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Da imunidade tributária aplicável aos leitores de livros digitais - Kindle e outros e-readers

Thiago Graça Couto

Inicialmente, cabe a definição de e-reader ou leitor de livros digitais. E-Reader é um dispositivo eletrônico utilizado para exibição e leitura de e-books ou livros digitais. Tais equipamentos, utilizam e sua maioria tecnologia conhecida com e-ink, ou tinta digital, sendo que a sensação de leitura na tela destes aparelhos equipados com esta funcionalidade é muito próxima aos livros convencionais.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Atualizado em 8 de janeiro de 2010 11:46


Da imunidade tributária aplicável aos leitores de livros digitais - Kindle e outros e-readers

Thiago Graça Couto*

Inicialmente, cabe a definição de e-reader ou leitor de livros digitais. E-Reader é um dispositivo eletrônico utilizado para exibição e leitura de e-books ou livros digitais. Tais equipamentos, utilizam e sua maioria tecnologia conhecida com e-ink, ou tinta digital, sendo que a sensação de leitura na tela destes aparelhos equipados com esta funcionalidade é muito próxima aos livros convencionais.

Existem dezenas de e-readers comercializados atualmente, sendo o Kindle, da empresa americana Amazon, o mais conhecido e popular. Tal aparelho foi lançado no Brasil no ano de 2009, com um custo final para o consumidor brasileiro mais do que duas vezes maior do que para os americanos. A justificativa da empresa para a discrepância nos preços, como sempre, foi atrelada aos impostos e contribuições incidentes neste tipo de importação.

Como é sabido, livros, jornais, periódicos e papéis para impressão destes materiais, são imunes a incidência de impostos, conforme previsto pelo Art. 150, inciso IV, alínea d, da Constituição Federal (clique aqui):

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Será que tal imunidade seria extensível aos leitores de livros digitais, tal como o Kindle da Amazon? Em primeiro lugar, é oportuno discorrer acerca da mens legis do citado dispositivo. Em outras palavras, qual o real objetivo pretendido pelo legislador constituinte?

Tal como doutrinado por Alexandre de Moraes, a norma acima transcrita tem como finalidade a garantia e efetivação da livre manifestação do pensamento, da cultura e da produção cultural, científica e artística, sem a possibilidade de criação de empecilhos econômicos, via tributação, por parte do Estado.

O Art. 150, IV, "d", foi redigido com fins de prestigiar a liberdade de informação, imprensa e desobstruir a difusão da cultura e educação ao povo brasileiro. Sacha Calmon Navarro Coêlho, nesta mesma linha de entendimento, bem ressalta que a imunidade filia-se aos dispositivos constitucionais que asseguram a liberdade de expressão e opinião e partejam o debate das idéias, em prol da cidadania, além de simpatizar com o desenvolvimento da cultura, da educação e da informação.

Desta feita, independentemente do meio em que a informação é apresentada, seja ele físico ou digital, a aplicação da imunidade aos e-readers está em inteira sintonia com o pretendido pelo legislador, restando evidente que, neste caso, deverá haver um interpretação teleológica do dispositivo constitucional, adequando-o aos padrões tecnológicos atuais.

Considerando a imaterialidade das publicações digitais, os e-readers nada mais são do que a superfície, ou o papel, analogicamente, em que a informação está inserida, seja esta correspondente a um livro, jornal ou periódico.

Merece destaque, parte do entendimento firmado pelo STF acerca da questão:

A razão de ser da imunidade prevista no texto constitucional, e nada surge sem uma causa, uma razão suficiente, uma necessidade, está no interesse da sociedade em ver afastados procedimentos, ainda que normatizados, capazes de inibir a produção material e intelectual de livros, jornais e periódicos." (STF - RE 174.476 - Rel. Min. Marco Aurélio - DJU 12/12/1997)

O pano de fundo da matéria aqui analisada, qual seja, a imunida tributária da informação aposta em meios digitais não é estranha aos nossos Tribunais, vejamos alguns precedentes:

Mandado de segurança. Agravo retido. Tributário. Livro. Cd-rom. Imunidade tributária. Artigo 150, Inciso VI, Alínea "D", Da Constituição Federal. - Agravo retido não conhecido por falta de requerimento da sua apreciação por este Tribunal. - O conceito de livro deve ser entendido como meio de transmissão de informações, tendo em vista que a evolução histórica mostra que o material utilizado para se expressar idéias foi modificado ao longo do tempo, sendo sua impressão em papel mera circunstância. - Deve-se priorizar a interpretação teleológica, a qual possibilita a efetividade da norma imunizante, tendo em vista que o objetivo de se excluir a tributação ao livro é estimular a leitura e, conseqüentemente, o nível de instrução, cultura e formação da população brasileira. - Desta forma, a imunidade abrange também o CD-ROM, que constitui apenas suporte físico para a disseminação do conhecimento. - Agravo não conhecido e apelação a que se dá provimento. (APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 38592 - Rel. Desembargador Federal ALUISIO GONCALVES DE CASTRO MENDES - TRF2 - DJU - Data:5/9/2003 - Página::211)

