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O terceiro em face da seguradora - inteligência da súmula 529 do STJ

Nara de Almeida Giannelli Beleosoff

Para melhor compreensão da súmula em referência, mister previamente se elucidar quanto ao seguro em si e sua cobertura de responsabilidade civil, bem como quanto à legislação de regência.

segunda-feira, 22 de abril de 2019

Atualizado em 17 de abril de 2019 17:03

Em maio de 2015, o STJ editou a súmula 529 que determina que "no seguro de responsabilidade civil facultativo, não cabe o ajuizamento de ação pelo terceiro prejudicado direta e exclusivamente em face da seguradora do apontado causador do dano".

Tal súmula, vale alertar, não tem o fito de prejudicar o terceiro na busca de sua pretensão. A súmula busca justeza e comprometimento com a verdade, que somente é possível quando o segurado participa da demanda.

Para melhor compreensão da súmula em referência, mister previamente se elucidar quanto ao seguro em si e sua cobertura de responsabilidade civil, bem como quanto à legislação de regência.

Pois bem.

A Circular SUSEP 269/04 estabelece, altera e consolida as regras e critérios complementares de funcionamento e de operação dos contratos de seguros de automóveis, com inclusão ou não, de forma conjugada, da cobertura de responsabilidade civil facultativa de veículos e/ou acidentes pessoais de passageiros.

A cobertura do seguro de automóvel mais comumente contratada é a denominada compreensiva (colisão, incêndio e roubo); incêndio e roubo; colisão e incêndio; responsabilidade civil facultativa de veículos (RCF-V); acidentes pessoais de passageiros (APP).

Por sua vez, a cobertura responsabilidade civil facultativa de Veículos (RCF-V) tem o fito de reembolsar ao segurado a indenização a  qual esteja obrigado, judicial ou extrajudicialmente, a pagar em consequência de danos corporais e/ou materiais involuntários causados a terceiros.

Existem seguros obrigatórios, como por exemplo o DPVAT, e desta forma o seguro de RCF-V deverá ser contratado a segundo risco, de modo que somente será acionado no que exceder ao prejuízo que for coberto pelo seguro obrigatório. O STJ, inclusive, já editou, lá atrás, a súmula 246 neste sentido: "O valor do seguro obrigatório deve ser deduzido da indenização".

Já o Código Civil, no caput do art.787 determina que " No seguro de responsabilidade civil, o segurador garante o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiro".

Dito isto, conclui-se que o seguro de dano visa cobrir a indenização que o segurado tiver que adimplir junto ao terceiro prejudicado em razão de um sinistro. Ou seja, a figura mais importante do seguro de responsabilidade civil facultativa é a obrigação imputável ao segurado de indenizar o outro, o terceiro.

E, justamente por isso, não se admite que o terceiro acione única e exclusivamente a seguradora, pois necessária a participação do segurado para fins de esclarecimento da sua responsabilidade civil, ou não, no sinistro.

A ausência do segurado na lide implica na vulneração do devido processo legal e da ampla defesa. Isso porque a condenação do segurado e, por consequência, da seguradora dentro dos limites pactuados, somente ocorrerá se comprovada a culpa ou dolo do segurado no acidente em si. Portanto, a integração do segurado na lide é imprescindível.

Ademais, não se pode olvidar para o fato de que a simples assunção da culpa pelo segurado implique na obrigação da seguradora em indenizar. Ora, a depender das circunstâncias em que o sinistro ocorra é plenamente possível que a seguradora se exima da sua obrigação contratual de reembolsar o segurado pela responsabilidade que lhe fora imputada. Exemplo típico é o agravamento de risco provocado pela embriaguez voluntária ou por ato ilícito por parte do segurado. Aqui, o segurado é sim condenado ao pagamento das indenizações devidas, ao passo que a seguradora se desobriga por completo.

De outro norte, a apuração da culpa arguida pelo terceiro em face do segurado apenas poderá ser apurada, em suas exatas dimensões, quando há a participação efetiva do segurado na lide, nas provas por ele produzidas e nas informações por eles prestadas. Sem a figura do segurado para esclarecer e participar da apuração da culpa ou do dolo, bem como do liame causal com o sinistro, pontos nodais da responsabilidade civil, corre-se o risco de a  seguradora indenizar o terceiro por dano que este mesmo causara a si.

Outro ponto que merece destaque é a leitura a contrário sensu da súmula em comento. Ou seja, se ao terceiro há óbice para demandar exclusivamente em face da seguradora, plenamente possível que ingresse em face de ambos, segurado e seguradora. E, indo além, possível também a demanda apenas em face do segurado, quando este, então, denunciará à seguradora à lide (art. 787, § 3º, CC c/c súmula 537 do STJ).

Conclui-se, portanto, que a súmula 529 do STJ traz segurança jurídica, pois impõe a participação do segurado nas demandas em que se discute a sua responsabilidade civil, já que a sua configuração é conditio sine qua non para adimplemento da indenização securitária por parte da seguradora, logicamente respeitados os limites contratados e possíveis exclusões de cobertura.

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*Nara de Almeida Giannelli Beleosoff é advogada sócia do escritório Jacó Coelho Advogados.

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