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A nova sistemática do julgamento dos recursos especiais e extraordinários repetitivos no CPC de 2015, sob a perspectiva do princípio da duração razoável do processo e dos limites do efeito devolutivo

Boa parte dessas alterações foi considerada pela comissão de juristas um instrumento de complementação e reforço da eficiência do regime de julgamento de recursos repetitivos.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 16:59

A mensagem de encaminhamento do anteprojeto do CPC de 20151 ao presidente do Senado Federal deixa induvidoso o objetivo primordial "de tornar realidade a promessa constitucional de uma justiça pronta e célere" e revela as principais indagações que motivaram a Comissão de Juristas, encarregada de fornecer as respostas e perseguir as soluções dos problemas que vêm impedindo o alcance desse objetivo.

Na persecução da celeridade processual, depreende-se da exposição de motivos que a Comissão de Juristas apostou na adoção de medidas, entre outras, cujo objetivo seja "o julgamento conjunto de demandas que gravitam em torno da mesma questão de direito". Desta forma, resolvem-se em uma única ocasião diversos processos sobre o mesmo tema jurídico e, consequentemente, atenua-se a carga de trabalho do Poder Judiciário.

Com esses propósitos, o CPC de 2015 fez significativas modificações na sistemática de julgamentos de recursos extraordinários e especiais repetitivos, notadamente "a possibilidade de suspensão do procedimento das demais ações, tanto no juízo de primeiro grau, quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que estejam tramitando nos tribunais superiores, aguardando julgamento, desatreladamente dos afetados".

Estas breves notas, neste pequeno espaço, trazem alguns elementos para a reflexão de se a providência de suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, enquanto não julgado o recurso afetado, a fim de aplicar a todos os sobrestados a tese jurídica fixada pelos tribunais superiores, está de acordo com o Princípio Constitucional da Duração Razoável do Processo, assim como saber se isso é possível, diante dos limites do efeito devolutivo dos recursos.

A sistemática do julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos no CPC de 1973 e no de 2015

O sistema de julgamento de recursos extraordinários e especiais repetitivos foi introduzido no CPC de 1973 por meio dos artigos 543-B e 543-C.

Em linhas gerais, quando houvesse multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, cabia ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao STF ou ao STJ, conforme se tratasse de recurso extraordinário ou especial repetitivos, sobrestando os demais recursos, no âmbito de sua competência territorial, até o pronunciamento definitivo da corte.

Igual iniciativa podia ser adotada pelo ministro relator no Superior Tribunal de Justiça, hipótese em que poderia determinar a suspensão, nos tribunais de segunda instância, dos recursos nos quais a controvérsia estivesse estabelecida.

Dentre as alterações introduzidas pela lei 13.105, de 16 de março de 2015 (atual CPC) na sistemática do julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos convém citar:

(i) a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso, quando houver a remessa do recurso representativo da controvérsia para o tribunal superior;

(ii) diante da decisão de afetação pelo ministro relator, o sobrestamento automático do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, em qualquer instância ou tribunal, que versem sobre a mesma questão e tramitem no território nacional;

(iii) a fixação de prazo máximo de 1 (um) ano para julgamento dos recursos afetados;

(iv) a desafetação e retomada do curso normal dos processos suspensos, se extrapolado o prazo de 1 (um) ano;

 

Especial atenção merecem as inovações referentes aos itens (i) e (ii) acima.

Se antes o sobrestamento era apenas dos recursos especiais ou extraordinários que veiculavam idêntica matéria de direito, agora o sobrestamento é de todos os processos pendentes. Significa dizer que basta o juiz, diante de determinada ação tramitando em primeiro grau de jurisdição, ou o relator, diante de determinado recurso tramitando no segundo grau, identificar que nele versa idêntica matéria de direito à afetada para julgamento na sistemática de recursos repetitivos, que deverá determinar o sobrestamento do feito.

Fácil perceber que a intenção do legislador é paralisar todo e qualquer processo judicial, independentemente da fase ou instância em que se encontre, que contenha discussão jurídica cuja definição esteja pendente de julgamento pelas cortes de vértice para que, fixada a tese jurídica, seja imediatamente aplicada.

Por um lado, se o CPC determina a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes enquanto não decidida a matéria jurídica afetada, por outro confere prioridade absoluta ao julgamento do recurso representativo da controvérsia, fixando o prazo máximo de 1 ano, findo o qual - na sua redação anterior à lei 13.256/16 - dar-se-ia a cessação automática da suspensão e afetação desses processos, que retomariam seu curso normal, caso não respeitado o limite temporal (art. 1.037, §§4º e 5º).

Infelizmente, a disposição que previa a cessação automática do sobrestamento e afetação dos processos, após o decurso do prazo de 1 ano para julgamento do recurso representativo da controvérsia, foi revogada pela lei 13.256/16, que também modificou e introduziu vários dispositivos da versão originária do CPC/15.

