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Dignidade da pessoa humana e o STJ, Eudes Quintino

Dignidade da pessoa humana e o STJ

Se todos são iguais perante a lei, o regramento isonômico não permite outra interpretação a não ser um posicionamento inequívoco em defesa da vida.

domingo, 2 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 13:42

A recente decisão da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça que, por maioria de votos concedeu o adicional de 25% do benefício pago pelo INSS a todos os aposentados que comprovem a necessidade de assistência e auxílio de outra pessoa, vem a ser a interpretação judicial mais condizente com o texto constitucional que apregoa, dentre outros princípios e fundamentos, a dignidade da pessoa humana.

Pedra basilar que é do texto constitucional, pinçada da Declaração Universal dos Direitos do Homem, homologada pela Resolução da Assembleia Universal das Nações Unidas, a referida dignidade, de conteúdo filosófico até, por perscrutar as necessidades impostas pela vida, fez-se presente no julgamento e de uma só tacada alcançou todos aqueles que, embora não sejam considerados legalmente inválidos, fazem jus ao plus diferenciador do benefício.

Pode-se dizer que a decisão adotou a nova postura jurisdicional, desatrelada daquela em que o magistrado, além de ser escravo da lei, limitava-se a pronunciar a vontade do legislador, como sentenciava Montesquieu. Trata-se, na realidade, de uma decisão norteada pelo mais sensato espírito humano e com os olhos abertos para a realidade social. Sob esse prisma passa a ser criadora e constitutiva, não de um novo direito, mas sim de um já existente e devidamente ajustado agora à realidade social. É a diferença entre Direito e lei, tão bem filtrada por Peixinho: Portanto, quando é estabelecida a distinção entre Direito e a lei, com a preferência pelo primeiro, há que se compreender que a ordem jurídica é constituída de valores e princípios e que a lei é apenas um dos componentes integradores da decisão judicial1.

É a demonstração de uma racionalidade prática e ponderação jurídica voltadas para uma decisão que vem revestida de um viés político, pois o Poder Judiciário, com certa frequência, transita por esta área. A esse respeito, Barroso pondera: Pois bem: em razão desse conjunto de fatores - constitucionalização, aumento da demanda por justiça e ascensão institucional do Judiciário-, verificou-se no Brasil uma expressiva judicialização de questões políticas e sociais, que passaram a ter nos tribunais a sua instância decisória final2.

E é importante observar que, embora a decisão tenha sido proferida no âmbito de recurso repetitivo, tem alcance difuso, abrangendo uma enorme gama de pessoas beneficiadas e que, até então, embora fossem reconhecidas suas necessidades, nenhum dispositivo tutelava direito de tamanha importância social. Nota-se no decisum claramente a visão antropocêntrica em que se busca o homem como o destinatário exclusivo de um determinado benefício que irá proporcionar a ele melhores condições para desenvolver seu projeto de vida, na ampla conceituação da dignidade que lhe é conferida constitucionalmente, observando sempre que a saúde é um direito e não um favor prestado pelo Estado.

A Constituição Federal não ungiu cidadãos de primeira e segunda classes e nem criou uma base utópica protetiva, aparelhando as pessoas com os mesmos potenciais. Toda pessoa humana contém, na sua imensa grandeza, o sentido próprio do universo, assim como é depositária de todo o valor da humanidade. Se todos são iguais perante a lei, o regramento isonômico não permite outra interpretação a não ser um posicionamento inequívoco em defesa da vida. Não há que se falar em defesa da "pessoa" e sim em defesa da vida, que é o bem mais caro, indisponível, devidamente entronizado num cenário de proteção estatal.

É certo que a decisão ainda não está coberta pelo manto da coisa julgada e cabe ainda recurso ao Supremo Tribunal Federal. Mas o avanço sinalizado é indicativo de que o direito à saúde é corolário inseparável da dignidade da pessoa humana.

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1 - Peixinho, Manoel Messias, A interpretação da constituição e os princípios fundamentais. São Paulo: Atlas, 2015, p. 81.

2 - Barroso,Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no brasil. Disponível em: . Acesso em: 18/8/2018.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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