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Tribunal: um lugar sagrado

Nesse espaço sagrado, devo me comportar como na igreja, na sinagoga, no templo.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Atualizado em 11 de outubro de 2019 17:13

Outra vez, volto ao tema dos julgamentos nos tribunais. Cada qual vê o mundo com os olhos de sua cultura, de sua experiência. Mas isso não significa perder a oportunidade de aprender e entender as tradições, muito menos justifica desprezar os procedimentos que se firmaram no comportamento das pessoas por anos, décadas e séculos.

Faço esta introdução preocupado com os jovens que frequentam escolas de Direito, mas nem sempre encontram mestres na arte da advocacia. Assim, confundem o real com o imaginário e agem, copiando padrões do cinema, não como verdadeiros advogados. Embora cenas de filmes possam nos inspirar na gesticulação e na oratória, longe estão das melhores técnicas de exame de testemunhas, interrogatórios e manifestações orais perante magistrado, ou colegiado.

No Brasil contemporâneo, a permanência de padrões e de valores de um grupo no tempo, muitas vezes, passa a ser encarada como algo retrogrado, conservador. Um pretenso espírito democrático estaria a exigir um tratamento igualitário entre as pessoas, por meio do qual desapareceriam pronomes de tratamento, bem como as reverências à autoridade. Ledo engano, no sentido latino desse adjetivo.

O advogado necessita pôr na cabeça que não surge igual a um juiz de Direito e não deve tratá-lo, sem acatamento e distância. Ao contrário da conjectura do leigo, devemos ser sempre formais com tais funcionários públicos e mostrar intimidade com eles pode significar até mesmo ilicitude no processo judicial, se esta proximidade importar a perda da imparcialidade (art. 145, I, do CPC).

Não se prega aqui a subserviência, apenas a polidez e o hábito de abordar os magistrados de modo formal. Até mesmo para lhes dizer que procedem errado, que há injustiça e que não podem nos tratar sem modos. O bem-educado no tribunal pode exercer a defesa na plenitude, sem medo de suas manifestações, sem temor das consequências advindas das suas palavras, se age com vínculo aos fatos e com o subsídio da lei.

Nossa linha de raciocínio, tomo de empréstimo uma ideia de Mircea Eliade (O sagrado e o profano, São Paulo, Martins Fontes Ed., 1996, p. 25 e segs.): o tribunal se constitui num espaço sagrado. Naquele lugar, há um centro de emanação de justiça, tomam-se decisões que mudam a vida de indivíduos, de famílias, de grupos sociais. A manifestação de provimento jurisdicional na sala de julgamento pode afetar milhares, milhões de pessoas, ou a solitário que ficará marcado com aquele momento por longo período da existência. Vida, liberdade, igualdade, privacidade, patrimônio transmudam-se a contar da escolha (ou, juízo de valor) de um magistrado, na sessão de julgamentos.

Ninguém consegue, nessa acepção, tratar o local do tribunal como espaço homogêneo e neutro. Existe uma diferença qualitativa que o transforma em eixo de orientação da sociedade, que, para o religioso, o aproxima de Deus (ou, para alguns, das leis da natureza). Cuida-se de um locus forte, cheio de significado.

Pois bem. Nesse espaço sagrado, devo me comportar como na igreja, na sinagoga, no templo. Tenho de acatar o ritual. Preciso me entender, compreender meu papel. Necessito respeitar os juízes de Direito. E, o mais importante, conservar na mente a convicção de que ali estou para exercer um múnus, o qual me enche de coragem e disposição para realizar a defesa de meu cliente.

No espaço sagrado da corte, o advogado se apresenta essencial ao fim último de ver aplicada a lei e reconhecida a justiça (art. 133, da CR). No dia do julgamento, encontra-se no centro do mundo, perante o divino, inclusive, se assim crê. Portanto, na sessão de julgamento, deve agir como quem conserva a tradição, considera a ordem do rito, mas quer reconhecidos direitos essenciais, sem tergiversação, sem medo. Essa é nossa sagrada missão e nosso ofício.

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*Antônio Sérgio de Moraes Pitombo é sócio do escritório Moraes Pitombo Advogados. Advogado. Mestre e doutor em D. Penal (USP). Pós-doutor pelo Ius Gentium Conimbrigae (Univ. de Coimbra).

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