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Greve dos caminhoneiros e a responsabilidade do estado

Paulo Guilherme de Mendonça Lopes e Eduardo Maffia Queiroz Nobre

Breves apontamentos sobre a responsabilidade do estado pelos prejuízos causados às empresas, em razão da sua ineficiente atuação para impedir os efeitos nocivos da "Greve dos Caminhoneiros" sobre os negócios, bem como suas implicações nas obrigações contratuais assumidas por elas.

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 18:34

Como tem sido diuturnamente veiculado pela imprensa nacional, em razão da tardia e ineficiente atuação dos poderes públicos, têm os agentes econômicos sofrido prejuízos incomensuráveis em razão da recente greve dos caminhoneiros, os quais obstruíram as estradas, impedindo a distribuição de combustíveis (o que leva à paralisação dos caminhões que fazem o transporte das mercadorias negociadas no país, em razão de "pane seca"), a entrega e recebimento de mercadorias (mesmo para aqueles veículos que tinham combustíveis e cujos motoristas não quiseram participar do movimento grevista), em razão da própria falta de transporte de combustíveis para os pontos de distribuição etc.

 

Tais atos, dentre outros, tiveram por efeito a paralização da produção das empresas em razão da falta de insumos e/ou da impossibilidade do escoamento de sua produção. Nessa última hipótese, com imediata redução de seu faturamento, o perecimento de espécimes vivas em razão da ausência de insumos para a sua alimentação etc.

 

Diz-se atuação tardia e ineficiente dos poderes públicos porque, no exercício do poder de polícia administrativa e judiciária, deveriam os poderes públicos ter agido para impedir ou, no mínimo, reduzir os efeitos prejudiciais do movimento grevista, mediante a simples aplicação da lei (aplicação das multas previstas na legislação de trânsito, bem como das demais penalidades nela previstas; retirada dos veículos que impediam a livre circulação dos demais veículos em rodovias, estradas ou vias municipais; requisição dos veículos particulares para a entrega de derivados de petróleo nos pontos de consumo; requisição de estoques etc.). Os poderes públicos tinham o dever, e não a opção, de assim proceder. Se não o fizeram, a eles cabe a responsabilidade por sua atuação negligente e/ou omissiva.

 

Não se deve esquecer que, nos termos do art. 142 da Constituição Federal, cabe às forças armadas, "sob a autoridade suprema do Presidente da República", a "garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem."

 

Já segundo o art. 144 da Constituição Federal, a segurança pública é "dever do Estado, direito e responsabilidade de todos" e "é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio", cabendo à polícia federal "apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas [Petrobras], assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme" (§1º, I), à polícia rodoviária federal o "patrulhamento ostensivo das rodovias federais" (§ 2º) e "às polícias militares (...) a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública" (§ 5º), razão pela qual não se justificaria um não agir dos poderes públicos, quer comissivo, quer omissivo.

 

Desse conjunto normativo depreende-se, sem qualquer dúvida, que os poderes públicos, através das forças armadas e da polícia, tinham o dever de agir para a defesa dos interesses da população, mas não o fizeram (seja comissivamente, seja omissivamente).

 

Estabelece, por sua vez, o art. 37 da Constituição Federal, que "A administração pública (...) de qualquer dos Poderes da União (...) obedecerá aos princípios de legalidade (...) e eficiência".

 

Já o § 6º, do art. 37, da Constituição Federal prevê que "As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".

 

Daí se tira que no direito brasileiro os "requisitos configuradores da responsabilidade civil do Estado são: ocorrência de dano; nexo causal entre o eventus damni [evento danoso] e a ação ou omissão do agente público (...); a oficialidade da conduta lesiva; inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado"1.

