MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Programa Estadual de Recompensa
Programa Estadual de Recompensa, Eudes Quintino

Programa Estadual de Recompensa

A população, portanto, é convidada para participar, não com a realização de investigações paralelas, mas sim para fornecer dados ou informações que tenha conhecimento quando da prática do crime.

domingo, 15 de julho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 18:23

 

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo ofereceu uma recompensa de R$50mil para qualquer pessoa que apresentasse informações que pudessem identificar o responsável ou responsáveis pela morte da adolescente Vitória Gabrielly Guimarães Vaz que, segundo o laudo pericial apresentado, morreu por asfixia, provocada por esganadura, no município de Araçariguama, interior de São Paulo. Apesar do incentivo dado, a própria Polícia Civil, valendo-se de suas investigações, solicitou a decretação da prisão temporária de três suspeitos da prática do crime, com sua consequente elucidação.

Mas a título de esclarecimento a respeito do tema, o valor da recompensa compreende o teto máximo do Programa de Recompensa do Governo do Estado. As informações poderão ser levadas à autoridade policial por e-mail, telefone, via Disque Denúncia pelo telefone 181, por acesso ao Web Denúncia, ou até mesmo pessoalmente, observando que serão preservados os dados do denunciante.

Em regime que é de exclusividade do Estado realizar a persecução penal em todas as suas fases, causa certa estranheza o oferecimento de recompensa em dinheiro para o particular colaborar com a polícia indicando provas que possam levar à autoria de um crime que, embora investigado, não foi elucidado. Trata-se, na realidade, não de uma delação premiada, que compreende a conduta do próprio agente que participou da empreitada criminosa, mas sim de pessoa estranha à ação ilícita, mas que tenha presenciado algum fato que seja relevante e que venha a contribuir com a investigação.

O Código de Processo Penal, carregando ainda o espírito que o envolveu em 1941, sobrevive a toda sorte de intempéries e permanece incólume com relação à sistematização da investigação criminal, limitada em razão da própria ineficiência do Estado, com a consequente abertura de valas que estimulam a expansão da criminalidade. Mas, mesmo com a crítica necessária, não se pode omitir que o Código de Processo Penal carrega interessante postura quando permite a qualquer pessoa do povo, que tiver conhecimento de infração penal em que caiba ação pública, a faculdade de comunicá-la à autoridade policial (art. 5º, § 3º); permite a mesma comunicação ao Ministério Público (art. 27); além da faculdade de dar ordem de prisão a quem for encontrado em flagrante delito (art.301). Sem falar ainda do recrutamento que faz dos cidadãos para julgarem seus pares, nos crimes dolosos contra a vida. Abre, portanto, uma interessante via de comunicação e participação ao cidadão, democraticamente intitulado "qualquer pessoa do povo".

Percebe-se, sem muita dificuldade, que o Estado conferiu ao particular a mais ampla legitimidade para apresentar não só a notitia criminis como também apontar a possível autoria com o fornecimento de informações por escrito ou verbalmente a respeito do delito. Trata-se de um longa manus, revestido de legitimidade temporária para determinadas situações. É uma solução necessária, pois na medida em que o Estado não reúne condições para uma tutela eficiente, concede, excepcionalmente, ao particular, o exercício do poder de polícia.

O Governo do Estado de São Paulo lançou mão do Programa Estadual de Recompensa, criado pelo decreto 46.505, de 21/01/2002, que tem por finalidade incentivar a população a colaborar com o fornecimento de informações de que tenha conhecimento para solucionar crimes que o órgão persecutório policial, apesar de todo empenho, não tenha obtido êxito em suas investigações. A população, portanto, é convidada para participar, não com a realização de investigações paralelas, mas sim para fornecer dados ou informações que tenha conhecimento quando da prática do crime. É até comum o popular às vezes figurar como testemunha de um determinado crime, porém, com receio de que sua identidade seja divulgada, fato que pode trazer sérios aborrecimentos, recusa-se a oferecer seu depoimento.

O que o Programa cria é um incentivo à população para fornecer informações a respeito de determinados crimes que carregam peso considerável para a ordem pública, possibilitando aos agentes da persecução penal desenvolver uma investigação com maior chance de sucesso, em face da precariedade do material probatório policial. Não se exige que o cidadão realize diligências ou pesquisas paralelas como um verdadeiro agente da lei e sim que abasteça a autoridade policial com as informações determinantes ou conclusivas a respeito da autoria de um ilícito penal.

Guarda certa semelhança com a denúncia anônima que, por ser informação velada, por mais simples que seja, fornecida por qualquer pessoa do povo a respeito da prática de fato determinado e com repercussão social, traz sempre um ponto inicial de investigação, um norte seguro para o início de uma pesquisa elucidativa. Mas não pode ser considerada a única base sólida e consistente para validar o procedimento inquisitivo, além de não prometer qualquer recompensa em dinheiro.

Finalizando, prática idêntica foi utilizada no Velho Oeste americano em que cartazes eram criados e afixados nos pontos centrais das pequenas cidades, nos saloons e nos escritórios dos xerifes, com os dizeres "Procura-se" e os valores das recompensas, justamente para atrair os caçadores de prêmios. Para os mais interessados, basta ler a história de Wyatt Earp, que passou de xerife para caçador de foras da lei.

__________

*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

 

 

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca