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A dedutibilidade de despesas com instrução ? Uma análise sob óptica da dinâmica da tributação no Brasil

À Suprema Corte brasileira cumpre afastar o limite inadvertidamente veiculado pela lei 9.250/95, a fim de que as despesas com instrução possam ser integralmente deduzidas pelas pessoas físicas na apuração do IRPF.

segunda-feira, 25 de junho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 15:26

1. Introdução

 

A lei 9.250/95 admite, em seu artigo 8º, que as despesas incorridas com a instrução própria do contribuinte e de seus dependentes sejam deduzidas1 para fins de determinação da base de cálculo do Imposto sobre a Renda de Pessoa Física (IRPF). A dedutibilidade de gastos desta natureza, no entanto, é atualmente limitada a R$ 3.561,50 por ano-calendário.

 

A constitucionalidade do dispositivo legal que estabeleceu a referida limitação foi desafiada por uma série de contribuintes, que provocaram o Poder Judiciário com o objetivo de deduzir integralmente suas despesas com instrução. Em ações sobre esse tema, como regra, ponderou-se que a restrição à dedutibilidade integral dos dispêndios com instrução atenta contra um direito social previsto na Constituição Federal de 1988 ? a educação.

 

Estamos convencidos de que o limite fixado no artigo 8º, inciso II, alínea "b", da lei 9.250/95 é inconstitucional. De todo modo, sem prejuízo dos argumentos utilizados para sustentar a inconstitucionalidade do referido diploma, o objetivo deste trabalho é promover a análise do tema sob a óptica da dinâmica da tributação, a fim de ampliar o espectro do debate, que é de interesse de todos os cidadãos brasileiros.

 

2. Dedutibilidade de Despesas com Instrução ? Questionamentos Judiciais sobre a Constitucionalidade da Limitação

 

O limite previsto no artigo 8º, inciso II, alínea "b", da lei 9.250/95, relativamente à dedutibilidade de despesas com instrução, já foi, por diversas vezes, desafiado junto ao Poder Judiciário, à luz da Constituição Federal de 19882. Em apertada síntese, a constitucionalidade do dispositivo foi questionada sob a perspectiva do direito fundamental à educação, que está a cargo do Estado, conforme estabelecem os artigos 6º, 23 e 205, todos da Carta Magna.

 

Particularmente no âmbito Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), o argumento de inconstitucionalidade foi acolhido no bojo do processo 0005067-86.2002.4.03.6100, tendo a inconstitucionalidade sido declarada inclusive com efeito vinculante naquele tribunal, posto que o entendimento foi manifestado pelo Órgão Especial do TRF33.

 

O tema poderia, em nossa visão, ser também apreciado com esteio no critério de universalidade da tributação da renda4, que se apresenta como desdobramento do princípio da igualdade, na medida em que visa impedir que a União conceda tratamento diferenciado a contribuintes que se encontrem em situações equivalentes5. Nessa perspectiva, os dispêndios com instrução poderiam ser interpretados como fatores negativos6 na formação da base tributável, de modo que não caberia a sua limitação, sob pena de violar o conceito de renda e, por derradeiro, a própria capacidade contributiva experimentada pelo contribuinte num dado período de apuração.

 

De toda sorte, com base nos fundamentos cotejados pelo TRF3, o limite à dedutibilidade de gastos com instrução vem sendo considerado inconstitucional. Em um dos casos em que a inconstitucionalidade foi reconhecida7, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) pleiteou a suspensão da segurança concedida pelo TRF3, pautando-se, para tanto, em argumentos consequencialistas relacionados à arrecadação. A legitimidade de tais argumentos é questão para o próximo tópico.

 

3. Dedutibilidade Integral de Despesas com Instrução ? Análise sob a Óptica da Dinâmica da Tributação no Brasil

 

Os argumentos consequencialistas são parte do processo de justificação judicial.8 O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem se pautado na doutrina de teóricos da argumentação jurídica9, como Neil MacCormick, nas decisões judiciais proferidas ao longo dos últimos anos ? inclusive em matéria tributária. Destarte, parece oportuno enveredar pelo tema cotejando argumentos consequencialistas, a fim de trazer novas luzes ao tema e contribuir com o debate.