A leitura atenta das principais modificações introduzidas pela lei 13.256/16 demonstra que atenderam muito mais aos anseios das cortes superiores e da magistratura em geral do que aos propósitos revelados na exposição de motivos e aos interesses dos jurisdicionados.

Prova maior de que tais alterações foram, precipuamente, em benefício do Poder Judiciário está na revogação da cessação automática da afetação e sobrestamento dos processos, se não fixada a tese no prazo de 1 ano. A quem serve essa mudança, senão ao próprio Poder Judiciário, uma vez que tais recursos demoram muito mais que 1 ano para serem definitivamente julgados nas cortes superiores?

José Carlos Barbosa Moreira2 sempre alertou para a falta de dados e estatística capazes de orientar as reformas legislativas a implementar ou confirmar as expectativas justificadoras das reformas legislativas realizadas. Sob outro ângulo e fundamentos, Roberto Kant de Lima e Bárbara Gomes Lupetti Baptista3 chamam a atenção para o distanciamento entre teoria e realidade no campo do Direito, gerando descompasso entre aquilo que os cidadãos desejam e o que a justiça lhes oferece, culminando em uma crise de (des)legitimidade desse Poder da República, para cujo aprimoramento sugerem a aproximação da Antropologia e do Direito e, em especial, a realização de pesquisas baseadas em método empírico.

Apenas para ilustrar, consulta realizada no sítio eletrônico do Superior Tribunal de Justiça, no dia 13/7/16, localizou 960 recursos especiais representativos de controvérsias repetitivas julgados e transitados em julgado até aquela data. Deste total, apenas 330 foram julgados em definitivo, no curto espaço de 1 ano, a partir da decisão de afetação. Ou seja, apenas 34% do total.

A realidade no STF é ainda pior. Em pesquisa realizada no seu sítio eletrônico, no dia 25/7/16, dos 290 recursos que tiveram repercussão geral reconhecida e foram julgados em definitivo, apenas 50 o foram no curto espaço de 1 ano. Ou seja, mais ou menos 17% do total.

Conclui-se, portanto, que o resultado prático da conjugação da ordem de sobrestamento automático de todo e qualquer processo que veicule controvérsia jurídica repetitiva afetada pelos tribunais superiores até que seja definitivamente resolvida, leia-se julgado o recurso representativo, implicará, na esmagadora maioria das vezes, em mais demora na prestação jurisdicional definitiva, em detrimento do princípio constitucional da duração razoável do processo.

Não é esse o único problema de paralisar todos os processos até que seja julgado o recurso representativo da controvérsia neles existentes, há outro, referente aos limites do efeito devolutivo.

Todos conhecem o notório brocardo tantum devolutum quantum appelatum, entre nós positivado de há muito, topograficamente inserido no capítulo da apelação, que é o recurso de maior devolutividade no nosso ordenamento jurídico4, mas que nos recursos extraordinários é bastante restringido5.

 

Além de o efeito devolutivo no âmbito do recurso especial ser reduzido, o mesmo ocorre com o efeito translativo das matérias de ordem pública, o que se justifica, principalmente, na função exercida pelo STF, que é, preponderantemente, preservar a unidade e a integridade da interpretação do direito federal.

 

A jurisprudência do STF e do STJ confirma a doutrina6.

 

O sistema do CPC de 1973 era absolutamente coerente com esse entendimento, notadamente porque para funcionar dependia da iniciativa de impugnação de determinada questão de direito, via recurso especial ou extraordinário, e o sobrestamento do recurso repetitivo era logicamente necessário, porque não haveria razão a justificar seu trâmite se a controvérsia já estava sendo apreciada em outro recurso.

Quando o Código de Processo Civil de 2015 determina o sobrestamento de todos os processos, em qualquer grau de jurisdição, e prevê que só retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior (art. 1.040,CPC), fica clara a intenção do legislador em transformar as cortes superiores em cortes de precedentes, que dão sentido ao direito. Ou seja, enquanto não se define o direito, todos os casos que dependem dessa definição ficam paralisados, à exceção do contido no §2º do artigo 1.036, que faculta ao interessado requerer o afastamento da decisão de sobrestamento do recurso que tenha sido apresentado intempestivamente.

De fato, se demonstrada a intempestividade do extraordinário ou do especial sobrestado, o acórdão recorrido transitara em julgado, sendo assim, a tese jurídica que vier a ser fixada pelo STF ou pelo STJ não poderá desconstituir a coisa julgada (salvo por meio de ação rescisória), não havendo razão para se manter sobrestado tal processo, que não sofrerá qualquer influência do que vier a ser decidido.

Por outro lado, não raro são os processos sobrestados em que a matéria afetada às cortes superiores não foi objeto da devida impugnação no recurso tempestivo pendente de julgamento, mas é ou foi controvertida na lide, matéria de fundo. Nesses casos, a tese fixada pela corte superior incidirá?

A resposta é negativa.

