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O processo civil e o processo do trabalho: irmãos com criações totalmente diferentes

A realidade de processos demorados e das prateleiras abarrotadas do Judiciário vem alimentando o próprio sistema ou, valendo-se de expressão da moda, o mecanismo.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:25

Números divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça, no relatório analítico de 2018, apontam que o tempo de duração dos processos na Justiça Comum ainda é bastante elevado se comparado a Justiça do Trabalho.

A despeito das críticas recorrentes no que tange ao excesso de informalidades, o fato é que o processo do trabalho há muito vem revelando bons resultados, cumprindo com o seu mister que é a efetividade jurisdicional.

Por outro lado, o processo civil, tido por sofisticado e alvo de discussões doutrinárias aprofundadas, deveras atrativas aos apaixonados pela matéria, não tem logrado o mesmo sucesso.

O Código de Processo Civil de 2015 ("CPC/15"), por sua vez, não apresentou as melhorias que se esperava em relação ao tempo de duração do processo, cometendo o mesmo erro da legislação revogada, qual seja: excesso de utensílios.

Numa analogia para facilitar a visualização da afirmação acima, é como se estivéssemos diante de dois indivíduos com o planejamento comum de dedicar as próximas férias à realização de longa caminhada. Como objetivo, ambos pretendem (i) caminhar a maior distância possível, no prazo de 30 dias, e (ii) ao menor custo possível.

O primeiro indivíduo, focado nos objetivos iniciais, limitou-se a comprar uma mochila leve, um par de sapatos adequados, uma muda de roupa apropriada, um recipiente de água, e barras de alimentos concentrados. O segundo, muito preocupado com os riscos da travessia e envolto a todas as opções de equipamentos possíveis para tornar mais segura a caminhada, adquiriu diversos itens: uma mochila de grande porte, com compartimentos para vários objetos; dois pares de sapatos da melhor linha; quatro tipos de roupas, para exposição ao sol e à chuva; dois recipientes de água, de modo a não passar aperto; alimentos concentrados em quantidade superior a estritamente necessária; e quite de primeiros socorros, acrescido de sinalizadores e bússola.

Os resultados práticos alcançados pelos dois foram totalmente diferentes. Embora ambos desejassem, repise-se, caminhar a maior distância possível, durante 30 dias, e ao menor custo, somente o primeiro conseguiu. O segundo, abarrotado de aparatos, teve o seu desempenho prejudicado, diante do peso dos equipamentos, e ainda onerou sobremaneira o seu orçamento.

Voltando ao nosso caso, o primeiro andarilho seria o processo do trabalho, enquanto que o segundo seria o processo civil.

Em alguma medida, parece-nos que a realidade de processos demorados e das prateleiras abarrotadas do Judiciário vem alimentando o próprio sistema ou, valendo-se de expressão da moda, o mecanismo. Esse contexto movimenta todo um mercado, que vai desde o litigante contumaz, passando por inúmeros cursos jurídicos, até todo o aparato judicial necessário para se tentar vencer a demanda.

Não há razão lógica para tantos milhões de processos repetitivos, como, por exemplo, os de natureza previdenciária, fiscal e consumerista, passando pelo mesmo trâmite processual. Ressalvados os casos pontuais, o maior bloco desses processos provém da reprodução literal de petições iniciais, contestações e decisões judiciais.

É preciso olhar para essa realidade com os olhos indignados do bom gestor, analisando o fluxograma como um todo, resolvendo os desperdícios, buscando as eficiências, eliminando atos repetitivos e que não agregam valor à cadeia.

O CPC/15, embora tenha evoluído em alguns pontos, não enfrentou o fluxograma do processo civil como poderia. Não se reviu a quantidade e duração das fases e dos atos em si. Não se olhou para o rito como uma cadeia de produção, por onde passam milhões e milhões de processos idênticos.

Vejamos apenas 3 (três) exemplos:

a) Introduziu-se a figura da audiência de conciliação/mediação como forma de solução consensual imediata, mas se remeteu a apresentação da contestação para os 15 (quinze) dias posteriores;

b) No segundo grau, criou-se a mais tosca de todas as figuras: o julgamento ampliado. Sucedâneo dos antigos, e há tempos desnecessários, embargos infringentes, o julgamento ampliado vem adiando a conclusão dos julgamentos e tumultuando a rotina dos advogados e dos magistrados de segundo grau; e

c) Por último, foi introduzido o incidente de resolução de demandas repetitivas ("IRDR"). O IRDR se funda na preocupação demasiada quanto à uniformização de jurisprudência no âmbito dos Tribunais, com vinculação do primeiro grau, quando sabidamente a Constituição Federal reservou este papel às cortes extremas. Terminou, ao final, por homenagear a uniformização da jurisprudência como valor absoluto, em detrimento da celeridade dos casos individuais.

É dizer, na prática as soluções em comento aumentaram o lead time do processo.

O processo civil está contaminado por um fluxograma inadequado à nova realidade, ao dinamismo das coisas. É imprescindível repensar o processo civil com o pragmatismo que a atualidade exige, extirpando a burocracia clássica e tendenciosa.

 

Portanto, cabe ao legislador se antecipar à iminente falência do sistema processual civil. Para isso, não é necessária outra reforma, mas ajustes pontuais e diretos que visem a acelerar a marcha processual.

Dito isso, e sendo este texto mais uma despretensiosa provocação à reflexão, sem o aprofundamento que um ou outro exemplo utilizado exigiria, esperamos ter contribuído com o pensamento jurídico.

 

 

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*João Paulo Neves Baptista Rodrigues é advogado, com especialização em processo civil.

 

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