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Brasil, eleições 2018: a análise dos números de votos do vencedor, do perdedor e brancos, nulos e abstenções

O resultado das urnas das eleições de 2018 mostra que o país está dividido. Há diferenças de opiniões políticas. Mas, o mais preocupante é o discurso dos futuros governantes quanto às medidas de segurança, a serem adotadas, para supostamente combater a violência, em nosso país.

quarta-feira, 7 de novembro de 2018

Atualizado em 5 de novembro de 2018 16:34

Os números de votos nas eleições para o cargo de presidente da república são significativos. Somos 147 milhões de eleitores.

Do total de votos válidos (104.838.753), o primeiro colocado conquistou 57,797.848 milhões de votos (55,13%).

O segundo colocado obteve 47 milhões (44,87%) de votos.

Mas, 1/3 (aproximadamente, um terço) do total de votantes (42,1 milhões de eleitores) não escolheu nem Jair Messias Bolsonaro (PSL) nem Fernando Haddad (PT) para presidente.

Diferentemente, optaram pela abstenção: 31.371.704 (21,30%). Optaram pelo voto branco: 2.486.593 (2,14%). Optaram por anular o voto: 8.608.105 (7,43%).

Ora, esta massa de votos brancos, nulos e abstenções é significativa. Uma das conclusões possíveis desta manifestação política nas urnas é que as duas opções de candidatos presidenciais ofertadas aos eleitores foram rejeitadas.

Portanto, se somarmos o total de votos do candidato derrotado (47 milhões), mais o número de votos brancos, nulos e abstenções (42,1) milhões de eleitores, temos o universo de 89 (milhões) de votos que não fizeram a sua escolha pelo candidato vencedor.

Também, é notório o fato de que parcela significativa dos votos conferidos ao vencedor foi motivada pela rejeição à outra candidatura.

Esse é o dilema da democracia representativa. Forma-se novo governo, com maioria relativa de votos válidos. Mas, o presidente da república, na condição de chefe de Estado e de Governo, tem que governar para todos os brasileiros e brasileiras. Afinal, "salus populi suprema lex": o bem-estar do povo é a lei suprema".1

O povo brasileiro encontra-se sob a necessidade e a esperança. Necessidade de sobreviver, mediante trabalho e renda. Esperança de ter um futuro melhor para si e para seu país. Em cada eleição, renova-se o clamor por soluções de governo para a necessidade do povo brasileiro, a esperança por um futuro melhor do que o presente e o passado.

Segundo a mitologia clássica dos gregos, a necessidade é a divindade Ananche e a esperança é Elpis. Moira, o destino, é a filha da necessidade. As moiras são as três irmãs que determinavam o destino dos deuses e da humanidade. Elas fazem girar a roda da vida, a roda fortuna (do destino) dos homens e mulheres.

Uma moira fabrica o fio da vida (Cloto). Outra tece o fio da vida (Láquesis), decidindo a boa ou má sorte de todos: o topo ou o fundo. E a terceira corta o fio da vida (Átropos). São as fiandeiras que manipulam os fios da vida, os nós, as teias e as tramas.

Os gregos designavam a Fatalidade como moira ou moirai, que dosam e regram a distribuição de bem e de mal. A jurisdição das moiras é a definidora da sorte e/ou azar da humanidade, dos homens e mulheres; elas traçam o destino da humanidade, para o bem e/ou para o mal.2 Elas se identificam à vontade de Deus (Zeus), fazendo o serviço da justiça divina.

Na história da humanidade, o desafio é unir a necessidade e a esperança dos povos.

Mas, na dinâmica deste jogo universal, o êxito desta união é inseparável da possibilidade do engano e ilusão.3 E a esperança, aprisionada, na caixa de Pandora, não espera ser realizada no mundo.

A salvação, paradoxalmente, não está na esperança!4 A caixa de Pandora foi aberta, desencadeando todo o tipo de forças indesejáveis na humanidade! Apenas a esperança continuou aprisionada dentro da caixa de Pandora! Paradoxalmente, a salvação não está em Deus e/ou seus representantes, mas na ação prática, a serviço do bem estar do povo.

Dentro deste contexto, a política tem este poder universal: despertar as forças de criação do bem, de conservação ou de destruição!

Ora, o pêndulo político oscila entre os regimes democráticos, autoritários, populistas e demagógicos, e tirânicos! Daí o desafio quanto à responsabilidade política quanto à condução de uma nação do tamanho do Brasil, com o estrito cumprimento da Constituição do Brasil, bem como das regras do jogo democrático. A maturidade política requer a compreensão da dinâmica do jogo democrático, bem como do papel de suas instituições, como a presidência da república, o Congresso Nacional, o Judiciário e a imprensa livre.

Aqui, vale lembrar as palavras de Thomas Jefferson (1743-1826), terceiro presidente dos Estados Unidos, ao tratar da luta entre opiniões políticas diferentes:

"Todos, também, terão em mente este sagrado princípio que, conquanto a vontade da maioria prevalecer em todos os casos, essa vontade, para ser legítima, tem que ser razoável: que a minoria possui iguais direitos, que leis iguais devem proteger e que violá-los seria opressão. Unamo-nos, pois, concidadãos, como um só coração e um só espírito, restituamos às relações sociais essa harmonia e afeição sem as quais a liberdade e a própria vida teriam triste feição". E concluiu Jefferson que a luta pela liberdade religiosa, que causou inúmeras mortes, dividiu opiniões quanto às medidas de segurança.5

Enfim, o resultado das urnas das eleições de 2018 mostra que o país está dividido. Há diferenças de opiniões políticas. Mas, o mais preocupante é o discurso dos futuros governantes quanto às medidas de segurança, a serem adotadas, para supostamente combater a violência, em nosso país. Um discurso político com risco potencial sobre o futuro dos direitos humanos, frutos conquistados na Constituição de 1988, após o regime da ditadura miliar.

Medidas de retórica e/ou medidas de encenação política não são suficientes para resolver graves problemas nacionais. A impopularidade atual dos direitos humanos pode ser o grave sintoma do que virá daqui para a frente.

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1 Locke, John. Segundo tratado sobre o governo civil. São Paulo: Edipro, 2014, p. 124.

2 Hesíodo. Teogonia dos deuses. Estudo e tradução por Jaa Torrano, São Paulo: Iluminuras, 1992 p. 80-81.

3 Ver: Agamben. Giorgio. A Aventura, Belo Horizonte, Autêntica Editora, 2018, p.23

4 Obra citada, p. 64.

5 Villa, Marco Antonio. A história em discursos. 50 discursos que mudaram o Brasil e o mundo. São Paulo: Planeta, 2018, p. 70-71.

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*Ericson M. Scorsim é advogado, consultor em Direito Público e sócio do escritório Meister Scorsim Advocacia.

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