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O STF e os medicamentos sem registro na ANVISA

O registro junto à ANVISA representa para o cidadão brasileiro o selo de garantia que irá atestar a segurança, eficácia e qualidade do medicamento.

domingo, 2 de junho de 2019

Atualizado em 31 de maio de 2019 12:40

Relevante tema, de interesse geral, foi colocado em julgamento perante o pleno do Supremo Tribunal Federal (RE 657.718), que discutiu a respeito da obrigatoriedade do Estado de fornecer medicamento que não ostenta registro na ANVISA. A Suprema Corte estabeleceu a fixação de teses a respeito da questão, que há muito vem rondando os tribunais e recebendo diferentes decisões. Uma delas foi no sentido de que a ausência de registro na ANVISA impede, como regra geral, o fornecimento de medicamento por decisão judicial.1

Com acentuada insistência a última década reafirmou a judicialização da saúde ou até mesmo a Biologização do Direito, levando-se em conta o infindável número de ações ajuizadas a respeito dos direitos relacionados à saúde, principalmente após o alargamento constitucional previsto no artigo 196 da Constituição Federal. O cidadão passa a ser sujeito de pleno direito e o Estado, o detentor da obrigatoriedade de cumprir todas as metas estabelecidas nas políticas sociais que visem reduzir o risco de doenças, compreendendo o acesso universal e igualitário às ações e serviços que tenham por objetivo sua proteção e recuperação quando enfermo e sem condições financeiras de arcar com os custos dos medicamentos.

Apesar de se constatar um exagerado crescimento no sistema estatal, os recursos direcionados para a saúde foram insuficientes, minguando progressivamente e dificultando sua redistribuição. A mera formalidade assistencialista, totalmente distorcida da realidade social brasileira, criou uma frustração da expectativa popular, que foi buscar a satisfação de suas necessidades nos órgãos jurisdicionais.

A Justiça passou a determinar ao Estado a obrigatoriedade de cumprir o mandamento constitucional com a distribuição de medicamentos de alto custo para as pessoas menos favorecidas financeiramente. A vida humana, como bem maior, indisponível, com obrigação vinculativa ao Estado, ingressou na esfera de prioridade de atendimento, pois tamanha dimensão não pode ser edificada com o bem-estar de uma camada reduzida de pessoas com poder aquisitivo e o consequente mal-estar da mais pobre.

Diante de tal impasse, surge o Estado como o ente tutelador e, em razão da determinação legal, cumpre a missão de provedor. Assim é que, espontaneamente, de forma administrativa, executa a função que lhe foi reservada. Porém, em outros casos que refogem da alçada permissiva, recusa-se a atender o cidadão que, de regra, pleiteia o benefício negado perante o Judiciário. Com a concessão da medida nasce a obrigatoriedade de cumprimento da ordem legal, mesmo que o ente público se encontre em situação financeira considerada de risco.

O registro junto à ANVISA representa para o cidadão brasileiro o selo de garantia que irá atestar a segurança, eficácia e qualidade do medicamento. Daí que a sua homologação pela Agência de Vigilância Sanitária é o sinal verde para sua comercialização. Assim, o pressuposto primeiro e fundamental passa a ser o registro feito na ANVISA. O STF agiu com extrema cautela e prudência em limitar o oferecimento dos medicamentos somente com relação àqueles detentores do registro exigido. Isto porque sem o registro há incerteza com relação à eficácia do fármaco, que poderá até mesmo produzir nefastos resultados à saúde do paciente, sem qualquer perspectiva de cura, contrariando, frontalmente, o princípio do primum non nocere, um dos balizadores da Bioética.

Ora, uma das funções reservadas à ANVISA é justamente a de regulamentar, controlar e fiscalizar os produtos e serviços que envolvam risco à saúde humana, compreendendo os medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias, de acordo com o que preconiza a lei 9.782/99, em seu artigo 8º, § 1º, I. Daí que, conforme faz parte do decisum comentado, torna-se impossível qualquer ordem judicial concessiva de medicamentos experimentais, mesmo que sejam promissores, pois ainda não receberam o placet da agência reguladora e permanecem no limbo por não terem sido submetidos aos critérios técnicos de segurança e eficácia. 

Há casos, no entanto, quando ocorrer injustificável demora da ANVISA para avaliar um fármaco que requereu o registro no Brasil, cujos prazos são regulamentados pela lei 13.411/16, dependendo da complexidade técnica, não alcançando obviamente os medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras, conforme se depreende do decisum, permite-se a concessão judicial sem o registro sanitário: a) quando for apresentado registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior, como é o caso, por exemplo, da FDA (Food and Drug Administration), dos Estados Unidos e da EMEA (European Agency for the Evaluation of Medical Products), da União Europeia; b) também o caso de inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

Percebe-se, claramente, que o aval da ANVISA é o demonstrativo do sistema regulatório brasileiro, com a finalidade de proteger a saúde pública. Sem sua chancela somente os casos excepcionais definidos pela Suprema Corte poderão ser acessados pela população.

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1 Disponível aqui

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.

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