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Um domingo de fúria - A lei não é igual para todos

A opinião popular vem, injustificadamente, influenciando diretamente as decisões judiciais, tendo em vista que os fundamentos nelas existentes não são mais encontrados nos autos dos processos.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 18:31

No último dia 8, o mundo jurídico recebeu com perplexidade as contraditórias decisões judiciais, referentes ao habeas corpus impetrado, por dois deputados, em favor do ex-presidente Lula.

 

A celeridade das decisões judiciais demonstra o interesse na impetração, pois em pleno domingo, diversos despachos contraditórios foram proferidos, sendo um deles, não se sabe como, tendo sido confeccionado por juiz que se encontrava de férias em terras Lusitanas.

A polêmica foi iniciada pelo despacho proferido pelo desembargador Rogério Favreto, designado para o plantão do TRF-4, que deferiu o pedido liminar, determinando a soltura do paciente.

O desembargador aceitou a competência "em regime de Plantão por se tratar de paciente que se encontra preso. Ademais, denoto no presente feito várias medidas indeferidas sem adequada fundamentação ou sequer análise dos pedidos, bem como constante constrangimento e violação de direitos. Efetivamente, o direito de apreciação a eventual abuso em medido de restrição de LIBERDADE impõe análise em qualquer momento, mesmo que se conclua pelo seu indeferimento, desde que observada a devida fundamentação".

Ao final, determinou a suspensão da "execução provisória da pena para conceder a liberdade ao paciente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, se por outro motivo não estiver preso. Cumpra-se em regime de URGÊNCIA nesta data mediante apresentação do Alvará de Soltura ou desta ordem a qualquer autoridade policial presente na sede da carceragem da Superintendência da policia 5025614-40.2018.4.04.0000 40000566918 .V44 Federal em Curitiba, onde se encontra recluso o paciente".


Importante observar que ao deferir a liminar o desembargador expressamente esclareceu que se trata de processo originário eletrônico e, portanto, teve acesso aos autos na sua integralidade. O documento foi assinado eletronicamente às 9 horas e 5 minutos do dia 8/7/18 (domingo).

 

Na mesma data, de férias em Portugal, duas 2 horas depois, o juiz de 1ª grau Sérgio Fernando Moro proferiu despacho analisando, avaliando e negando cumprimento à decisão liminar proferida pelo desembargador em exercício no plantão do TRF-4.

 

Nos seguintes termos: "O Desembargador Federal plantonista, com todo o respeito, é autoridade absolutamente incompetente para sobrepor-se à decisão do Colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ainda do Plenário do Supremo Tribunal Federal. Se o julgador ou a autoridade policial cumprir a decisão da autoridade absolutamente incompetente, estará, concomitantemente, descumprindo a ordem de prisão exarada pelo competente Colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Diante do impasse jurídico, este julgador foi orientado pelo eminente presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região a consultar o Relator natural da Apelação Criminal 5046512-94.2016.4.04.7000, que tem a competência de, consultando o colegiado, revogar a ordem de prisão exarada pela colegiado. Assim, devido à urgência, encaminhe a Secretaria, pelo meio mais expedito, cópia deste despacho ao Desembargador Federal João Pedro Gebran Neto, solicitando orientação de como proceder. Comunique-se a autoridade policial desta decisão e para que aguarde o esclarecimento a fim de evitar o descumprimento da ordem de prisão exarada pelo competente Colegiado da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região" (g.n.).

Assim sendo, não pela primeira vez, o juízo de piso inverteu a hierarquia do Judiciário, aparentemente, para fazer prevalecer o entendimento do magistrado.

 

Curioso observar que o magistrado fez constar em seu despacho que a decisão estava amparada por orientação do desembargador presidente do TRF-4.

 

Ao que tudo indica, o magistrado, sabendo que não poderia cassar a decisão do desembargador plantonista, tentou dar credibilidade ao seu despacho, mencionando que estava seguindo orientação do presidente do TRF-4 e, por isso, a decisão liminar deferida não poderia ser cumprida pela autoridade policial, sem antes consultar o desembargador "relator natural" do processo.

 

Assim, o despacho de primeira instância expressamente declarou a incompetência do desembargador plantonista, suscitando conflito de competência, mesmo tendo o desembargador em exercício no plantão do TRF-4 aceitado a competência.

 

Ao tomar conhecimento do despacho do juízo de piso, o desembargador do TRF-4 tornou a reiterar, em duas oportunidades, o cumprimento imediato da decisão que ordenava a soltura do ex-presidente, no entanto sabe se lá por qual razão, não foi cumprida.

 

No final do dia, frise-se um domingo, o relator natural do processo originário proferiu decisão revogando a liminar deferida o plantão.

 

Importante esclarecer que os habeas corpus distribuídos ao plantão judicial dos Tribunais são, em tese, analisados pelos magistrados de plantão, exceto quando o próprio magistrado de plantão declina de sua competência, o que não ocorreu no presente caso.

 

Assim sendo, não se sabe ao certo, porque razão, tanto interesse dos magistrados em fazer valer suas decisões.

 

Ato contínuo, no próprio domingo, sobreveio determinação do presidente do TRF-4, decidindo que a decisão do relator natural deveria prevalecer.