 

Ora, in casu, todos esses elementos se acham presentes: (i) o dano sofrido pelas empresas (diminuição de faturamento, perda de estoques etc.), (ii) o nexo de causalidade entre a atuação inconsequente ou omissão dos poderes públicos e o dano sofrido, (iii) a oficialidade da conduta ativa ou omissiva que causou os danos, e (iv) a inexistência de causa excludente da responsabilidade civil do Estado, dado que, se a "greve dos caminhoneiros" é fato que os poderes públicos não podiam evitar, fato é, também, que esse fato fortuito que excluiria o dever de indenizar do Estado fica suplantado, quer pelo seu "plano de ação" de não convocar as forças de segurança para desobstruir as estradas, quer pela sua conduta omissiva2. A atuação da administração pública, a tempo, poderia ter evitado, ou reduzido, drasticamente os danos sofridos pelas empresas, e isto era exigido pelo princípio da eficiência.

 

Como já se adiantou, primeiramente poder-se-ia argumentar que a atuação do Poder Executivo Federal, no caso da greve, a se tirar da manifestação do Sr. presidente da República de 28 de maio de 20173, demonstra que a sua inação não decorreu de uma omissão, mas, sim, de um plano de ação (decidiu-se não se convocar as forças de segurança para a desobstrução das vias públicas, mas, somente, negociar com as lideranças grevistas). Ora, nessa hipótese, a atuação desastrada do poder público gera o seu dever de indenizar.

 

Mas, mesmo que se entendesse que não houve a decisão administrativa de não se convocar as forças de segurança para a desobstrução das vias públicas, tem-se que a omissão do poder público em nada lhe socorreria.

 

Em qualquer das hipóteses estaria configurado o desrespeito ao princípio da eficiência.

Há muito já decidiu o Supremo Tribunal Federal que a "Administração pública responde civilmente pela inércia em atender a uma situação que exigia a sua presença para evitar a ocorrência danosa"4.

 

Fato é que somente com a edição do decreto 9.382/18, o Governo Federal autorizou "o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem em ações de desobstrução de vias públicas federais", o que se mostrou eficiente, terminando com os efeitos nocivos da greve então em vigor.

 

A determinação do(s) poder(es) público(s) responsável(is) (União, Estado ou Município) dependerá da análise do caso concreto, mas, salvo melhor juízo, a da União seria preponderante e inafastável.

 

Já a indenização abrangerá tudo o que se perdeu, mais o que razoável se deixou de lucrar. A depender do caso concreto, poder-se-ão incluir danos morais, além dos materiais.

 

A impossibilidade de se apurar, por ora, a extensão do dano não impede a propositura da ação indenizatória contra o poder público, já que o Código de Processo Civil permite, nessas hipóteses, a formulação de pedido genérico (art. 324, II), bem como a prolação de sentença ilíquida (art. 491).

 

Não se deve esquecer, outrossim, dos efeitos de todos esses fatos sobre o (in)cumprimento de obrigações, de contratos públicos e privados. Haverá, a favor dos contratantes que não conseguiram adimplir suas obrigações, a invocação da ocorrência de caso fortuito ou de força maior (art. 393 do Código Civil) ou de fato de terceiro6. Em qualquer caso, estar-se-ia frente a uma causa de inadimplemento não imputável ao devedor da prestação7, o que afastaria sua mora e, no limite, poderia levar à extinção da obrigação.
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1 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional Administrativo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 231.

2 Ibidem, p. 232.

3 Cerimônia de posse do ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, disponível em: <Clique aqui> [a partir dos 14 minutos]. Acesso em: 18/6/18.

4 RDA 97/177.

 

5 BUFFELAN-LANORE, Yvaine; LARRIBAU-TERNEYERE, Virginie. Droit Civil : Les Obligations. 12. ed. Paris, Sirey, 2010, nº 2.221, p. 770/771.

6 Assim: Giovanna Visintini, Trattato Breve della Responsabilità Civile, 2ª ed., Padova, Cedam, 1999, p. 172.


7 MESSINEO, Francesco. Manuale di Diritto Civile e Commerciale. 9. ed. Milano, Giuffrè, 1959, vol. 3º, p. 303. TREITEL, G. H. Frustration and Force Majeure. 3. ed. London, Sweet & Maxwell, nº 1-003, 2014, p. 5.

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*Paulo Guilherme de Mendonça Lopes é sócio do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados.

*Eduardo Maffia Queiroz Nobre é managing partner do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados.

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