado é sócio do escritório Smaniotto, Castro & Barros Advogados.

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