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Aplicabilidade do art. 254-A da LSA em incorporações de companhias

O referido critério mínimo de 80% é previsto, exclusivamente, para a operação de alienação de controle de companhia aberta. Mas seria possível utilizar tal critério como base para a relação de troca entre ações dos minoritários e ações componentes do bloco de controle em outras operações, considerando que a LSA, por expressa previsão legal, atribui valor maior para ações de controle?

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 16:59

A lei das S.A. determina, quando há alienação de controle, a obrigação, pelo comprador, de fazer oferta pública ao minoritário em valor que lhe assegure o preço mínimo de 80% por valor de ação integrante do bloco de controle.

Esse dispositivo traz inúmeras discussões. A primeira diz respeito ao prêmio de controle (diferença entre o preço das ações componentes do bloco de controle e as demais) e a pessoa que seria titular desse prêmio (se o controlador ou o minoritário). Sob o ponto de vista de Modesto Carvalhosa, por exemplo, o art. 254-A da LSA, trazido pela lei 10.303/01, consagrou o principio do valor diferenciado de ações de mesma espécie (ações ordinárias), atribuindo ao bloco controlador uma mais-valia, por meio do recebimento por estes de preço superior ao das ações dos minoritários1.

A segunda refere-se ao direito de saída do minoritário (tag along) diante da mudança da figura do controlador. A doutrina por diversas oportunidades trata a relação entre o minoritário e o controlador como intuitu personae, ou seja, o investimento desses acionistas leva em consideração a confiança e a importância de determinado controlador.

Assim, se este for substituído, os minoritários se veriam desmotivados a seguir na companhia, já que eles não estariam mais vinculados a um controlador específico de seu interesse (a pessoa que justifica a participação societária minoritária).

O referido critério mínimo de 80% é previsto, exclusivamente, para a operação de alienação de controle de companhia aberta. Mas seria possível utilizar tal critério como base para a relação de troca entre ações dos minoritários e ações componentes do bloco de controle em outras operações, considerando que a LSA, por expressa previsão legal, atribui valor maior para ações de controle?

Essa discussão vem sido tratada no âmbito da Comissão de Valores Mobiliários e foi levado a julgamento pelo colegiado da CVM no denominado "Caso Duratex", reconhecido caso societário decorrente da divulgação de fato relevante pela Duratex S.A. ("Duratex") e a Satipel Industrial S.A. ("Satipel") acerca da associação entre as duas companhias. Resumidamente, o caso se deu nos seguintes termos:

 

a. A Itaúsa - Investimentos Itaú S.A. e Companhia Ligna de Investimentos, controladores respectivamente da Duratex e da Satipel, assinaram contrato irrevogável e irretratável de associação entre as empresas visando unificar as suas operações;

b. A operação seria implementada por meio de reorganização societária na qual a Satipel incorpora a Duratex, cujos acionistas receberiam ações ordinárias emitidas pela Satipel;

c. Seriam emitidas 348.785.970 ações ordinárias a serem atribuídas aos acionistas da Duratex, na seguinte proporção:

i. 3,05360401 ações de emissão da Satipel por ação ordinária da Duratex, na seguinte proporção; e

ii. 2,54467001 ações de emissão da Satipel por ação ordinária e preferencial da Duratex, detida pelos demais acionistas.

d. A companhia resultante seria denominada Duratex S.A., com ações listadas no Novo Mercado da BM&FBovespa, com free float de 40% do capital e o compromisso de manter os mais elevados padrões de governança corporativa.

 

Posteriormente, foi encaminhado ofício à Duratex com a solicitação de informar qual teria sido o critério utilizado na relação de troca entre as ações, bem como se os acionistas controladores da Duratex votariam na assembleia que decidisse pela incorporação.

 

Isso porque a CVM já tinha se manifestado no sentido de que os acionistas controladores estariam impedidos de votar, na forma do art. 115, parágrafo 1º, da LSA, em operações de incorporação nas quais a relação de troca atribuída as ações dos controladores fosse maior comparativamente às demais ações de emissão da companhia, caso tal diferença não fosse baseada em critérios objetivamente verificáveis, conforme previsto no Parecer de Orientação CVM 34/06.2

Em resposta ao ofício, a Duratex prestou alguns esclarecimentos, dentre os quais merecem destaque os seguintes:

 

a. Foram adotados como base da relação de substituição das ações preferenciais da Duratex por ações ordinárias da Satipel valores que foram fruto de negociação entre partes independentes, e cuja escolha se refletiu de forma bastante positiva nas condições das ações envolvidas a partir da divulgação da operação;

b. Com base neste valor, e sempre de forma objetiva, definiu-se um diferencial correspondente à diferença de direitos em caso de operações envolvendo o controle da companhia, nos termos do art. 254-A da lei societária e na alínea "c" do artigo 5º do estatuto social da Duratex, que assegura às ações preferenciais o mesmo direito das ações ordinárias dos acionistas minoritários, ou seja, 80% do valor recebido pelo acionista controlador; e

c. Na relação de substituição de ações estabelecida, esse valor objetivamente determinado no texto legal sofreu ainda uma redução, favorável aos acionistas minoritários, que irão receber ações da Satipel (como o novo nome de Duratex S.A.) com base em uma relação de substituição.

 

O principal ponto de discussão desse caso foi a existência de benefício particular do acionista controlador em razão da relação de troca mais favorável, conforme art. 115, parágrafo 1º, da LSA. Contudo, essa discussão passa pela legalidade dessa relação de troca, com base no art. 254-A, da LSA.