Parece que o legislador, em nome da celeridade e efetividade processuais, ao determinar o sobrestamento de todos os processos, quer que a tese jurídica fixada pelas cortes de vértice incida em todo e qualquer processo que não tenha transitado em julgado, independentemente dos princípios dispositivo, da disponibilidade e da voluntariedade recursal, e, também, para além dos limites da devolutividade inerente a todo e qualquer recurso. Isso, porém, não é possível.

Conclusão

O CPC de 2015, (i) erra quando determina a suspensão do processamento das demais ações, tanto nas instâncias ordinárias quanto dos demais recursos extraordinários ou especiais, que estejam tramitando nos tribunais superiores aguardando julgamento, desatreladamente dos afetados; (ii) produz mera ilusão quando fixa o prazo máximo de 1 ano para o julgamento dos recursos representativos das controvérsias repetitivas; (iii) erra quando não mais prevê a cessação automática da referida suspensão; e (iv) também erra quando determina, porque pressupõe incondicionalmente possível, a aplicação da tese jurídica fixada pelas cortes superiores a todos os processos suspensos.

Sob o aspecto exclusivamente temporal, é mínimo o número de recursos representativos de controvérsias repetitivas julgados em até 1 ano. A média, conforme se viu, é de 4 (quatro) anos. Por isso se conclui que a previsão legal é uma ficção, totalmente dissociada da realidade.

Mais grave ainda é a suspensão de todos os processos (antes limitada somente aos recursos excepcionais), independentemente da fase ou instância, desvinculada de um prazo máximo e atrelada à fixação e aplicação da tese jurídica pelas cortes superiores, que nem sempre será possível, conforme verificado ao longo da exposição.

Enfim, boa parte dessas alterações foi considerada pela comissão de juristas um instrumento de complementação e reforço da eficiência do regime de julgamento de recursos repetitivos. Talvez até desafogue o Supremo Tribunal Federal e o STJ, o que, se vier acontecer, não será por agora. Mas a nova sistemática só poderá ser considerada eficiente caso auxilie a prestação jurisdicional de qualidade, menos morosa aos olhos do cidadão; não do legislador ou do Judiciário.

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1 Todas as referências à mensagem disponíveis em clique aqui, acessado em 13/07/2016, às 14h09min.

2 BARBOSA MOREIRA, José Carlos. súmula, Jurisprudência, precedente: uma escalada e seus riscos. Publicado em Revista Dialética de Direito Processual, nº 27, 2005

 

3 LIMA, Roberto Kant de; LUPETTI BAPTISTA, Bárbara Gomes. Como a Antropologia pode contribuir para a pesquisa jurídica? Um desafio metodológico. Anuário Antropológico [Online], I | 2014, posto online no dia 01 Outubro 2014, consultado no dia 23 Dezembro 2015. URL : clique aqui; DOI : 10.4000/aa.618

4 "O que ocorre é que a impugnação carrega consigo o objeto da decisão impugnada, entregando-o, logo em seguida, ao responsável pelo rejulgamento. A ideia é propriamente a de um veículo que transporta, ou devolve, alguma coisa, a matéria impugnada, a alguém, o tribunal ou outra instância julgadora, tendo partido de uma origem, a instância recorrida." MENDES, Leonardo Castanho, O RECURSO ESPECIAL e o controle difuso de constitucionalidade, Ed. RT, SP, 2006, p. 161-162.

5 "... o STJ não é um tribunal ordinário em duplo sentido: primeiro, àquela corte não compete, segundo os princípios mais saudáveis, julgar questões de fato; segundo, a função constitucional avulta na preservação da unidade e da integridade na interpretação do direito federal. Em outras palavras o STJ não julga a causa integralmente, nos seus mais variados aspectos de fato e de direito. A circunstância de aplicar o direito à espécie, conforme estabelece o art. 257, in fine, do RISTJ, na linha preconizada pela Súmula STF, n. 456, pressupõe a exata delimitação da 'espécie' sob julgamento - única e exclusivamente a questão federal impugnada, individualizada nas razões do recurso (art. 541, I, CPC/1973), e decidida pelos tribunais inferiores. E julga a causa nesses termos, porque o STJ não constitui tribunal de cassação conforme o modelo francês. Não se limita a censurar o acórdão recorrido. Fixada a tese jurídica correta, aplica-a à espécie e reforma, nesta parte, o acórdão. É por essa relevante razão que se mostram insustentáveis as tentativas de alargar o efeito devolutivo para abranger todas as questões de ordem pública."ASSIS, Araken de. Manual dos recursos, 3. Ed. SP, RT, 2011.

6 (STF, 2ª Turma, AgRg Ag 153.595-5/SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. 25.10.1993), (STJ, 4ª Turma, AgRg no AREsp 531507 / SP, rel. Min. Marco Buzzi, j. 23.02.2016) e (EDcl no REsp 856509 / ES, Min. João Otavio Noronha, 4ª Turma, julg. 13/04/2010)

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*Fabio Farias Campista é mestre em Direito Processual - UERJ e sócio de CMARTINS Advogados.

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