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Jogando fora o jornal

Outra mudança, menos óbvia esta, coincidiu com a posse do novo governo, em 1° de janeiro. Quando me dei conta, estava lendo os jornais de trás para a frente.

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Atualizado em 25 de abril de 2019 14:02

Às vezes custo um pouco a adquirir novos hábitos, coisa da idade talvez. Até dois anos atrás, eu era inteiramente dependente de uma agenda analógica, quer dizer, de um lindo caderninho com pequenas folhas de papel onde anotava meus compromissos.

Aí, veio um período de transição, na tentativa de usar também a agenda eletrônica do celular e sua família. Acabei perdendo vários eventos e alguns amigos, pois às vezes um agendamento estava no papel e eu consultava o aparelho, noutras se dava o contrário. Finalmente, no ano da graça de 2019, completou-se a migração, e hoje vivo feliz com minha agenda digital. Claro, ainda perco alguns compromissos, mas aí a falha é humana: ou não anotei, ou não consultei, e assim por diante. Acontece, desculpem.

Outra mudança, menos óbvia esta, coincidiu com a posse do novo governo, em 1° de janeiro. Quando me dei conta, estava lendo os jornais de trás para a frente. Uma grande satisfação com o caderno de cultura, um olho distraído no mercado, certa excitação com as mazelas do cotidiano e, finalmente, a dura realidade da política, tanto nacional quanto internacional.

Parece que muitas flechas se inverteram, chegou a vez de as direitas reprimidas se esbaldarem e cuspirem em toda forma de generosidade que as últimas décadas nos estimularam a praticar, com o clima, o ambiente, a cultura, as minorias, os desfavorecidos. Numa atmosfera quase escatológica, somos obrigados a assistir a esse soturno espetáculo, esperando que seja passageiro e não deixe grandes sequelas.

Por fim, tomei coragem e cancelei quase todas as minhas assinaturas de jornal.  Menos uma, que não vou revelar, pois não sou garoto propaganda e não sei quanto tempo dura. Cancelei, não, é modo falho de dizer. Troquei o papel pelo digital. Com um tablete de grande formato, agora tenho o prazer de abrir vários jornais, ver as capas, ir direto à dura realidade, mas principalmente aos meus cronistas favoritos. Melhor do que conversar com o Carlos, é trocar ideias com a Tati, o Ancelmo e o Elio, ou ver as antecipações da Monica e da Sônia.

Claro, vou sentir falta do cheiro do papel e da tinta, talvez por isso tenha mantido um cotidiano à mão. O precioso tempo matinal de leitura encurtou, e terminou a culpa de jogar fora o precioso material. O muito menor, a economia mensal justifica o investimento num aparelho de primeira. 

Os jornais de Recife, Londres ou Roma chegam logo cedo, junto com os nossos, até antes. E, benefício adicional, não é mais preciso espremer os olhos para tentar ler as letrinhas miúdas. Num rápido movimento conjugado do indicador com o polegar opositor, as notícias crescem como por encanto. Até podemos recortá-las, gravá-las, imprimi-las, postar na rede ou mandar aos amigos. 

Tempos modernos, com seus aspectos sombrios, mas também com suas delícias. É bom que nosso cérebro saiba se adaptar e tirar proveito das inovações tecnológicas. A vida pode ficar mais fácil, mais rica e mais comunicativa. Resta esperar que nossas cabeças não se deixem contaminar pelo pugilato digital que, no momento, invadiu e pretende dominar a política.  Platão poderia até adorar um celular, mas não ia acreditar no que estão fazendo com a tal da democracia.  

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t*Eduardo Muylaert é advogado no escritório Muylaert, Livingston e Kok Advogados.

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