Ao final da discussão, vencidos os diretores Eli Loria e Otavio Yazbek, o colegiado deliberou, por maioria, nos termos do voto apresentado pelo Diretor Marcos Pinto, que (i) os controladores da Duratex não poderiam votar em assembleia geral relativa à incorporação da Satipel, em decorrência de conflito de interesses; (ii) em operações que estabeleçam relações de troca distinta para ações de diferentes espécies ou classes, todos os acionistas beneficiados estariam impedidos de votar; e (iii) na hipótese referida no item anterior, caso todos os acionistas com direito a voto estejam impedidos de votar, a companhia poderia convocar assembleia dos acionistas detentores de ações preferenciais para deliberar sobre a operação.

Em seu voto, Yazbek trata da discussão levantada pelo presente trabalho e pondera que é equivocada a equiparação entre as operações de alienação de controle as operações de incorporação de sociedade. Em sua visão apenas o primeiro tipo de operação justificaria o critério segundo o qual as ações dos minoritários corresponderiam a, no mínimo, 80% do valor das ações componentes do bloco de controle.

Ainda, neste contexto, faz a distinção entre as duas operações. Assevera que a alienação de controle é negócio bilateral entre controlador e terceiro, no qual as partes têm liberdade de negociação, ocasião em que se evidencia a diferença entre as ações componentes do bloco e as demais. Por sua natureza, essa operação gera um direito ao minoritário de alienar suas ações por um valor mínimo.

A operação de incorporação, por outro lado, acarreta uma mudança estrutural, que transplanta o minoritário para outra sociedade. O valor dessa parcela transplantada corresponde à avaliação patrimonial, conforme as proporções detidas.

O diretor Yazbek conclui, por fim, que a operação em comento busca repartir o patrimônio entre acionistas de forma distinta da distribuição original (de forma desproporcional), o que não seria possível em incorporação de sociedade. Segue ponderando que um direito do minoritário na incorporação seria uma imposição da incorporação, um verdadeiro drag along aos quadros da incorporadora. Daí porque haver benefício particular do controlador.

O diretor Loria vai pela mesma linha, acrescentando que a operação, como posta, seria ilegal, por gerar classes distintas de ações ordinárias, o que é vedado por força do art. 109, da LSA. Para ele, não se pode falar em prêmio de controle em operação de incorporação.

Por sua vez, o diretor Marcos Pinto, cujo posicionamento foi vencedor na decisão do colegiado da CVM, entende que a operação pode ser levada à votação em assembleia, desde que os controladores não votassem na deliberação da referida assembleia. No entanto, apesar desta divergência de entendimento, o entendimento do diretor Marcos Pinto se assemelhou ao de Yazbek e Loria no que se refere à aplicabilidade do art. 254-A da LSA para as incorporações envolvendo companhias abertas. Em sua opinião, esta hipótese de aplicação, que já foi afastada pelo colegiado, não deve ser considerada, uma vez que se tratam de operações distintas e que a incorporação, portanto, não dá ensejo à oferta descrita no referido dispositivo legal.

Parece-nos que predomina na doutrina o posicionamento segundo o qual o critério de 80% utilizado para a distinção entre bloco de controle e minoritários aplica-se exclusivamente às operações de alienação de controle, por expressa previsão legal. Conforme pondera Nelson Eizirik3, ao tecer considerações sobre a aplicação do art. 254-A, LSA:

 

Também não é exigida a realização de OPA por alienação de controle nos casos em que ocorre mudança de controle em decorrência de operações de incorporação (artigo 227), incorporação de ações (art. 252), fusão (art. 228) ou cisão (art. 229). Tais operações de reorganização societária são absolutamente distintas da operação de alienação de controle previstas neste artigo, razão pela qual não se pode estender para aquelas os efeitos que a lei da S.A. expressamente reservou às hipóteses de alienação de controle.

 

Por outro lado, este entendimento não é unânime na doutrina brasileira. Daniel Kalansky4, ao analisar o caso Duratex, em linha com o entendimento do prof. Erasmo Valladão, conclui que não seria hipótese de benefício particular, já que a própria LSA reconhece a possibilidade de se atribuir valor maior às ações componentes do bloco de controle.

Apesar de divergências doutrinárias a respeito da aplicabilidade do art. 254-A para a definição da relação de troca em casos de incorporação de companhia aberta, e de argumentos trazidos em discussões na CVM no sentido de ser aplicável tal dispositivo nestas operações, já há um entendimento que vem se consolidando em decisões da CVM quanto à inaplicabilidade da oferta pública de ações prevista no mencionado artigo nestas hipóteses e, consequentemente, o afastamento de sua utilização como parâmetro na relação de troca de ações.

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1 CARVALHOSA, Modesto. Comentários à lei de sociedades anônimas, 4º volume: tomo II: Arts. 243 a 300: Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976 - 5. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2014. p. 202.

2 Os subscritores do presente entendem que referido parecer não se aplica ao caso, pois não se trata de operação entre partes relacionadas (companhias de controle comum).

3 EIZIRIK, Nelson. A Lei das S/A Comentada (segunda edição). Vol 4. Quartier Latin. 2015: p. 329.

4 KALANSKY, Daniel. Incorporação de Ações: estudo de casos e precedentes. São Paulo: Saraiva, 2012: p. 246.

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*Nikolas Zara é advogado do Machado Meyer Advogados.

*Gustavo Siqueira Calazans é advogado do escritório do KLA - Koury Lopes Advogados.

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