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O Estado Laico

Embora esculpida sob a proteção de Deus, a Constituição Brasileira (clique aqui) é profana. Este simples fato acarreta enorme fardo para os Três Poderes

terça-feira, 8 de julho de 2008

Atualizado em 7 de julho de 2008 13:27


O Estado Laico

Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva*

Embora esculpida sob a proteção de Deus, a Constituição Brasileira (clique aqui) é profana. Este simples fato acarreta enorme fardo para os Três Poderes. Multiplica a responsabilidade de todos porque não conta com a indenização divina reparadora em caso de injustiça.

Apesar disso, o Estado Laico, em flagrante e exacerbado otimismo, quase beirando o desatino, obriga-se a perseguir os seguintes objetivos fundamentais: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento regional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais regionais e, por fim; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e quaisquer outras formas de discriminação

Isto é, a Constituição deseja assegurar aos brasileiros na Terra privilégios e benefícios que dificilmente alcançarão nos insondáveis e desconhecidos confins escatológicos. Bom demais para crer.

Talvez fosse mais seguro optar pelo Estado Religioso. Neste ultimo, na definição de doutos antropólogos, "a religião é um sentimento ou uma sensação de absoluta dependência" (Friedrich Schleiermarcher) ou, "religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no qual ele acredita ou do qual se sente dependente" (C.P. Tiele).

O Estado Religioso teria, portanto, o direito de adormecer em berço esplêndido e não se apoquentar com as irritantes reivindicações dos cidadãos porque seriam estes satisfeitos depois "que a indesejada das gentes chegar".

Mas essa não foi a escolha do Brasil. O Estado preferiu a via republicana da secularização. E se tal alternativa se impõe, cabe a todos nós buscar o caminho que mais se aproxime do apelo constitucional.

Penso que o primeiro passo é descobrir a maneira correta de alcançá-lo.

Há muitos milhares de anos, os crentes de toda a sorte respondem com absoluta tranqüilidade e convicção as três grandes perguntas que desde sempre afligem a humanidade: "quem somos, de onde viemos e para onde vamos?" Os cientistas, por sua vez, apenas recentemente (cento e cinqüenta anos de comemoração a Darwin) conseguiram responder apenas às duas primeiras. A terceira permanece uma incógnita no coração dos céticos. Não existe aqui a pretensão ridícula de formular concepções aleatórias sobre o tema. Mas a última pergunta nos leva a formular outras questões, estas sim, que devem ser respondidas: para onde vai o Brasil? o que pretende ser quando crescer? aonde querem os brasileiros chegar? desejam que o país se transforme numa grande potência tal qual os EUA de hoje, ou numa tranqüila, mas social e economicamente estável nação?

Não sei se há alguém ou algum organismo refletindo sobre tais assuntos. Aliás, será que o Ministro do Planejamento Estratégico (do futuro ou do etc, como prefere Ancelmo Góes), Roberto Mangabeira Unger, tem alguma proposta de nação para o Brasil? Questões pontuais são vislumbradas e discutidas pelos mais diversos segmentos, mas não se enxerga uma diretriz uniforme, macro- abrangente, nacional. Há menos de dois anos, o mais ambicioso projeto do Governo consistia numa "Operação Tapa-Buracos" nas estradas do país. Hoje, este mesmo Governo promove, orgulhosamente, as obras do PAC. Sinto muito, o Brasil é mais do que um canteiro e tem o direito de sonhar além da mediocridade.

Assim, para que o vírus da inércia não contamine os súditos deste país, quem sabe não seriam estes capazes de adotar algumas medidas elementares de fortalecimento do próprio Estado Democrático?

A plenitude da Democracia se dá quando efetivamente o povo detém o Poder. No caso do Brasil, a Democracia vem sendo subjugada para atender aos interesses de poucos. Um povo despolitizado, descrente dos seus representantes, alijado de tudo e de si mesmo, só tem olhos para a recompensa imediata do voto que deposita na urna da barganha. Dá de ombros e argumenta: - que me importa se são todos corruptos?