 

Não se pretende aqui analisar a conveniência da liminar deferida pelo desembargador em exercício no plantão do TRF-4, que ao que parece realmente não encontrou motivação fática ou jurídica para justificar o deferimento do pedido liminar.

 

No entanto, importante deixar consignado que a matéria já havia sido enfrentada por todos os Tribunais Competentes, inclusive pelo pleno do STF.

 

Diante deste contexto, não se pode negar, que o desembargador designado para o plantão, por entender que havia fato novo, aceitou a competência, ato previsto no Regimento interno do TRF-4, proferindo decisão que ordenava a soltura do paciente.

Desta feita, concorde ou não com a decisão, seja ela teratológica ou não, deveria ter sido cumprida nos seus exatos termos.

 

Por óbvio, o despacho do juízo de piso, com ou sem a orientação do presidente do TRF-4, não poderia produzir qualquer efeito, com mais razão estando ele de férias.

 

Ademais, também não é novidade que juiz de 1º instância não tem competência, mesmo com orientação do presidente do Tribunal, para cassar decisão proferida por desembargador.

 

Repita-se: o desembargador em exercício no plantão ao aceitar a competência, possuía jurisdição para analisar o processo, portanto sua decisão era válida e deveria produzir todos os efeitos práticos e jurídicos.

 

Assim sendo, a decisão que determinava a soltura do ex-presidente só poderia ser cassada pelo relator no próximo dia útil, quando o processo seria livremente distribuído.

 

Por óbvio, a decisão proferida pelo desembargador do plantão poderia ter sido revogada pelos Tribunais Superiores, nos exatos termos da Constituição Federal, porém não foi o que aconteceu.

 

Por conseguinte, mesmo que o juiz de 1º grau não concordasse com a decisão emanada pelo desembargador de plantão, nada poderia fazer, a não ser lamentar...

 

Mesmo porque, o alvará de soltura foi expedido pela serventia do tribunal, de forma que o juízo de 1ª instância não deveria tomar qualquer providência para o cumprimento da decisão.

 

Observa-se, assim, que o processo teve uma tramitação única, muito diferente do normal, visto que o respeito ao minimamente.

 

O interesse dispensado ao presente processo é espantoso, não só no presente momento, chegando ao ponto, repise-se, do juiz, mesmo de férias - fora do país em pleno domingo, ter contatado o presidente do TRF-4, para evitar o cumprimento de uma decisão proferida por um desembargador em exercício no plantão do Tribunal.

 

Resta claro, portanto, que o despacho do juízo de piso contraria e afronta por completo toda a hierarquia da justiça e deveria ter sido ignorado, sem produzir qualquer efeito prático ou jurídico.

 

Caso se tratasse de um processo comum, é o que aconteceria; a decisão da instância superior seria imediatamente cumprida, sem qualquer resistência.

 

No entanto, curiosamente ou não, o despacho de 1ª instância produziu um efeito inimaginável, visto que a decisão do desembargador não foi cumprida e o processo foi remetido extemporaneamente ao relator prevento.

 

Diante de todo este imbróglio procedimental, não se sabe ao certo, por qual razão o despacho do juízo de piso surtiu o efeito pretendido, tendo em vista que a decisão do desembargador presidente do tribunal somente foi proferida no final do dia.

 

Muito provavelmente por ter sido assinado pelo juiz mais popular do país ou em razão da discordância da autoridade policial, ou por ambos os motivos, ou por qualquer outro. Fato é que a liminar do TRF-4 foi simplesmente ignorada.

 

Para fazer um paralelo, compararia o despacho do juízo de 1º grau, a um caso hipotético, no qual uma autoridade policial se negasse a cumprir uma das centenas de decisões de conduções coercitivas, determinadas no curso de uma das diversas investigações da denominada Operação Lava Jato, seja porque, na sua opinião, a medida não era necessária ou mesmo por entender que o juízo não tinha competência para tanto.

 

E, neste caso, posteriormente um dos Tribunais Superiores julgasse que os pontos indicados pela autoridade policial estavam corretos. Qual seria o desfecho deste ato?

 

Não é preciso se alongar para concluir que neste caso hipotético, mesmo que a autoridade policial estivesse correta responderia por descumprimento de decisão judicial, bem como por infrações administrativas.

 

No caso em análise, ao que tudo indica isso não acontecerá. Ao que parece o procedimento não é importante, o devido processo legal pode ser mitigado, tendo em vista que os fins justificam os meios.

 

O lamentável episódio ocorrido no fatídico domingo, produzido pelas decisões judiciais, deve ser esquecido por diversos motivos.

 

Contudo, chega-se à conclusão de que a opinião popular vem, injustificadamente, influenciando diretamente as decisões judiciais, tendo em vista que os fundamentos nelas existentes não são mais encontrados nos autos dos processos.

 

A publicidade excessiva dos atos judiciais, somada à visibilidade exagerada dos magistrados ecoa nas decisões e, consequentemente, geram efeitos nefastos e irreparáveis aos jurisdicionados, seja para o bem ou para o mal.
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*Felipe Mello de Almeida é sócio no escritório FM Almeida | Advogados.

 

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