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A ilegítima defesa sugerida no projeto anticrime

A mudança realizada nas excludentes de ilicitude tem nos chamado a atenção. Tal mudança foi retirada do projeto, o que nos parece ser a medida mais adequada.

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Atualizado às 11:48

Muito tem se falado sobre as mudanças sugeridas pelo ministro da justiça Sergio Moro. Há muitas críticas ao projeto, vindas de todos os lados, como também há elogios, talvez não com a mesma proporção.

Mas um ponto nos chama atenção, mormente em relação ao momento que vivemos hodiernamente. A mudança realizada nas excludentes de ilicitude tem nos chamado a atenção. Tal mudança foi retirada do projeto, o que nos parece ser a medida mais adequada.

Quando há um excludente de ilicitude, a qual a legítima defesa faz parte, junto com o estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício legal de direito, fora as hipóteses trazidas no próprio tipo penal, não há crime.

Diante disso, esse tema é de grande importância, pois está a tratar de uma situação que torna o fato, até então enquadrado em algum tipo penal existente, sem relevância para o direito penal, não sendo considerado crime.

À primeira vista, não era caso de alterações ou quaisquer tipos de mudanças, pois a previsão atual é bastante clara e eficaz, não havendo motivo para acréscimos. Como a excludente da legítima defesa não tem restrição a quais pessoas que pode ser aplicado, então em caso de agente da segurança pública que estivesse em casos de legítima defesa, aplicaria a atual regra.

Tem-se combatido de todas as formas artigos subjetivos, a fim de evitar, demasiadamente, aplicações interpretativas, ficando a critério do julgador conceituar os elementos que compõe os artigos.

Ao trazer que o "juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção", abriu-se uma margem enorme para legitimar condutas graves sob a alegação de medo, surpresa ou violenta emoção, trazendo grande dose de subjetividade.

A grande discussão hoje paira sob uma guerra de nervos que a segurança pública tem causado aos cidadãos. Há uma visão que hoje estamos em guerra, uma luta urbana, com licença para matar. E para fomentar a atuação daqueles que estão nessa chamada guerra, a opção não foi procurar a raiz do problema, mas legitimar uma possível ação que, a título de exemplo, levou a morte de um cidadão, independentemente de qualquer conduta pretérita que tivesse feito.

Para poder chegar a essa legitimação, foi necessário trazer a subjetividade para excluir uma ilicitude e chancelar a conduta até então típica, ilícita e culpável.

Colocar o medo, a surpresa e a violenta emoção como critério para excluir o crime, não deixa dúvida que se está diante de uma ausência de estudos mais aprofundados sobre a segurança pública.

Vislumbra-se, por exemplo, que ao inserir o medo como critério para aplicação da excludente de ilicitude, retira dos agentes da segurança pública a possibilidade de se utilizar dessa hipótese. Não se pode admitir que a pessoa designada para combater ostensivamente, que se preparou, fez cursos, se revista de medo ao se deparar com situações a qual foi treinando.

Não estamos dizendo que a eles não se aplica a legítima defesa. Caso seja a hipótese, será aplicado sim, pois está previsto no Código Penal. Todavia, não é necessário inserir na lei o termo medo, surpresa ou até especificar que em caso de conflito armado será considerado a legítima defesa, pois estaríamos diante de um artigo que legitimaria condutas excessivas como regra geral, sem verificar se realmente é o caso de legítima defesa.

Em suma, essa alteração não se coadunava com o Estado Democrático de Direito, sendo certa a decisão de retirar do projeto.

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t*David Metzker é sócio advogado do escritório Metzker Advocacia.

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