Em meados do século XVIII, Montesquieu, na sua obra magnífica "Do Espírito das Leis", já alertava:

"O povo é admirável para escolher a quem deve confiar parte da sua autoridade. Somente pode decidir-se por coisas que não pode ignorar, e por fatos que se apresentam aos seus sentidos"

"É preciso que o povo seja esclarecido pelos principais e contido pela gravidade de certos personagens"

"Sólon estabeleceu, em Atenas, que os senadores e juízes seriam escolhidos por sorteio. No entanto, para corrigir a sorte, estabeleceu que aquele que tivesse sido eleito fosse examinado pelos juízes, e que qualquer um poderia acusá-lo de ser indigno"

E finalmente,

"Os políticos gregos, que viviam no governo popular, só reconheciam uma força que os poderia manter, isto é, a da virtude. Os de hoje só nos falam de manufaturas, comércio, finanças, riquezas e mesmo de luxo. Quando essa virtude desaparece, a ambição entra nos corações que a podem acolher, e a avareza penetra em todos eles. Os desejos mudam de objeto: não mais se ama o que antes se amava".

A sociedade brasileira convive hoje com o desencanto pelos políticos e pelos juízes. Os prepostos das instituições, todavia, não se cansam de alardear o fortalecimento das mesmas em confronto ao Estado despótico de vinte e poucos anos atrás. Aí está um regozijo miúdo. O Brasil quer mais e merece mais.

O Tribunal Superior Eleitoral, em recente decisão apertadíssima, privilegiou os aspirantes a cargos eletivos em detrimento dos interesses dos representados. Acredita que a decisão em tela impediu a prática de eventuais injustiças contra inúmeros candidatos com mácula em sua folha corrida, porém sem decisão passada em julgado. Adotou a interpretação do poder. Aqueles que não pudessem concorrer perderiam o sagrado direito de representar o povo. Isto é, em caso de decisão contrária, prevalecendo mais tarde a inocência desses postulantes, o TSE, injustamente, lhes teria subtraído a auto-estima e a vaidade de servir a seus semelhantes. Ora, se esse desejo de servir for de tamanha magnitude para os candidatos rejeitados, existem centenas de organizações não governamentais, de casas de benemerência, de fóruns de ciências e de idéias etc, em que poderiam exercitar com grande desenvoltura e desprendimento a sua vocação política em benefício dos menos afortunados.

Como antes aqui se mencionou, o TSE adotou os fundamentos do poder. Mil vezes, no passado, perfilhamos idêntica postura. O sufrágio só era possível para os que tivessem renda comprovada, para os homens, para os alfabetizados, enfim, para os detentores do poder. A democracia brasileira era formada por aristocratas e preconceitos. A própria Igreja dava a sua triste colaboração para a preservação das opiniões da época: não era reconhecida a possibilidade de índios e negros possuírem alma.

Felizmente, o Brasil e a Igreja evoluíram desde então mas, ainda assim, a estrutura democrática do primeiro permanece capenga, ineficaz, farsante, porque a sua representação popular continua sujeita às maquinações dos príncipes da República.

Não é de se espantar, portanto, que não haja projetos de governo mas, simplesmente, projetos de poder (a triste ciência de Maquiavel ainda tem inúmeros seguidores).

Sublinhe-se que as mais relevantes pilastras da Democracia estão assentadas nos princípios imaculados e virtuosos dos mandatários do povo.

Por isso, o exercício da atividade política é, antes de tudo, um ato de renúncia e de amor ao próximo. Não há que se avaliar a vocação do homem público, mas,sim, a sua devoção ao outro e o seu desapego pelo poder. Os sacerdotes servem a Deus e às coisas do espírito, os políticos servem à Democracia e ao bem-estar dos homens na terra.

A primeira obrigação dos Ministros do TSE é o aperfeiçoamento da Democracia. A proteção de canalhas é o antídoto para o fim almejado.

Se não for por outro motivo, se todos os argumentos se mostram imprestáveis, se as leis de poder devem prevalecer, ainda assim o Estado Laico deve aos brasileiros algo que não se nega aos moribundos de cidadania, um mínimo de compaixão.

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*Advogado do escritório Candido de Oliveira Advogados









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