Mandado de segurança - Tributário e constitucional - Imunidade tributária de cd-roms educativos - Inteligência do artigo 150, VI, d, da CF. 1.O artigo 150, VI, d, da CF deve ser interpretado teleologicamente, observando-se a intenção do legislador de estimular a cultura e garantir a liberdade de expressão. 2.O CD-ROM possui a mesma finalidade dos livros, jornais e periódicos de difundir idéias e conhecimentos, motivo pelo qual está abrangido pela mesma imunidade tributária. 3.Remessa necessária e apelação improvidas. (AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 44309 - Rel. Desembargador Federal PAULO BARATA - TRF2 - DJU - Data:4/6/2003 - Página::161)

Constitucional e tributário - IPI e II - imunidade tributária - art. 150, vi, "d" da CF/88 - material didático destinado ao ensino da língua inglesa em formato cd-rom, cd áudio, fitas de vídeo, fitas cassete - possibilidade de extensão. A imunidade, como regra de estrutura contida no texto da Constituição Federal, estabelece, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos que alcancem situações específicas e determinadas. O disposto no artigo 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal se revela aplicável, uma vez que novos mecanismos de divulgação e propagação da cultura e informação de multimídia, como o CD-ROM, aos denominados livros, jornais e periódicos eletrônicos. são alcançados pela imunidade. A norma que prevê a imunidade visa facilitar a difusão das informações e cultura, garantindo a liberdade de comunicação e pensamento, alcançando os vídeos, fitas cassetes, CD-ROM, aos denominados livros, jornais e periódicos eletrônicos., pois o legislador apresentou esta intenção na regra no dispositivo constitucional. Apelação provida. (AMS - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA - 307236 - Relator Juiz NERY JUNIOR - TRF3 - DJF3 CJ1 DATA:27/10/2009 PÁGINA: 58)

Tais julgados são plenamente aplicáveis ao caso aqui debatido, com exceção de que, ao invés de cd's os livros e jornais são acessíveis através de leitores digitais, como é o caso do Kindle.

Em decisão proferida em Dezembro de 2009, o Juízo da 22ª. Vara Federal de São Paulo, julgou procedente pedido liminar para reconhecer a imunidade tributária do produto Kindle, nos termos do artigo 150, inciso VI, alínea "d", da Constituição Federal, em relação ao recolhimento dos impostos incidentes na importação.

Referida decisão considerou a imunidade do Kindle apenas aos impostos incidentes na importação do produto, e não as outras espécies de natureza tributária, tais como PIS e COFINS.

Tal questão merece breve reflexão, já que não nos parece que haverá dificuldade no reconhecimento da imunidade dos e-readers aos impostos incidentes sobre a importação por nossos Tribunais.

A lei 10.865, de 30 de Abril de 2004 (clique aqui), que instituiu a contribuição para o PIS e COFINS, prevê como fato gerador para o recolhimento das ditas espécies tributárias, a entrada de bens estrangeiros no território nacional. Entretanto, em seu Art. 8.º, § 12.º, inciso XII, reduz a zero as alíquotas das contribuições nas hipóteses da importação de livros, conforme definido pelo Art. 2.º da lei 10.753, de 30 de Outubro de 2003 (clique aqui).

Colacionamos abaixo a cabeça do Art. 2.º da lei 10.753/2003, bem como seu inciso VIII.

Art. 2º Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento.

Parágrafo único. São equiparados a livro:

VII - livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual;

Como se vê, a lei instituidora da Política Nacional do Livro expressamente dispõe que livros em meios digitais só são equiparados a livros quando utilizados exclusivamente por pessoas com deficiência visual. Por este motivo, o Kindle e outros e-readers não seriam contemplados com a nulificação da alíquota referente ao PIS e COFINS incidentes sobre sua importação.

As inovações tecnológicas das últimas décadas modificaram radicalmente a forma com que temos acesso à informação. A redação do dispositivo citado anteriormente é anacrônica, não fazendo qualquer sentido, jurídico ou econômico, a isenção de PIS e COFINS apenas dos livros digitais direcionados exclusivamente para uso de pessoas visualmente deficientes.

Trata-se de um diploma legal que merece ser atualizado, retirando-se tal limitação e garantindo a mais ampla imunidade tributária ao Kindle e demais e-readers.

Referência Bibliográfica

JUNIOR, Nelson Nery. Leis Civis Comentadas. 10.ª Ed. São Paulo: Ed. RT, 2007.

MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. 7ª. Ed. São Paulo: Ed. Jurídico Atlas, 2007.

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*Associado Fundador da Associação Brasileira de Jovens Advogados - ABJA e Instituto Brasileiro de Jovens Advogados - IBJA. Advogado do escritório Covac - Sociedade de Advogados

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