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As indefinições em torno da constitucionalidade do FUNRURAL e da responsabilidade pelo seu recolhimento

Cristiane I. Matsumoto Gago, Diego Filipe Casseb e Guilherme Gregori Torres

Embora ainda exista o risco de questionamento pelas autoridades fiscais no caso de empresa que deixa de recolher e/ou reter o FUNRURAL, as decisões judiciais recentes são um importante sinal de que a cobrança ainda pode ser debatida e as empresas interessadas têm bons argumentos para afastar a cobrança do FUNRURAL, devendo fazê-lo por meio de ação judicial específica para esse fim.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Atualizado em 16 de outubro de 2019 17:52

O questionamento judicial sobre a validade da cobrança da contribuição previdenciária devida pelo produtor rural (FUNRURAL) não é novidade no Judiciário. A contribuição inicialmente instituída pelo decreto-lei 276/67 e sucessivamente reformulada pelas leis 8.212/91, 8.540/92, 9.528/97, 10.256/01 e 13.606/18 é objeto de intensa discussão no âmbito do STF. No total são quatro os recursos extraordinários com repercussão geral reconhecida sobre o assunto: RE 363.852, 596.177, 718.874 e 761.263.

  • Breve histórico da discussão

No julgamento dos RE 363.852 e 596.177, o Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade da contribuição devida pelo empregador rural pessoa física, com relação às contribuições devidas durante a vigência das leis 8.540/92 e 9.528/97. Dentre os fundamentos analisados, prevaleceu que a CF/88 não previa hipótese de dupla incidência de contribuições sobre a mesma base de cálculo, já que o empregador rural estaria sujeito ao pagamento da COFINS e do FUNRURAL, além do que houve indevida majoração da base de cálculo permitida pela CF/88 (faturamento).

Posteriormente, no disputado julgamento do recurso extraordinário 718.874 (placar: 6x5 contra os contribuintes), o Plenário do STF decidiu pela constitucionalidade do FUNRURAL devido pelo empregador rural pessoa física após a lei 10.256/01. Em síntese, prevaleceu o entendimento de que, após o advento da EC 20/98, a contribuição poderia ser cobrada, pois a referida EC alterou o art. 195 da CF/88 para prever a receita (e não só o faturamento) como base de incidência das contribuições sociais.

Por sua vez, aguarda-se que o STF julgue o recurso extraordinário 761.263, que trata da constitucionalidade da contribuição devida pelo segurado especial (e mantida para o empregador rural) sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção, nos termos do art. 25 da lei 8.212/1991, desde sua redação originária.

  • A inconstitucionalidade superveniente do FUNRURAL

Em uma primeira análise, a controvérsia a respeito do FUNRURAL devido pelo produtor rural pessoa física estaria encerrada, sendo devida a contribuição a partir da lei 10.256/01. Permaneceria em aberto apenas a análise quanto ao FUNRURAL devido pelo segurado especial.

Entretanto, conforme será demonstrado a seguir, o julgamento do RE 761.253 (Tema 723) impactará diretamente o entendimento firmado pelo STF no julgamento do Tema 669 (RE 718.874). Nessa última oportunidade, decidiu-se pela constitucionalidade do FUNRURAL, pois a base de cálculo da contribuição para o segurado especial (artigo 25 da lei 8.212/91, com alterações) sempre foi mantida e não foi declarada inconstitucional, e a lei 10.256/01 apenas sujeitou novamente o empregador pessoa física à mesma base de cálculo já existente e em vigor para o segurado especial, após autorizado pela EC 20/98.

Em decorrência disso, na hipótese de o E. STF julgar inconstitucional a base de cálculo da contribuição devida pelo segurado especial (ao apreciar o RE 761.253 - Tema 723), consequentemente deverá ser reconhecida a inconstitucionalidade também da base de cálculo da contribuição devida pelo empregador pessoa física, que é a mesma.

Assim, da mesma forma em que a lei 10.256/01 foi declarada constitucional por incluir o empregador como submetido à base de cálculo vigente para o segurado especial, contrario sensu, a referida Lei perderá sua validade caso essa base de cálculo (em discussão no RE 761.253 - Tema 723) seja reconhecida inconstitucional.