 

No que tange à dedutibilidade integral de despesas com instrução, o pleito formulado pela PGFN perante o STF foi embasado na potencial queda na arrecadação supostamente decorrente do reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 8º, inciso II, alínea "b", da lei 9.250/95. De acordo com o que foi alegado na Suspensão de Segurança 5.087/SP, a Nota da Coordenação-geral de Arrecadação e Cobrança da Secretaria da Receita Federal do Brasil (CODAC) 138/13 revela que o impacto financeiro da extinção do limite de dedutibilidade de gastos com instrução seria entre 1,2 e 3,8 bilhões de reais.

 

Visando, então, estabelecer um juízo crítico a respeito dos elementos utilizados pela PGFN para subsidiar o pleito junto ao STF, solicitamos10 ao Ministério da Fazenda, com fundamento na lei 12.527/11 ("Lei de Acesso à Informação"), uma cópia da Nota CODAC 138/13. A análise da indigitada Nota revelou que a alíquota efetiva média dos contribuintes que deduziram gastos com instrução nos exercícios de 2010 e 2011 foi de 8,56% e, nessa perspectiva, o impacto do reconhecimento da inconstitucionalidade do limite seria de R$ 1.14 bilhão. O valor de R$ 3.8 bilhões seria aplicável exclusivamente na hipótese de todos os contribuintes que possuem despesas com instrução sofrerem uma exação com base na alíquota efetiva de 27,5% (o que é impossível).

 

Independentemente do valor envolvido na discussão, a alegação da PGFN deve ser vista com cautela. Em primeiro lugar, porque, na via reversa da arrecadação, a limitação inconstitucional à dedutibilidade de gastos com instrução também gera impacto financeiro aos contribuintes. Nessa perspectiva, o acolhimento deste fundamento é temerário, porquanto denota um prestígio da arrecadação com base em normas inconstitucionais ao revés da capacidade contributiva experimentada pelos contribuintes do IRPF.

 

E, ainda que assim não fosse, mesmo que não houvesse a limitação, é preciso considerar que a busca dos cidadãos pelo ensino privado não acarreta, necessariamente, a diminuição da receita de tributos. É que, com exceção do que ocorre em relação às entidades de educação imunes e isentas, a educação privada gera arrecadação de impostos e contribuições11 por parte das instituições de ensino.

 

Uma análise consequencialista em matéria de educação deveria contemplar, então, uma perspectiva ampla, inclusive considerando o fluxo circular da renda, que sugere não ser pertinente o argumento de quem advoga em favor do limite previsto no artigo 8º, inciso II, alínea "b", da lei 9.250/95. Neste caso, o dilema estatal entre a eficiência econômica e a equidade12 poderia ser melhor apreciado, de modo que a argumentação pelas consequências se fundisse de forma válida com a discussão de ordem constitucional.

 

Ademais, cabe ponderar que o incentivo à busca por instituições privadas de ensino pode reduzir o número de cidadãos que dependem da educação pública. Com isso, a dedutibilidade integral das despesas com instrução tende a acarretar uma redução do gasto público destinado ao custeio do ensino (em sentido estrito) e também dos custos indiretos da educação13, podendo contribuir, inclusive, para que haja uma diminuição das falhas de governo, como a corrupção, na medida em que diminuiria o número de aquisições públicas para suprimento de todos os insumos relacionados ao ensino público.

 

Com efeito, a redução do consumo de recursos públicos destinados à educação pode gerar também melhorias nas condições gerais de ensino na rede pública, sobretudo se houver elevação dos salários pagos aos professores, de modo que este cargo se mostre atrativo e, com isso, incentive a competitividade, viabilizando a contratação, mediante concurso público, de profissionais mais qualificados que estejam aptos a promover uma educação mais eficiente.