  • A discussão sobre o recolhimento por sub-rogação

Não obstante a potencial inconstitucionalidade superveniente do FUNRURAL, deve-se reconhecer também a inconstitucionalidade e a ilegalidade de seu recolhimento por sub-rogação pelo adquirente de produção rural.

O instituto da sub-rogação, previsto pelo art. 30, inciso IV, da lei 8.212/91, foi estabelecido pela lei 8.540/92 e restabelecido somente pela lei 9.528/97. A lei 10.256/01, declara constitucional pelo STF, apesar de restabelecer o FUNRURAL, foi silente quanto à sub-rogação.

Assim, como os dispositivos das leis 8.540/92 e 9.528/97 (que tratam sobre a sub-rogação) foram declarados inconstitucionais pelo STF e a lei 10.256/01 nada dispõe sobre o assunto, não há norma vigente que determine o recolhimento do FUNRURAL por sub-rogação. Em outras palavras, o FUNRURAL, ainda que seja considerado constitucional, não pode ser exigido do adquirente da produção rural, seja em relação à produção do empregador pessoa física, seja em relação à produção do segurado especial, por falta de previsão legal.

Além da declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos legais que preveem o recolhimento do FUNRURAL por sub-rogação, em 19/9/17, foi publicada a resolução do Senado Federal 15/17, que suspendeu a execução desses dispositivos declarados inconstitucionais pelo STF.

Dessa forma, ao exigir tributo com base em dispositivo suspenso por resolução do Senado Federal, independentemente do seu conteúdo e validade, as Autoridades Fiscais estarão contrariando ato de competência privativa do Senado Federal, em desrespeito à harmonia e separação dos poderes e à legalidade no âmbito da administração pública.

A Receita Federal1 e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional2 já se manifestaram de forma contrária à tese de inconstitucionalidade e ilegalidade do recolhimento do FUNRURAL por sub-rogação, por entenderem que o STF declarou a contribuição constitucional a partir da lei 10.256/01 e a resolução do Senado Federal 15/17 extrapolaria a sua competência, uma vez que suspenderia a execução de dispositivo legal não analisado pelo STF.

Não obstante, destacam-se decisões recentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região3, bem como da Justiça Federal do Distrito Federal4, que suspenderam a retenção e o recolhimento do FUNRURAL por sub-rogação com base no julgamento dos RE 363.852 e 596.177 e na resolução do Senado Federal 15/17. De acordo com as decisões, o STF declarou a inconstitucionalidade das leis 8.540/92 e 9.528/97, que trouxeram o recolhimento do FUNRURAL por sub-rogação, e a lei 10.256/01, apesar de ter sido declarada constitucional, não trata do instituto da sub-rogação. Além disso, a resolução do Senado Federal 15/17 teria expressamente suspendido a execução do art. 30, inciso IV, da lei 8.212/91.

  • Conclusão

Diante do exposto, embora ainda exista o risco de questionamento pelas autoridades fiscais no caso de empresa que deixa de recolher e/ou reter o FUNRURAL, as decisões judiciais recentes são um importante sinal de que a cobrança ainda pode ser debatida e as empresas interessadas têm bons argumentos para afastar a cobrança do FUNRURAL, devendo fazê-lo por meio de ação judicial específica para esse fim.

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1 Solução de consulta DISIT/SRRF04 4.030, de 12/09/2018 e solução de consulta COSIT 92, de 13/8/18.

2 Parecer PGFN/CRJ/Nº 144717.

3 Apelação/Remessa necessária 0000284-26.2017.4.03.6100/SP, Primeira Turma, Des. Fed. relator Wilson Zauhy, Dje: 11/10/18.

4 Processo 1018388-55.2017.4.01.3400, Juíza Federal Kátia Balbino de Carvalho Ferreira, 3ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Distrito Federal, proferida em 22/6/18.

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*Cristiane I. Matsumoto Gago é sócia da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.

*Diego Filipe Casseb é associado da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.

*Guilherme Gregori Torres é associado da área previdenciária de Pinheiro Neto Advogados.








*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico. © 2019. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS

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