 

Em conexão com este raciocínio, é fundamental consignar que o nível de renda ? e, portanto, de capacidade contributiva ? das pessoas físicas de países pobres, tais como o Brasil, aumenta proporcionalmente ao nível de educação formal conquistado14. Deste modo, é possível que o aumento do nível e da qualidade da instrução obtida pela população brasileira, como consequência da extinção do limite de dedutibilidade, se traduza, no longo prazo, em aumento da eficiência econômica, refletida no Produto Interno Bruto (PIB).

 

Aliás, como o gasto público, de um modo geral, tem crescido ao longo dos últimos anos, é absolutamente desejável que o Estado cultive medidas que se prestem a promover o aumento da arrecadação. A extinção do limite de dedutibilidade para gastos com instrução pode ser uma alternativa eficaz a esse propósito.

 

4. Conclusão

 

Conquanto o tema em apreço seja rico e comporte análise por diversas perspectivas, a construção argumentativa ao norte permite afirmar que, paralelamente aos argumentos jurídicos que podem ser usados para sustentar a inconstitucionalidade da restrição veiculada pelo artigo 8º, inciso II, alínea "b", da lei 9.250/95, relativamente às despesas com instrução, uma análise do assunto sob a perspectiva da dinâmica da tributação revela que o limite atualmente vigente é ilegítimo.

 

Na perspectiva dos direitos sociais e dos critérios informadores do Imposto de Renda, a indigitada restrição se revela inconstitucional. Além disso, os argumentos consequencialistas utilizados pela PGFN para dar contornos de legitimidade ao limite imposto pelo artigo 8º, inciso II, alínea "b", da lei 9.250/95 não se sustentam quando se considera o tema num espectro amplo.

 

À Suprema Corte brasileira, portanto, cumpre afastar o limite inadvertidamente veiculado pela lei 9.250/95, a fim de que as despesas com instrução possam ser integralmente deduzidas pelas pessoas físicas na apuração do IRPF.
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1 "Art. 8º A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença entre as somas: [...] II - das deduções relativas: [...] b) a pagamentos de despesas com instrução do contribuinte e de seus dependentes, efetuados a estabelecimentos de ensino, relativamente à educação infantil, compreendendo as creches e as pré-escolas; ao ensino fundamental; ao ensino médio; à educação superior, compreendendo os cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado, doutorado e especialização); e à educação profissional, compreendendo o ensino técnico e o tecnológico, até o limite anual individual de: [...] 10. R$ 3.561,50 (três mil, quinhentos e sessenta e um reais e cinquenta centavos), a partir do ano-calendário de 2015;"

2
Vide, por exemplo, o Mandado de Segurança nº 0005067-86.2002.4.03.6100/SP.

3 Cf. Artigo 176 do Regimento Interno do TRF3.

4 Cf. Artigo 153, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal de 1988.

5 Cf. SANTOS, Ramon Tomazela. "O Princípio da Universalidade na Tributação da Renda: Análise acerca da Possibilidade de Atribuição de Tratamento Jurídico-tributário Distinto a Determinados Tipos de Rendimentos Auferidos pelas Pessoas Físicas". In: Revista Direito Tributário Atual nº 28. São Paulo: Dialética, 2012, pp. 278-288.

6 Cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. "Fundamentos do Imposto de Renda". São Paulo: Quartier Latin: 2008, p. 255.

7 Apelação Cível nº 0017414-05.2012.4.03.6100/SP.

8 PISCITELLI, Tathiane dos Santos. "Argumentando pelas Consequências no Direito Tributário". São Paulo: Noeses, 2011, p. 11.

9
Vide, por exemplo, o voto do Ministro Edson Fachin no RE nº 593.849/MG e o voto da Ministra Rosa Weber no HC nº 152.752/PR.

10
Expediente recepcionado sob o nº 16853.003187/2018-30.
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*Marcelo Rocha dos Santos é advogado da área tributária no escritório Demarest Advogados.

 

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